EventosOtildo Justino Guido, o poeta que usa a palavra para lutas sociais Andreia Sofia Silva - 6 Jan 20226 Jan 2022 Venceu o prémio literário Fernando Leite Couto [pai do escritor Mia Couto] em 2019, que lhe deu acesso a um mundo que já era seu. Otildo Justino Guido é uma das novas promessas da poesia moçambicana, mas, acima de tudo, um activista que luta com as palavras que escreve. “O Silêncio da Pele” é o seu mais recente livro Folhear “O Silêncio da Pele”, o livro de poemas de Otildo Justino Guido, vencedor do prémio literário de Fernando Leite Couto de 2019, é como experimentar um permanente jogo de palavras entre a língua portuguesa e os dialectos locais. A presença de palavras como “Xipfalo” ou “Xitique” na obra “O Silêncio da Pele” assume papel de alerta para a importância da preservação de uma identidade local. Conversamos com Otildo Justino Guido no último festival literário internacional de Óbidos, o FOLIO, onde nos falou da carreira literária que só agora está a dar os primeiros passos. Além da edição de “O Silêncio da Pele”, o autor já editou em Portugal “O Osso da Água”. Para o autor, a distinção do prémio Fernando Leite Couto representou “uma entrada no mundo literário”. “Não só lanço o livro como este prémio tem também um grande significado no país. É gratificante.” Em “O Silêncio da Pele”, Otildo Justino Guido aborda “várias situações ligadas a Moçambique”, e é por isso que surgem as palavras presentes nos léxicos locais, pois “as línguas maternas, ou nacionais, estão agora a atravessar momentos críticos”. “O livro procura levantar, de certa forma, problemas sociais e culturais do país, tal como a existência e a liberdade. Estes são universais, mas também nos afectam como moçambicanos.” Para o jovem poeta, os moçambicanos têm de existir “como cidadãos perante a globalização e vários outros factores mundiais”. “Há guerras que assolam o país há vários anos, que são intermináveis, que de certa forma não têm uma explicação lógica. Quero que o povo moçambicano exista acima de qualquer coisa e situação. Também falo da liberdade. Há este paradigma sobre ser aquilo que queremos ser, que somos.”, frisou. Se nesta obra Otildo Justino Guido assumiu uma postura de activismo, em “O Osso da Água” o autor apresentou-se a si mesmo. “Trabalhei mais com a temática, organizei vários cadernos literários e cada um deles versa sobre um assunto ou os problemas do país. Levanto também problemas que levantei de forma mais superficial em “O Silêncio da Pele.” O centro cultural Além de editar a obra “O Silêncio da Pele”, o prémio literário Fernando Leite Couto serviu também para criar, em Inhambane, terra natal do poeta, o centro cultural Palavra & Sol. “Era necessário fazer alguma coisa, os locais. Pensei que já estou naquela terra há muito tempo e ninguém tinha ainda ousado fazer alguma coisa. Realizamos conversas literárias, oficinas de escrita, tertúlias, saraus poéticos, apresentações de livros ou exposições de arte.” O autor conta que, até aos 14 anos, não teve contacto com o livro como objecto literário, mas dentro de si a poesia e a literatura já fervilhava. “A maior parte das bibliotecas são do Estado e têm muitos livros didácticos e académicos. O livro literário também é importante porque é outra forma de comunicar e de ver as coisas. Posso dizer que desde os quatro ou cinco anos que passei a dedicar a maior parte do meu tempo à literatura, e isso fez com que eu conhecesse escritores importantes de vários países, não apenas do universo da língua portuguesa.” Formado em contabilidade, profissão que ainda exerce e ama, Otildo Justino Guido encara a poesia “como uma necessidade de existir”. “É importante escrever poemas porque a poesia é o que nos faz ser. A contabilidade é uma profissão, que eu amo. Quando agarro uma coisa dedico-me a ela. A poesia deu-me a possibilidade de escrever”, confessou. Assumindo que Moçambique está, neste momento, a “passar por vários momentos de turbulência e de caos, na área política e social”, o poeta considera que “é complicado sobreviver e ser moçambicano neste momento”, “não apenas porque a guerra nos ataca a nós, mas também porque ataca outro irmão, e é difícil sabermos que o nosso irmão está a sofrer”. “Como activista social e cultural, sobretudo escritor, apresento esta solução, escrever, chamar a atenção para o que se passa. Mesmo que não mude nada as pessoas vão saber o que se passa. A literatura deve ser o espelho de uma sociedade e de um tempo. Esta é a minha missão”, concluiu.