VozesAs relações China-Rússia e os acontecimentos em Donetky-Lugansk (Ucrânia) Hoje Macau - 24 Fev 2022 Por Francisco José Leandro – Professor Associado da Universidade Cidade de Macau Nas relações China-Rússia há cinco factos que, independentemente dos próximos desenvolvimentos no sudeste da Ucrânia, irão ditar a posição chinesa. Em primeiro lugar, a China e a Rússia são membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas, facto que a China entende como uma especial responsabilidade no quadro da preservação do sistema da Carta das Nações Unidas; isto significa o respeito pela integridade territorial de todos os Estados e, tal como afirmou recentemente o Ministro dos Negócios Estrangeiros da China Wang Yi, “todas as soluções para a crise na região de Donetky-Lugansk devem ser negociadas no quadro dos Acordos de Minsk” (2015). Posição lógica e coerente na sequência dos acordos de Budapeste em 1994, no quadro da OSCE, aos quais a China deu o seu apoio de forma escrita. Em segundo lugar, a assimetria das relações económicas (a economia Chinesa é cerca de 11 vezes a da Rússia), os recentes desenvolvimentos no contexto da iniciativa da nova rota da seda na região da Eurásia, designadamente no âmbito da Parceria Económica Euro-asiática (2021), da Parceria Estratégica China-Rússia (1994), da entrada em funcionamento do gasoduto “Power of Siberia” (2022) e das possibilidades que oferece o Projecto Yamal e a Rota da Seda Polar, levará previsivelmente a que China a adopte uma posição de responsabilidade e de comedimento perante a comunidade internacional e perante os seus próprios interesses. Em terceiro lugar, a China é um importante parceiro comercial da Ucrânia. A Ucrânia importa da China 15% do seu total de importações, exposta para a China 16% do seu total de exportações. Para além disso, é necessário ter em conta que, face às posições políticas já assumidas pela União Europeia e pela maioria dos seus Estados-Membros, a China é o maior parceiro comercial do Espaço Comum Europeu e, também por essa razão, não se espera um inequívoco, incondicional e público alinhamento China-Rússia. Espera-se, isso sim, um intenso debate diplomático sem os holofotes dos meios mediáticos. Em quarto-lugar, as relações China-Rússia já não são as que se verificavam em 1958 durante a cimeira Mao Zedong-Kruschev. A China é hoje uma superpotência económica, uma potência em crescimento e com sofisticação militar, um reconhecido actor global, ao qual a Rússia se vai procurar associar, para capitalizar no seu esforço de regresso ao concerto dos estados mais poderosos do sistema internacional. Todavia, as assimetrias geoeconómicas estão a favor da China, que estou em crer não deseja mais do que aprofundar parceiras, distanciando-se da ideia de alianças formais. Finalmente, a China e a Rússia têm um forte ponto comum nas suas agendas das relações internacionais: são ambas potências revisionistas que não aceitam uma ordem internacional baseada unicamente no modelo neoliberal e, como tal, têm visões próprias para a evolução do sistema. Ambas sabem também, que uma eventual reeleição do Presidente Donald Trump (2025) aconselha a uma redobrada prudência, já que alinhadas representam uma possibilidade de reequilíbrio ideológico da ainda ordem hegemónica.