O sexo e a morte

Os franceses chamam ao orgasmo le petite mort. Uma pequena morte para os que vivem no limbo da vida, a roçarem os limites da sensação de transcendência. O Freud não lhes conferiu tal ligação. Ao invés dicotomizou duas pulsões que regem a vida. A pulsão da morte ou da destruição e a pulsão do prazer, a libido. Para os que intelectualizam a maneira das coisas, os opostos significam pouco quando coexistem de forma tão inequívoca.
Quanto mais sexo se tem, mais vida se ganha. Ou seja, quem tem mais orgasmos reduz a sua mortalidade, dizem-nos os cientistas. Mas quando se fala do sexo a par da morte sugere-se uma visão mais metafórica. Talvez mais animal também. Se a morte é o que devemos à natureza que nos criou de carne e osso, o sexo é o que devemos à nossa natureza. Um com o outro, nunca sem.
A velhice é um espaço de receios contaminada pela morte e nem por isso por menos sexo. As pessoas sabem que o seu caminho pode torná-las menos conscientes da civilização que as rodeia. Por consequência, os outros respondem com horror à sua desadequação. O sexo é-lhes apagado porque erroneamente achamos que o sexo só existe na vitalidade da juventude e dos seus momentos fugazes e irrefletidos. O sexo é como se não existisse. Ao ver a minha família a envelhecer e a desaparecer em cognição e pensamento vejo que o sexo continua lá. Talvez não da mesma forma. A minha avó manda beijos aos homens e o meu pai manda piropos às mulheres como nunca o vi mandar. Uma força de vitalidade que tenta contrariar o mundo das profundezas de Hades, o deus da morte. Fazem-se cambalhotas para fintar a negatividade ou a inação que é a degeneração. Um mecanismo para manter a vitalidade animal.
Mas na pulsão libidinal está algo ainda mais básico que o sexo: está o afecto, o toque e o carinho. Esse é o sustento mais importante para a nossa sobrevivência, o antídoto da morte. Nos anos 50 realizou-se um estudo que mostrou o poder do toque. Harry Harlow mostrou que para a sobrevivência de macacos bebés era necessário algo mais para além da comida e água. Para a sua sobrevivência precisavam do conforto dos braços da mãe macaca, um outro tipo de sustento. O sustento que aguenta o caminho para o desconhecido. O sustento que é tantas vezes posto de parte, ignorado ou posto para segundo plano, como se a única necessidade humana de sobrevivência fosse um tecto, uma refeição e pouco mais.
O vislumbre da morte precisa tanto de sexo como o sexo precisa da morte. Se não fosse a mortalidade, a força libidinal não teria tanta expressão e vontade de contrariar a decadência dos corpos. É também pelo sexo que nos aproximamos desse estado de perda e dissolução, de não sabermos quem somos nem por onde vamos. Como uma dança que transporta simplicidade de se ser, o Freud tinha razão. O Eros, o prazer, e o Thanatos, a morte, podem bem ser as pedras basilares das nossas vidas.

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