h | Artes, Letras e IdeiasPara terminar com a greve José Simões Morais - 6 Set 2022 DR A 13 de Abril de 1892 O Macaense, publicado às quintas-feiras, noticia não haver nenhuma novidade e a cidade continuar a viver em paz, conservando-se os chineses no mais completo sossego, apesar de após a criação do exclusivo de liu-pun correr o receio de aparecerem novos exclusivos, sobre salitre, enxofre, tabaco, etc.. “Consta-nos que a câmara municipal dirigiu ao Sr. Governador um ofício a retransmitir a representação dos chineses” [transcritos nos dois artigos anteriores]. Refere a 22 de Abril O Macaense, que desta vez saiu um dia mais tarde, na sexta-feira: “Depois das sucessivas petições que os chineses haviam dirigido (…) sobreveio uma calma completa, parecendo que a agitação tinha cessado e os ânimos estavam sossegados. É que a bonança era aparente, mas prenhe de tempestades. De repente, na tarde de 19 do corrente, correu o boato de que no dia seguinte ia haver greve geral, tanto assim que reinava grande actividade nas lojas do bazar, onde afluía numerosa gente para compra de arroz, lenha e outros géneros necessários ao sustento diário. Soube-se então que os chineses, a quem se havia proibido fazer reuniões em Macau, sem prévia participação às autoridades competentes, faziam os seus meetings na Lapa, onde se decidiu fazer a greve. Muitas pessoas, porém, não queriam acreditar que os chineses levassem avante o seu plano, e esperavam que tudo ficaria em águas de bacalhau, quando na manhã do dia 20 do corrente se viu, com surpresa geral, que a greve era uma triste realidade. Não há memória de ter havido nesta cidade, desde a sua fundação, uma manifestação tão geral. Todas as lojas chinesas de Macau fecharam-se. Apenas se conservaram abertas as casas de jogo do fantan e das lotarias pac-a-piu e vae-seng, que estiveram vazias por falta de jogadores. O Sr. Administrador do concelho, acompanhado de uma escolta de polícia, percorria as ruas fazendo abrir à força algumas lojas de arroz, que se vendia por preço exagerado. A maioria das lojas continuaram fechadas até ontem.” O governo estabeleceu um celeiro de arroz na Rua Central para fornecimento do público e ordenou “o arrombamento de algumas lojas de arroz, porque o artigo 275.º do código penal proíbe ao mercador que vende para uso do público géneros necessários ao sustento diário esconder suas provisões, ou recusar vendê-las a qualquer comprador, com quanto este artigo venha no capítulo de Monopólio e não tenha aplicação na hipótese em questão. Infelizmente, porém, parece que o governo provincial andava mais sôfrego de ver a solução da crise,” e “estava firmemente resolvido a fazer terminar até com violência a greve no começo do terceiro dia. Para esse fim tinha-se reunido o conselho do governo na manhã do seguinte dia (que foi ontem, 21 do corrente) e consta-nos que tomaram unanimemente as seguintes deliberações: 1ª. – Que o governo não deveria ceder, nem transigir; 2ª. – Que devia haver-se com prudência, empregando primeiro meios suasórios para os chineses abrirem; a fortaleza do Monte daria um tiro, e se logo depois não se abrissem todas as lojas, o governo mandaria abrir à força as que se conservassem fechadas, e processaria os que fossem encontrados nelas, e além disso tomaria conta de todos os objectos existentes fazendo funcionar as lojas e remetendo o produto à tesouraria de fazenda. Quando nos chegou isto ao conhecimento, foi uma verdadeira surpresa, porque pensávamos que a atitude do governo seria sempre moderada, e jamais agressiva.” (…) “O conselho do governo, porém não entendeu assim. Considerou a greve sob um prisma diferente, quando a verdade é que o código penal só proíbe a greve dos mercadores dos géneros necessários ao sustento diário, sendo o seu fim o monopólio, e não outro qualquer, e a pena da lei resume-se simplesmente em multa, conforme a renda do mercador, de um a seis meses.” “O edital do governo teria sido publicado hoje [22 de Abril] se não tivesse acabado esta manhã a greve, graças ao patriotismo do Sr. Visconde de Senna Fernandes e de alguns chineses influentes, e ao edital do Leal Senado que concorreu em parte para acalmar os ânimos…” Reunião no hospital “Alguns arrematantes dos exclusivos fiscais, sobretudo o chinês Lucau, vendo-se gravemente lesado nos seus interesses, e compreendendo o grave risco em que incorriam os seus negócios, os seus bens, e a tranquilidade pública, da paralisação total do comércio, solicitou do governo licença para um meeting no hospital chinês. (…) Ao meeting, que se realizou ontem [21de Abril] ao meio dia, assistiram os srs. Procurador dos negócios sínicos, o primeiro intérprete-sinólogo Pedro Nolasco da Silva, e uns cinquenta principais negociantes chineses, presidentes ou chefes das agremiações industriais desta cidade, e o proprietário deste jornal [O Macaense] Sr. Secundino Noronha. Corria placidamente a discussão, tendo chegado a resolver que se devia requerer novamente ao governo solicitando a abolição do novo exclusivo e a promessa de se não criarem mais impostos, quando a arraia-miúda, que se aglomerava dentro e fora do hospital, se mostrava impaciente e desejosa de saber o resultado da deliberação. Já mesmo antes disso era tal a vozearia, que os deliberantes se viram obrigados a recolher-se para uma sala mais interna. Alguns dos negociantes com o fim de acalmar a agitação, saíram da sala e participaram à turba que seria resolvida satisfatoriamente a questão, explicando-lhe a deliberação da assembleia. Nisso prorromperam em algazarra, gritando que queriam imediatamente a abolição do novo imposto; e uma chuva de pedras, cacos e telhas começou a cair sobre o lugar onde estavam os dois funcionários acima indicados e os negociantes, partindo as vidraças e chegando um dos fragmentos a tocar levemente um dos dois soldados do destacamento próximo àquele lugar, os quais tinham sido chamados pelo Sr. Nolasco da Silva logo ao manifestar-se o tumulto. Interrompeu-se a sessão, e tanto o Sr. Procurador dos negócios sínicos, como os srs. Nolasco da Silva, e Secundino Noronha e os dois soldados tiveram de se escapulir por uma porta traseira do hospital que dá para o cemitério de S. Miguel, devendo-se aos srs. Procurador e Noronha o não ter rebentado nesta ocasião (ilegível) queriam imprudentemente atirar-se à multidão furibunda. Marchou em seguida para o local do conflito o 1.º batalhão do regimento d’ infantaria do ultramar, com o seu comandante Sr. Major Júlio Felner, acompanhado do Sr. Procurador dos negócios sínicos; mas não foi preciso empregar a força, porque à chegada dela já se havia dispersado a multidão. Ao mesmo tempo que tudo isto acontecia, espalhava-se a notícia aterradora de haver incêndio no bazar; os telefones confirmaram-no, e em seguida a fortaleza do Monte dava dois tiros de rebate. Felizmente era rebate falso, mas concorreu para se dispersasse aquele ajuntamento da populaça, em que já dominavam intenções sinistras.”