Filiação

DR

Nós contemporizamos, esquecendo todos os danos. Somos Humanos!
Mas o que existe de tão agreste na raiz das coisas, que temos de sabotar tudo o que somos?
Uma cicatriz de amplo espectro vigilante.
Por vezes, nem Deus se abeira da nossa súplica – nós, que o construímos –
Com a certeza de que não nos faltaria, deparamo-nos com sua solidão aflita.
Agora o tempo está sem céu, e a nossa grande jornada em nós arrefeceu.
Talvez tenha morrido no anátema traçado, talvez tenhamos vivido sem a força desse outro lado.
Que nada diminui esta vasta caminhada de seres da fome, tão frágeis, tão tenazes, que acolhidos
Fomos, no planeta pela Morte.
Não podemos ainda sair daqui! Vivos e mortos somos a jornada.
Reerguemos as eras, e elas são iguais a tudo o que já era. Congelámos as promessas.
Nem sempre o silêncio é sinal de sabedoria. Mas de perplexidade, desse não saber como
num certo Jardim outrora se fazia.
«Mulher, eis o teu Filho»! Nós, filiados assim, não sentimos que a progenitura nos pertença.
E muito menos queremos ser dela esta continuada incerteza.
Que nós não temos filhos, mas brasas lançadas aos destinos que se recuperam e se perdem
Nos acasos dos sentidos.
Não temos nada, e inventámos o amor para existir na gleba de um verso de ouro que nos
Engendra
Filhos do Homem, caminho do meio, nós de Humano, nem temos já os seios.
Somos aquelas fontes onde nascem só venenos, que na intranquila ilusão compensamos
Como eventos.
Já não sou Jó! – Nunca fui Jó. Testes a mais fazem-nos em pó.
Dias em que se morra e pereça e que a mãe ao próprio filho não conheça…
Não os quero mais escutar nem o mundo já os dar.
Que esta nossa labuta fere engenhos, mas não temos que ceder.
Sou mais Raquel, e não Lia, essa fábrica carnívora.
E neste manjar de sombras, lembro-me de um homem que veio apenas para nos ressuscitar.
Confesso esse grande amor pela casa de David. O nosso ser precisava dela!
De um ser que cingisse a consciência de nosso limitado ser para o encher de esperança.
E quanto mais se caminha, mais ele ressuscita, que não é o mesmo que prendê-lo a outra vinda.
Nós requeremos estes dons maiores, pois que de todos são.
Acordá-los, eis toda a nossa futura condição.
A doença que progride é vão caminho, e dela não estamos ausentes como estamos do destino.
Deus nada quer, a obra não lhe nasce, e o Homem não a sonha… crê que a pensa
Mas nosso pensamento é vil e não produz nascença.
Porém, desejamos ser inscritos no Livro da Vida, esse, que um homem feito deus nos veio dizer
Ser a saída.
Mas aqui nos encontramos, mortos, a tributar os danos das blasfémias conseguidas.
Perdoai-nos!
Somos cúmplices e inocentes, e espera-nos outro ser saído do súbito instante que se evolou
Pela alma erguida.
Tu és o nosso guindaste celeste, morrido com pés ausentes de terra, a maravilha que flutua
Grave e séria.
Jacob precisou de escadas, lutar, e ficar coxo.
Tu, estavas exangue, mas pleno de ternura, sem mais nada.
Sem chão, que a Terra arde. E gela. A Terra que é tão triste…! Mas muito mais existe para além dela.

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