Manchete SociedadePortugal | Ordem dos Psicólogos estupefacta com declarações de Alvis Lo João Luz - 26 Jan 2022 O director dos Serviços de Saúde de Macau, Alvis Lo, afirmou que os “conselheiros psicológicos” não fazem avaliação, diagnóstico e tratamento e têm uma função por vezes desempenhada por assistentes sociais, docentes e clérigos. Miguel Ricou, da Ordem dos Psicólogos Portugueses, mostrou-se perplexo com a visão antiquada do director dos Serviços de Saúde. Um responsável da Associação de Psicologia de Macau não quis comentar “Quase não merece comentários, porque não consigo perceber nem enquadrar a forma como é definida a psicologia, os psicólogos e a acção psicológica.” Foi desta forma que Miguel Ricou, presidente do Conselho de Especialidade de Psicologia Clínica e da Saúde da Ordem dos Psicólogos Portugueses, começou por reagir a uma declaração de Alvis Lo, director dos Serviços de Saúde (SSM) sobre apoio psicológico. Recorde-se que o dirigente dos SSM enquadrou os profissionais que prestam apoio psicológico (como é referido numa resposta a interpelação) como “conselheiros psicológicos”, que prestam serviços de aconselhamento. Alvis Lo argumentou que estes profissionais não reúnem condições para serem regidos pela lei de qualificação e inscrição para o exercício de actividade dos profissionais de saúde, e têm de “prestar atenção ao âmbito da sua actividade, que não pode envolver actos médicos, tais como avaliação, diagnóstico clínico e tratamento médico”. A abordagem de Alvis Lo é encarada por Miguel Ricou como “corporativista e moralista sobre o que é a saúde, como algo que corresponde exclusivamente aos médicos e não a dimensão altamente global”. No fundo, um ponto de vista “assustador” em termos de gestão da saúde pública. Santíssima trindade Em termos científicos, o representante da Ordem dos Psicólogos esclareceu que os psicólogos, por natureza, não praticam actos médicos, mas actos psicológicos “claramente regulados por legislação”, “da mesma forma que um enfermeiro não faz actos médicos, mas actos de enfermagem”. Quanto à intervenção psicológica, internacionalmente estão estabelecidos métodos e práticas que balizam a trilogia “avaliação, diagnóstico e tratamento”, que Alvis Lo afirmou não estar no âmbito profissional dos psicólogos. Miguel Ricou esclareceu ao HM que “o psicólogo faz avaliação clínica estruturada, e muitas vezes auxilia o diagnóstico clínico do médico da área da saúde mental”. Aliás, a avaliação psicológica é um exclusivo da psicologia, muitas vezes solicitada por um médico, estipulada por protocolos de entrevista estruturados e um conjunto de elementos de avaliação, baseados cientificamente e reconhecido em tudo o mundo. O psicólogo, doutorado em Psicologia Clínica pela Universidade de Coimbra esclarece que é com base na avaliação que se torna possível “quantificar e sistematizar os sintomas da saúde mental”. Em relação ao diagnóstico, verifica-se a mesma confusão conceptual. Como é natural, o psicólogo não faz um diagnóstico médico, mas psicodiagnóstico, ou seja, faz diagnósticos de perturbações mentais. “Aliás, quando chegamos às perturbações de personalidade normalmente elas são diagnosticadas pelos psicólogos”, indica Miguel Ricou. No que diz respeito ao tratamento médico, que na área psicológica costuma ser designado por psicoterapia, o representante da Ordem dos Psicólogos corrige a posição de Alvis Lo. “Isso também está errado, as próprias psicoterapias são realizadas por médicos e por psicólogos. É hoje consensual que as intervenções em doença mental, sobretudo no âmbito emocional, beneficiam de uma intervenção conjunta entre a psicologia e a psiquiatria.” Outros mundos Em relação à equiparação a assistentes sociais, docentes e clérigos, o representante da Ordem dos Psicólogos não tem dúvidas tratar-se de uma visão “claramente do início do século passado”, que “só demonstra o desconhecimento sobre o que é a psicologia”. Enquanto ciência recente da área da saúde, a psicologia conheceu um grande desenvolvimento a partir da segunda metade do século XX. “Claramente, todo o âmbito da intervenção que antes era vista como uma ajuda simpática para a pessoa aceitar a sua realidade, é hoje algo totalmente diferente, profissional e muito importante para o desenvolvimento das sociedades”, rematou Miguel Ricou. O HM contactou um dirigente da Associação de Psicologia de Macau, que analisou a resposta de Alvis Lo e decidiu não tecer qualquer comentário.