Manchete SociedadeHong Kong | Artigo aponta palco de discussão criado por macaenses João Santos Filipe - 3 Fev 2023 Um artigo publicado na revista The Journal of Imperial and Commonwealth History destaca o estabelecimento da comunidade macaense em Hong Kong e a criação de uma esfera pública que permitia opinar com mais liberdade sobre o governo colonial de Macau Um espaço com uma liberdade relativa que permitia que a comunidade macaense discutisse os problemas políticos e sociais de Portugal e de Macau como território sob administração colonial. É desta forma que a historiadora Catherine S. Chan, ligada à Universidade de Macau, caracteriza Hong Kong e a relação com a imprensa em língua portuguesa criada pela primeira vaga de emigrantes macaenses na cidade vizinha. Num artigo publicado na revista científica “The Journal of Imperial and Commonwealth History”, com o título “An Alternative Macanese Public Sphere: Discussing Portuguese Macau’s Problems in British Hong Kong”, Catherine S. Chan explica que após o estabelecimento da colónia britânica, durante a década de 1840, os macaenses encontraram em Hong Kong um espaço onde podiam discutir Portugal, Macau e até criticar algumas das políticas. No século XIX, a colonização britânica de Hong Kong surgiu como uma oportunidade para alcançar melhores condições de vida para a população que vivia em Macau e atraiu mesmo muitos macaenses. Também os aspirantes a editores de jornais não deixaram passar a oportunidade, relata o artigo, que aponta que em cerca de 50 anos surgiram no território vizinho mais de 10 jornais em língua portuguesa. Alguns artigos publicados na imprensa em língua inglesa também eram comuns, havendo grande influência da comunidade macaense nos jornais do território vizinho. “Os aspirantes a editores de jornais encontravam em Hong Kong um ambiente relativamente liberal que lhes permitia instalarem jornais que falavam para a comunidade Macaense”, é indicado. “Entre a década de 1840 e os finais da década de 1890, mais de dez jornais em língua portuguesa emergiram em Hong Kong, embora alguns tenham tido uma vida muito curta”, é acrescentado. Entre os exemplos apresentados constam as publicações Verdade e Liberdade, de José Maria da Silva e Sousa, ou Impulso às Letras. Fuga à censura Um dos principais objectivos da criação de jornais em Hong Kong passava por fugir à forte censura do Império Português, que também se estendia a Macau. Foi esta realidade que permitiu a criação de uma esfera pública de discussão de Portugal e de Macau. “A governação repressiva do governo colonial português criou descontentamento entre muitos macaenses, fazendo com que procurassem ambientes mais liberais para se poderem exprimir”, é justificado. “Entre a década de 1840 e 1860, surgiram em Hong Kong como cogumelos sete jornais em língua portuguesa, e alguns com ligações anteriores à imprensa de Macau”, é acrescentado. Apesar dos jornais em português em Hong Kong terem mais liberdade face à censura da administração colonial em Macau, onde o encerramento de jornais era uma prática comum, nem todas as vozes eram críticas e havia um grande fervor patriótico. A pátria não se discute O ambiente nem sempre era fácil para as publicações em português de Hong Kong, uma vez que o Governo não tinha problemas em pressionar as autoridades britânicas, quando se sentia incomodado com o que era publicado. Como exemplo deste ambiente, a autora indica o caso do jornal The China Mail, que a 5 de Maio de 1868 publicou um artigo a acusar o ex-governador de Macau José Coelho Amaral de ter recebido 2 mil libras para fechar os olhos ao tráfico de coolies. Após a notícia, as autoridades portuguesas ficaram incomodadas com o conteúdo do artigo e pressionaram a congénere para “controlar” o jornal. Como consequência, o Procurador de Hong Kong acusou o jornal de ter difamado o governo de Macau e de ter colocado “em risco a amizade entre Portugal e o Reino Unido”. A acusação acabaria por cair, mas devido a vícios do processo. Ainda assim, a autora conclui que a imprensa de Hong Kong preparou o palco para críticas liberais às políticas portuguesas, o que permitiu o despertar de uma esfera de pública alternativa em Hong Kong, que por vezes criou tensões entre os dois territórios. A autora indica também que com o passar dos anos, principalmente no século XX, e uma maior identificação da comunidade macaense com Hong Kong, a discussão sobre Macau na cidade vizinha perdeu fulgor, sedo relegada para segundo lugar, face à discussão em torno dos assuntos da colónia britânica.