VozesOs Mártires da floresta Amazónica Olavo Rasquinho - 5 Ago 2022 Estamos habituados relacionar a Amazónia com o Brasil mas, na realidade, trata-se de uma vasta floresta tropical que se estende por territórios de nove países. É certo que a maior parte se distribui pelo Brasil (cerca de 60%) e Colômbia (cerca de 13%), estendendo-se os restantes 27% pela Venezuela, Equador, Bolívia, Guiana, Suriname e Guiana Francesa. O termo Amazónia provém do nome do rio Amazonas que, por sua vez, adquiriu esta designação a partir do pressuposto que foram avistadas guerreiras nas suas margens, as quais foram comparadas às amazonas da mitologia grega pelo explorador espanhol Francisco de Orellana, que navegou pelo rio desde os Andes até ao Atlântico, tendo atingido a foz em agosto de 1542. O sistema climático (composto por atmosfera, litosfera, criosfera, hidrosfera e biosfera) depende grandemente de uma das suas componentes, a biosfera, na qual estão inseridas as florestas. A Amazónia desempenha um importante papel no que se refere à atenuação das alterações climáticas, na medida em que se trata da mais vasta floresta tropical, abrangendo uma área de cerca de 5,5 milhões de km2. Constitui uma fonte de oxigénio para a atmosfera e um sumidouro de dióxido de carbono, contribuindo assim para a atenuação da concentração dos gases de efeito de estufa produzidos pelas atividades antropogénicas. Acontece, porém, que está a ser alvo de atentados perpetrados pelos humanos, muito mais intensos desde que a administração do Brasil é chefiada por Jair Bolsonaro. De acordo com o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazónia (Ipam), a desflorestação da floresta amazónica em território brasileiro aumentou cerca de 56% de 2016-2018 para igual período de 2019-2021 (respetivamente de 20.911 km2 para 32.740 km2), correspondendo este triénio aos primeiros anos do governo atual do Brasil. Estes valores foram obtidos com recurso a satélites pelo insuspeito Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), cujo diretor, Ricardo Galvão, foi demitido por Bolsonaro em 2019 pelo facto de ter permitido a divulgação destes dados. A desflorestação para exploração da madeira e os incêndios, tendo em vista a exploração agropecuária, têm como implicação a aproximação cada vez maior do ponto de não retorno da capacidade de regeneração da Amazónia, que poderá vir a transformar-se numa imensa savana. Portanto, existe o risco desta floresta passar de sumidouro do dióxido de carbono da atmosfera para uma fonte deste gás. O risco desta inversão do papel da floresta poderá contribuir para o aquecimento global e tornar mais difícil o caminho para o combate às alterações climáticas. Além disso, a destruição de que está a ser alvo contraria os direitos dos povos autóctones, expressos na constituição do Brasil de 1988, em que é reconhecido o facto histórico que os índios foram os primeiros ocupantes do Brasil e, como tal, têm o direito a ocupar a terra onde nasceram. Devido à riqueza que encerra, a Amazónia tem sido alvo de frequentes atentados motivados pela ganância, nomeadamente de garimpeiros, agricultores, caçadores e pescadores sem escrúpulos. Contra estas atividades, frequentemente ilegais, têm-se levantado vozes de ativistas, o mais célebre dos quais foi Francisco Alves Mendes Filho. Chico Mendes, como era conhecido, nasceu em 1944 e foi assassinado em 1988, em Xapuri, no Estado do Acre. Na altura em que desenvolvia a sua atividade, o conceito de “alterações climáticas” não era ainda tão popular como nos nossos dias. Apesar disso, pode-se considerar Chico Mendes como um dos pioneiros das lutas contra essas alterações. Foi uma das vozes que mais se fez ouvir, nas décadas de setenta e oitenta do século passado, em defesa dos seringueiros da Bacia do Amazonas cuja subsistência dependia da floresta amazónica. Na qualidade de sindicalista lutou contra a destruição da floresta e em defesa dos povos indígenas, o que não foi do agrado dos grandes fazendeiros que pretendiam destruir grandes extensões de arvoredo para as substituir por pastagem para gado. Chico Mendes, assassinado em 1988 Muitos outros ativistas foram também vítimas da ganância de grandes fazendeiros. A missionária norte-americana Dorothy Stang teve o mesmo destino de Chico Mendes: foi assassinada no Estado do Pará, em 2005, a soldo de madeireiros e proprietários de terras. Dorothy Stang, assassinada em 2005 Também no Pará, em 2011, foram assassinados os cônjuges José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo, ambos defensores da floresta, vítimas de interesses de madeireiros e criadores de gado. Os executores do assassinato deste casal foram condenados, mas os mentores, por falta de provas, continuam em liberdade. José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo, assassinados em 2011 Ainda em 2011, em Porto Velho, capital da Rondónia, foi assassinado Adelino Ramos, ativista do direito à terra, após denúncia de exploração ilegal de madeira. Adelino Ramos, assassinado em 2022 Segundo o Relatório da ONG Global Witness, referente a 2019, houve neste ano 24 assassinatos relacionados com ativismo em defesa do ambiente em território brasileiro, 90% dos quais ocorreram na Amazónia. Quase todas as vítimas lutavam contra a desflorestação, em grande parte causada por grandes projetos relacionados com a agricultura e a extração mineira. Os defensores da Amazónia tiveram recentemente mais um rude golpe. O jornalista britânico Dom Phillips e o antropólogo e indigenista brasileiro Bruno Araújo Pereira foram assassinados em junho de 2022, em plena Amazónia. Dedicavam-se ambos a investigar atividades ilegais que constituíam verdadeiros atentados à natureza, nomeadamente às comunidades indígenas e à biodiversidade. Dom Phillips trabalhava para várias publicações de grande prestígio, como o Financial Times, The Washington Post, The New York Times e The Guardian. Era também colaborador da Fundação Oswaldo Cruz, instituição de grande prestígio internacional, com atividades nas áreas da saúde, desenvolvimento social, promoção e difusão do conhecimento científico. Segundo o The Guardian, Phillips estava a escrever um livro na área do desenvolvimento sustentável que teria o título “Como Salvar a Amazónia”. Dom Phillips e Bruno Pereira, assassinados em 2022 Bruno Pereira, profundo conhecedor da vida indígena, ajudava Dom nas entrevistas a membros das comunidades amazónicas. Sob pressão de interesses ligados à exploração da floresta, foi exonerado das suas funções como indigenista da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) pela administração de Jair Bolsonaro, em 2019. De acordo com dirigentes das comunidades indígenas, Bruno Pereira já havia sido ameaçado por garimpeiros, pescadores e madeireiros. Ambos regressavam de uma visita à Amazónia brasileira nas vizinhanças do Peru e Colômbia. Além destes assassinatos, muitos outros ocorreram, tendo sido a maioria das vítimas membros anónimos das comunidades indígenas. De acordo com uma declaração da Universidade Federal da Baía sobre os assassinatos de ativistas defensores do ambiente, datada de 16 de junho de 2022, o aumento da violência na Amazónia é atribuído ao desmonte de órgãos e políticas públicas de proteção do meio ambiente e ao não reconhecimento dos direitos dos povos indígenas. A melhor homenagem que se pode prestar a Bruno Pereira, Dom Phillips e a todos que foram vítimas dos interesses ligados aos exploradores sem escrúpulos da Amazónia, é continuar a luta pela responsabilização dos mandantes dos atentados, exigir do Governo do Brasil o reconhecimento dos direitos dos povos autóctones, conforme o estabelecido pela Constituição de 1988, zelar pela manutenção da biodiversidade e proceder à exploração dos recursos naturais de forma sustentável.