História | Echo Macaense, o primeiro jornal bilingue em análise académica

A investigadora Cátia Miriam Costa está a estudar o perfil jornalístico e político do periódico “Echo Macaense”, publicado em finais do século XIX e que foi o primeiro jornal bilingue publicado no território. O HM falou com a académica que se debruça sobre a publicação que divulgou ideais republicanos e alguns dos primeiros textos de Sun Yat-sen

 

Na história da imprensa de Macau não há muitos exemplos de edições bilingues, embora o português e o chinês tenham coexistido num território com comunidades separadas e interligadas ao mesmo tempo, muito antes da Lei Básica determinar as duas línguas como idiomas oficiais.

Temos, já no século XXI, a experiência do suplemento em português do “Tai Chung Pou” e, mais recentemente, do semanário “Plataforma”, lançado em 2013 como um jornal totalmente bilingue, com os mesmos conteúdos em português a serem traduzidos para chinês.

Contudo, o “Echo Macaense”, editado em finais do século XIX, foi a primeira experiência jornalística do género. A investigadora Cátia Miriam Costa, ligada ao Instituto Superior das Ciências do Trabalho e da Empresa – Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL), apresentou recentemente, nas conferências sobre Macau do Centro Científico e Cultural de Macau (CCCM), algumas das conclusões do estudo que está a desenvolver sobre este jornal, na palestra intitulada “O papel político da imprensa em Macau – O caso do periódico Echo Macaense”.

Ao HM, a autora falou de algumas conclusões que retirou da análise ao jornal que foi, acima de tudo, importante pela sua tentativa de ligação de duas comunidades.

“O jornal destacou-se logo por ter uma edição bilingue, o que, só por si, era uma novidade. As edições eram completamente autónomas e, por isso, vieram a separar-se. Não eram traduções, não funcionavam como uma mesma versão nas duas línguas. Contudo, tinham uma partilha de ideário e objectivos, o que fazia com que fosse natural a sua publicação em conjunto e depois continuasse a sua publicação em separado, ficando os dois jornais ancorados na mesma tipografia.”

O local de impressão era a Tipografia Mercantil, propriedade da família de Francisco Hermenegildo, que foi director da publicação, que chegou também a ser dirigida pelo empresário Pedro Nolasco da Silva.

Segundo Cátia Miriam Costa, o “Echo Macaense” foi um espaço público de “debate com jornais seus contemporâneos porque fez algo de novo que era tentar fazer convergir, no mesmo periódico, os interesses das várias comunidades. Dava também atenção aos interesses da comunidade chinesa”.

Além disso, em termos políticos, “congregava à sua volta alguns intelectuais ligados ao ideário republicano, tanto do lado português como do chinês”. Destaca-se “a colaboração de Sun Yat-sen, que terá publicado ali alguns dos seus primeiros textos e ideias”. Assim, aponta a investigadora, “o jornal é extremamente relevante para fazermos uma análise da parte portuguesa como da parte chinesa, e ajuda-nos até a perceber quais as pontes que o periódico tentava estabelecer”.

As páginas literárias

Cátia Miriam Costa confessa que há ainda muita matéria a explorar sobre o papel que o “Echo Macaense” teve na sociedade e meio político locais. Falta ainda perceber “se houve alterações na linha editorial, porque o jornal publicou-se durante muitos anos, e se esta promovia uma aproximação das comunidades portuguesa e chinesa”, bem como “quais os aspectos políticos mais interessantes nas duas edições do periódico”.

Acima de tudo, a investigadora entende que estudar o “Echo Macaense” tem relevância por ter sido “um projecto de convergência das comunidades que parece ter caído e nunca mais voltou a ser uma prioridade para a elite intelectual de Macau, pelo menos em termos de publicação conjunta.”

Na sua génese, o “Echo Macaense” unia “as duas comunidades, nem que fosse em termos da criação de um produto que tinha sido fundado debaixo do mesmo ideário”.

Além da vertente política, o jornal “tinha uma pequena rúbrica sobre literatura e cultura, nas duas versões”. “Existia um interesse em promover a educação e cultura, que era transversal, mas que estava muito ligado ao ideário republicano. Os títulos eram variados, mas eram publicados excertos literários, o que era comum na imprensa da época, contemporânea”, frisa Cátia Miriam Costa.

Nesse ponto, “o jornal não diverge do modelo dos jornais metropolitanos, por exemplo ou publicados em todo o mundo”. “Na altura a imprensa tomava como sua esta função educativa e de puxar o leitor para as artes e cultura. Havia esse papel, que me parece bastante relevante no ‘Echo Macaense'”, adiantou a académica.

Investigação desde 2017

Cátia Miriam Costa vem desenvolvendo a investigação académica sobre a publicação desde 2017, ano em que publicou, na edição inglesa da “Revista Macau”, um artigo sobre o tema. Na altura, escreveu que o “Echo Macaense” foi “um periódico entre muitos, no entanto, o seu lugar na história é especial”, uma vez que circulou “não apenas em Macau, tendo sido distribuído em várias cidades da China continental, Portugal e Timor-Leste, bem como em São Francisco”, nos Estados Unidos.

Editado durante seis anos, desde Julho de 1893 a Setembro de 1899, o jornal foi publicado todas as semanas, à excepção de um hiato entre 6 de Novembro de 1895 e 2 de Fevereiro de 1896.

A 21 de Fevereiro de 1894 foi oficialmente anunciada a separação entre as versões portuguesa e chinesa, embora tivessem continuado a ser impressas na Tipografia Mercantil. “Parece que a separação ocorreu sem conflito, e talvez a única razão para a separação foi a necessidade de diversificar o conteúdo editorial ou adquirir diferentes patrocinadores para as duas versões”, escreveu então.

Cátia Miriam Costa participou, recentemente, num capítulo de um livro sobre a “A Abelha da China”, que foi “o primeiro jornal com características modernas não só de Macau como em toda a Ásia, sendo pioneiro neste contexto”. A obra, editada pelo CCCM, intitula-se “A Abelha da China nos seus 200 anos – Casos, Personagens e Confrontos”.

A investigadora, especialista em ciência política e relações internacionais, entende que a imprensa local pode dar muitas respostas que permanecem por estudar. “Este é um campo fértil para se fazer investigação, até porque, no caso de Macau, não existem estudos a mais. Mas depende muito do acesso às fontes e do interesse que se consegue gerar. Hoje em dia a investigação é muito utilitária e aposta-se mais em assuntos que sejam publicados para terem impacto na sociedade. Este é apenas um facto histórico. Mas penso que, neste caso, é um projecto importante para percebermos as relações entre comunidades. Há muitas questões que podemos levantar em torno da imprensa”, rematou.

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