APOMAC | Desilusão com falta de flexibilidade que forçou clínica a fechar as portas

A clínica sem fins lucrativos da Associação dos Aposentados, Reformados e Pensionistas de Macau (APOMAC) está encerrada desde o final do ano passado. Os associados lamentam a situação e estão preocupados com o tempo de espera nos serviços públicos para fisioterapia e com os preços proibitivos no sector privado

 

São duas da tarde e, tal como faz todos os dias, João Brito da Silva está na sede da APOMAC para almoçar com os amigos. No local a que chama cantina, a tarde prolonga-se até às três e meia. Depois, chega a hora de fazer uma caminhada na Colina da Guia, ritual que repete todos os dias. No entanto, desde o ano novo, que a vida do pensionista mudou radicalmente. As manhãs já não começam tão cedo, devido ao encerramento da clínica que servia os sócios.

“Acho que fui a pessoa mais afectada. Devia ser quem mais utilizava os serviços, porque sou diabético, tenho de levar injecções de insulina. Por isso, vinha para aqui mais cedo todos os dias, para saber os meus níveis”, lamentou João Brito da Silva, de 74 anos. “Fiquei muito triste com este desfecho, agora tenho de ir ao Centro de Saúde do Tap Seac, é mais complicado ser atendido, tenho de esperar mais e fica mais longe”, lamentou.

Além dos diabetes, o sócio 19 da APOMAC lida também com alergias, que o levam a consultas médicas regularmente, por ficar facilmente “mal de garganta”. Para estas consultas recorria à APOMAC, por considerar que a espera nos Centro de Saúde é demasiado longa. Agora, a alternativa passa por um consultório privado.

“Quando há alterações no tempo fico logo mal de garganta. Por isso, vou ter de ir mais vezes a uma médica na rua Sacadura Cabral… Ela faz um bom serviço, não me posso queixar, mas é bem mais caro”, explicou João Brito da Silva. “Quando ela pergunta se quero medicamentos, sei que vou gastar 200 patacas para medicamentos de um dia e 400 patacas para dois dias…”, indicou.

Clínicas gratuitas

Sentado ao lado de João Brito da Silva, Domingos Borges, reformado com 69 anos, e sócio número 1.380 da associação, explica ao HM o que significa em termos financeiros o encerramento da clínica.

“Aqui não temos de pagar pelas consultas, são gratuitas. E quando temos de pagar medicamentos, pagamos 20 patacas para cinco dias, porque a associação cobre o resto com os apoios que recebe”, justificou Borges. “Para a fisioterapia, a consulta e as sessões era um pagamento de 50 patacas, o que é um preço baixo, até porque é muito mais fácil arranjar aqui várias sessões do que nos serviços públicos”, complementou.

Domingos Borges admite utilizar menos os serviços da clínica que o amigo João da Silva, contudo, diz que vários associados ficaram desiludidos, principalmente pela forma como o processo foi conduzido.

“Foi um encerramento muito repentino. Fomos avisados a duas semanas do fim do ano passado e foi isso. Eu utilizava a clínica para medir a tensão e fazer fisioterapia. Agora tenho a vida bem mais complicada. Acho que o Governo, antes de anunciar medidas tão drásticas, devia ter tido o cuidado de perceber o impacto e dar tempo para que houvesse preparação. Mas não, fomos todos apanhados de surpresa”, confessou Domingos Borges.

À semelhança de João Silva, Domingos Borges também considera que o serviço público não é uma alternativa fiável. “Como tenho mais de 65 anos, posso recorrer ao serviço público e não pago, só que tenho de esperar tanto que não é conveniente”, vincou “Só usamos o hospital quando temos algo muito urgente, de resto o tempo de atendimento é lento. Mesmo que seja grátis tem demasiada gente”, acrescentou.

Questão burocrática

A decisão de fechar a clínica partiu da APOMAC, um desenlace que se espera ser temporária, depois de o Governo alterar os métodos de atribuição de apoios públicos, no final do ano passado. As mudanças deixaram a associação numa posição em que para ser subsidiada tem de violar os seus estatutos, como explicou ao HM o presidente da APOMAC, Francisco Manhão.

“Até ao ano passado, a clínica recebia o apoio da Fundação Macau, junto aos outros apoios da APOMAC. Porém, mudaram as regras, e disseram-nos que a clínica agora precisa de uma licença autónoma, para obter o apoio que antes recebia e que, com as mudanças, tem de passar a ser pago pelos Serviços de Saúde”, explicou Francisco Manhão. “Só que a nossa clínica não tem fins lucrativos, por isso, não é aberta ao público, serve os sócios. Para termos a licença que nos pedem, eles exigem-nos a abertura ao público, o que viola os nossos estatutos. Nós não temos uma clínica para obter lucros”, justificou.

Por outro lado, os SSM consideram que se financiarem a APOMAC nas condições actuais que estão a violar as regras. “Dizem-nos que o financiamento à APOMAC viola as regras internas, mas deviam ter outra flexibilidade. Nós ajudamos os nossos sócios, a clínica não tem fins lucrativos, nós tomamos conta das pessoas da terceira idade, que o Governo diz sempre proteger com as suas políticas. O serviço aqui é mais rápido do que no privado”, argumentou.

Numa situação difícil, Francisco Manhão diz que até ao final do mês estão entre a espada e a parede e têm de decidir se existem condições para manter os três trabalhadores da clínica, ou se estes terão de ser despedidos por falta de verbas para pagar salários.

Contudo, há a esperança de que o problema seja resolvido. “O Ano do Búfalo é um ano difícil em que se trabalha muito e não se consegue alcançar o que se espera. Espero que o Ano do Tigre traga a agilidade para resolver a situação”, desejou.

Pandemia afectou serviços

Entre os utentes do serviço há ainda quem se mostre incrédulo com a opção, em tempos de pandemia, de fechar uma clínica e contribuir para uma maior concentração de pessoas. É o caso de Mónica Cordeiro, reformada que durante vários anos foi enfermeira nos Serviços de Saúde, e que é a sócia número quatro da associação.

“Agora os nossos sócios precisam de ir para o hospital público e têm de esperar seis a sete horas, o que é muito prejudicial. Não percebo como é tomada uma opção, principalmente nesta altura, que aumenta os riscos de contágio de covid-19, com as deslocações aos serviços públicos. Aqui havia uma solução melhor, com menos pessoas”, desabafou.

Mónica Cordeiro faz fisioterapia regularmente, depois de ter sido operada às pernas, há cerca de oito anos. Por isso, foi afectada directamente pelo fecho do serviço. “Fui muito afectada na minha vida, porque tenho de fazer fisioterapia e no público é tudo muito complicado. Com a pandemia os serviços ficaram piores, há mais pessoas a recorrer à fisioterapia, a piscina disponível é pequena e tem muitas pessoas”, relatou. “Eu preciso de fazer fisioterapia regularmente, como fazia aqui na APOMAC. Agora vou ter de fazer no privado, e é muito mais caro. No entanto, se não fizer sei que vou ficar sem andar, numa cadeira de rodas”, reconheceu a pensionista de 70 anos.

Numa situação semelhante à de Mónica Cordeiro encontra-se Alice Mak. Aos 80 anos, a reformada está a pouco tempo de ser operada a uma rótula. A seguir à cirurgia terá de fazer fisioterapia regularmente. O fecho da clínica foi assim um “choque”. “Já tenho dificuldades em mexer-me e estava a contar vir aqui e fazer fisioterapia, almoçar e ter as outras consultas, para medir os diabetes, tudo no mesmo sítio”, contou. “Só que agora mudou tudo, vou ter de esperar pelo serviço público que não tem sessões suficientes, em vez de fazer três sessões por semana, como conseguia fazer aqui. Vou acabar a esperar meses. Estou mesmo triste”, confessou.

Em tom triste, Alice Mak deixou um apelo ao Chefe do Executivo, Ho Iat Seng: “Estamos todos muito desiludidos. O meu maior desejo e de todos os sócios é que a clínica volte a operar e que o Governo arranje uma solução”, apelou. “Espero que o Executivo seja generoso, esta clínica é a coisa mais importante para nós”, concluiu.

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