A enciclopédia de Yongle

O livro “1421 o Ano em que a China Descobriu a América” de Gavin Menzies apresenta no título um erro, pois os chineses já milénios antes tinham chegado ao continente americano. Para aí passaram a pé pelo estreito de Bering, aproveitando um período de glaciação entre os trinta e vinte mil anos, e por via marítima, no III milénio antes da nossa Era, durante a guerra entre as tribos de Ji, chefiada por o Imperador Amarelo (Huang Di, o primeiro dos Cinco Ancestrais Soberanos) e Chi You à frente dos Dongyi (os Yi do Oeste descendentes da tribo Yi fundada por Fu Xi e Nu Wa). Devido a um intenso nevoeiro, alguns barcos dos Ji perderam-se no oceano e arrastados por correntes foram levados para aí.

Alguns historiadores referem ainda, na dinastia Shang (1600-1046 a.n.E.) e na dinastia Qin (221-206 a.n.E.) o povo chinês atingiu o México. As semelhanças faciais dos índios americanos com o povo mongol seriam uma das provas, tal como o uso do calendário lunissolar com o ciclo de 52 anos, igual ao antigo chinês, havendo outros factos a fazer crer serem eles os antepassados dos Maias e logo dos Incas. Daqui, a data de 1421 pecar por defeito quanto à chegada dos chineses ao continente americano navegando por o Pacífico e como Menzies defende, teriam visitado a Austrália e a Nova Zelândia, pois os locais aborígenes por estudos genéticos parecem ter o ADN chinês e daí não ser descabido terem chegado ao Antártico, e porque não ao Ártico.

Quanto a terem navegado no Oceano Atlântico entre 1421 e 1423 parece ser mais difícil, pois se entraram a partir do Oceano Índico, dobrar o Cabo das Tormentas é muito mais complicado do que navegar para Oriente. Mas se foi a partir do Pacífico, ou passaram junto ao continente da Antártida, ou acharam o estreito que exactamente cem anos depois, em 1520, Fernão de Magalhães encontrou a partir do Atlântico. Essa probabilidade de desvendar o labirinto de vias aquáticas é muito reduzida, pois dali as correntes não dão indícios haver comunicação entre oceanos e além disso, navegar no Atlântico exigiria um outro tipo de embarcação, pois este não é pacífico, nem como o Índico.

Também o livro refere uma série de nomes de Grandes Eunucos e suas viagens, sem que haja hoje registos acessíveis na documentação da China, pois consta terem sido destruídos logo após a sexta viagem e em 1431, antes de a armada sair para a 7.ª viagem, resumidamente gravados numa estrela no Templo de Tian Fei em Liujiagang. A informação apresentada no livro pode ser parte proveniente dos registos dos embaixadores estrangeiros e outra, roubada nos saques feitos por os países que vieram à China tentar conquistar e colonizar, levando muitos tesouros para as suas colecções particulares, bibliotecas e museus.

A GRANDE ENCICLOPÉDIA YONGLE

O Imperador Yongle (1403-1424), mal ocupou o trono Ming, mandou em 1403 compilar num livro todo o conhecimento existente e, além dos Clássicos, Literatura, História, Arte, divindades e lendas, havia muitos outros temas como de Ciência, com Astronomia, Medicina e ainda matérias diversificadas. Nessa recolha participaram cem intelectuais, mas quando um ano depois o soberano leu a “Grande Recompilação de Documentos” sentiu-se frustrado por ser esta obra muito incompleta. Em 1405 enviou emissários adquirir livros que valessem a pena, sem olhar a custos, e essa prospecção foi realizada por toda a China e nos países visitados nas viagens marítimas de Zheng He.

Este almirante, em Nanjing no ano de 1407, fundou uma escola de línguas, Si Yi Guan (四夷馆), após Yongle ordenar a criação do Instituto de Traduções. Aí na aprendizagem de línguas se preparavam intérpretes, seguindo nas frotas os estudantes mais promissores, com uma das funções o de adquirir através de trocas, ou tributos, tudo o que aparecia de diferente onde passassem.

Com estes novos conhecimentos, colocou mais dois mil estudiosos e copistas e assim em 1408 acabou de ser feita a Grande Enciclopédia de Yong Le (永乐大典, Yongle Dadian). Eram 22.877 volumes manuscritos e mais 60 só para o Índice [a wikipédia diz conter 11.095 volumes (册) e 22.937 capítulos (卷)] e tinha 370 milhões de carateres. Essa enciclopédia contava mais de oito mil livros com registos de documentos desde a antiguidade aos primeiros anos da dinastia Ming. Volumosa obra, com apenas um único exemplar, foi primeiro guardada na Biblioteca Imperial (Wenyuan ge) da Cidade Proibida em Nanjing e em 1421 levada para a de Beijing.

Guardados em Nanjing os rascunhos arderam em 1449 e devido a outro incêndio na Cidade Proibida de Beijing em 1557, o Imperador Jiajing (1522-66) ordenou em 1562 ser feita uma segunda cópia, pronta em 1567. Como os volumes podiam ser requisitados pelos oficiais Ming, muitos não retornaram e assim, ao longo dos tempos, foram desaparecendo. Actualmente restam 150 partes de livros dessa grande Enciclopédia e devido aos saques, há espalhados pelo mundo 400 livros. Em quantidade de informação só no I século do III milénio apareceu uma maior enciclopédia, a digital da Wikipédia.

INCÊNDIO NO PALÁCIO

A capital passou de Nanjing para Beijing, sendo o Palácio Imperial (Gugong, 故宫) inaugurado no primeiro dia da primeira lua do ano Xin Chou (辛丑), 19.º ano do reinado de Yongle (2 de Fevereiro de 1421). O Imperador deu uma grande festa com 26 mil convidados e como visitantes assistiram as delegações de Boni, do Japão, da Coreia, Champa e embaixadas da Ásia e África, dezasseis chegadas a Nanjing no 7.º mês lunar de Ji Hai (己亥), ano 17.º do reinado de Yongle, [Agosto de 1419], vindas na quinta viagem marítima de Zheng He. Ali estavam príncipes e embaixadores, sendo os provenientes da Arábia de Ormuz (Hulumosi), Zufar (Zufa’er em Omã), La’Sa (Xier), Adem; da África estavam de Mogadíscio (Mugudushu), Zheila (Ra’s), Brava (Bu-la-wa) Mombaça, Melinde (Malindi); da Índia, representantes de Cambaia (Khanbayat), Calecute (Guli), Cochim (Kezhi), Coulão ou Quilon (Gelan ou Xiaogelan), Jiayile (Kayal no Sul da Índia), Ganbali (Sudoeste da Índia) e também das ilhas Liushan (Maldivas e Laccadive) e do Ceilão (Xilanshan); do Sudeste Asiático, de Malaca (Manlajia), da ilha de Sumatra, os embaixadores de Samudera (Pasai, ou Pacem), Lambri, Aru (Haru) e Palembang, e da ilha de Java o de Semarang.

“Ao longo de um mês após a inauguração da Cidade Proibida, os governantes e seus embaixadores que se encontravam em Pequim foram obsequiados com a mais maravilhosa hospitalidade imperial – as melhores comidas e bebidas, as mais magníficas diversões e as mais belas concubinas”, refere Gavin Menzies, que segue, “No dia 3 de Março de 1421, foi organizada uma grande cerimónia para comemorar o regresso das delegações às suas terras de origem. Uma enorme guarda de honra foi montada” [por centenas de milhares de soldados]. “Precisamente ao meio-dia, soaram os címbalos, os elefantes baixaram as trombas e nuvens de fumo ergueram-se dos queimadores de incenso (…) O imperador apareceu para presentear as delegações que estavam de partida com as suas ofertas de despedida – cestos cheios de porcelana azul e branca, peças de seda, fardos de roupa de algodão e caixas de bambu com jade.”

Os visitantes estrangeiros saíram de Beijing pelo Grande Canal e embarcando em quatro esquadras foram levados para as suas terras, tendo Zheng He escoltado a armada até à Índia e depois regressou, enquanto os esquadrões seguiram pelo Oceano Índico para a Arábia, Pérsia e África.

Três meses após a inauguração do Palácio Imperial e dois desde a partida da sexta viagem, na noite do dia 8 da 4.ª lua do ano Xin Chou (辛丑), 19.º ano do reinado de Yongle, [9 de Maio de 1421] devido a uma trovoada três pavilhões do Palácio Imperial [o Pavilhão da Suprema Harmonia (Taihe Dian, 太和殿), o Pavilhão da Perfeita Harmonia (Zhonghe Dian 中和殿) e o Pavilhão da Protectora Harmonia (Baohe Dian 保和殿)] arderam, reduzindo a cinzas 250 secções do Palácio, tal como o trono. Este o ponto de viragem do reinado de Yongle.

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