Timor com 20 anos de independência

Na verdade, o tempo passa depressa. Parece que foi ontem que vi o novo Presidente da República de Timor-Leste, José Ramos-Horta, em condições precárias de vida em Nova Iorque lutando pela libertação do seu país e correndo o mundo a tentar convencer os diplomatas que Timor-Leste nada tinha a ver com a Indonésia e, infelizmente, com Portugal muito pouco. Portugal esteve militarmente no território anos e anos. Os portugueses sofreram lá as agruras das colunas negras dos japoneses e javaneses, durante a Segunda Guerra Mundial, que mataram milhares de timorenses e portugueses.

As autoridades de Lisboa nunca se preocuparam com Timor-Leste, muito menos em enraizar a língua portuguesa de forma bem audível. As autoridades portuguesas do antigo regime apenas souberam enviar deportados políticos para morrerem em Timor-Leste. Felizmente, muitos conseguiram contar a história da nulidade da administração portuguesa junto de um povo que o que aprendia em português nunca mais esquecia. A língua portuguesa tem sido de tal forma divulgada, que nem um jornal ou uma revista em português é editado. Mas, o bahassa-indonésio não falta nas páginas de um pasquim que se vende diariamente.

O nosso Presidente Marcelo Rebelo de Sousa esteve em Timor-Leste pela primeira vez para as comemorações dos 20 anos de independência e para a posse de Ramos-Horta como o novo Chefe de Estado, que por sinal, proferiu, em português, um discurso memorável. Triste é que tenha sido anunciado que a presença do Presidente Marcelo visou essencialmente reforçar uma série de (in)verdades sobre Timor-Leste como as políticas de cooperação. Basta atendermos à implantação da língua portuguesa, que é oficial, e que apenas serve para justificar orçamentos ou a balela do investimento português naquele país, que nunca existiu nem existirá em termos significativos. Em 20 anos nem uma fábrica de nada.

Em Manatuto existe uma das melhores minas de mármore de grande qualidade e nunca se fez nada. No território existe um lugar paradisíaco com águas sulfurosas que daria uma das melhores termas da Ásia que poderia atrair centenas de turistas para a cura do reumatismo, além de se poder construir no local um hotel de luxo que de imediato daria emprego a centenas de nativos.

Em 20 anos é lamentável que apenas se tivesse apresentado ao Presidente português um hotel com o mesmo nível de uma pensão em Sintra, um mercado que foi renovado por portugueses e umas águas límpidas para Marcelo mergulhar e deliciar-se com uma temperatura que nem no Algarve. Em 20 anos alargaram-se umas estradas e nas primeiras chuvadas tempestuosas logo se assistiu a derrocadas por todo o lado.

Recordo-me de uma conversa em Díli, com o ex-Presidente Bill Clinton, onde ele afirmava que o petróleo e o gás natural iriam proporcionar que Timor-Leste fosse um dos países mais ricos em toda a Ásia e Oceânia. Afinal, onde estão os milhões de dólares oriundos da exploração do petróleo e gás natural no Mar de Timor, mais concretamente no Great Sunrise (?), onde os australianos têm manifestado grande satisfação pelos lucros do acordo que fizeram com as autoridades timorenses.

Essa riqueza imensa ainda não deu para construir escolas pelo país com o ar refrigerado, ainda não deu para construir bairros sociais e apenas se tem assistido à ocupação de terrenos por crápulas que sabem perfeitamente que a terra não lhes pertence, ainda não deu para ocupar as crianças que deambulam pela rua a vender jornais, algumas órfãs do tempo da invasão militar indonésia, ainda não deu para renovar o aeroporto de Bacau, que tem uma pista de dimensão dupla à de Díli, ainda não deu para os timorenses terem uma residência decente, transporte que não os ponha em perigo de vida e ainda não deu para que seja criada uma Autoridade Contra a Corrupção.

Timor-Leste tem de mudar radicalmente para que daqui a 20 anos alguém não escreva estas mesmas palavras. Os estudantes que terminam os cursos superiores têm emprego aonde? Na função pública? Não chega nem para um terço dos que se tornam “doutores”. Os jovens timorenses estão a aderir a gangues ou a grupos disfarçados de arte marcial para que possam ter um pecúlio resultante do crime praticado, nem que seja a venda de estupefacientes. Os jovens têm um futuro muito negro pela frente porque a tecnologia não avança.

Até nos dias em que o povo viveu em festa pela comemoração de 20 anos de independência, a Timor Telecom, fez o favor aos jornalistas e demais servidores de não lhes fornecer internet. Em 20 anos não se construiu uma Central Eléctrica que não danificasse os aparelhos eléctricos domésticos e que não estivesse constantemente a energia a falhar.

Em 20 anos não se construiu uma marina para abarcar os muitos iates que passam pela frente da ilha do crocodilo. Em 20 anos parece que estão quase a terminar um novo porto, o qual há muito já devia estar finalizado para que o desenvolvimento de Timor-Leste deixasse de ser uma batata frita… Esperemos que o Presidente Marcelo tenha tido vergonha do pouco que fizemos em Timor e que a tal cooperação tem sido uma falácia ao longo de 20 anos de independência. Esperemos que o novo Presidente Ramos-Horta consiga obrigar os governantes a trabalhar para o povo e não para os seus palacetes e vivendas compradas na Austrália…

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