Maior siderurgia de Pequim convertida em parque ilustra ambições climáticas da China

Reportagem de João Pimenta, da agência Lusa

Ni Yaosheng lembra-se quando a fuligem da antiga fábrica siderúrgica Shougang cobria os parapeitos das janelas de sua casa, situada na zona ocidental de Pequim.

“Formava-se uma camada espessa de cinzas”, descreveu à agência Lusa. “Após o encerramento da fábrica, o ar melhorou e voltámos a ver o azul do céu”, disse.

O imponente conjunto de fornalhas e chaminés continuou a dominar a paisagem no extremo oeste de Pequim, mas agora os cinzas metálicos e claros do outono na capital chinesa surgem envolvidos pelos tons alaranjados e avermelhados do arvoredo.

A transformação ilustra a ambição da China em melhorar a qualidade do ar, em detrimento de um modelo económico assente em indústrias pesadas e um setor energético dependente de combustíveis fósseis.

No entanto, a liderança chinesa enfrenta vários desafios na busca pela sustentabilidade. Nas últimas semanas, o país asiático enfrentou cortes de energia que obrigaram ao racionamento em várias províncias importantes.

“Eu estou na China desde o início dos anos 1980 e esta é, de longe, a maior crise [energética] que eu já vi”, disse à Lusa o presidente da Câmara de Comércio da União Europeia no país, Joerg Wuttke.

“E veio para ficar, pelo menos, até à primavera do próximo ano”, previu.

Entre os motivos para a crise energética estão os limites na produção de carvão impostos pelos “objetivos para o clima” e a existência de um preço regulado da eletricidade.

“Quando o preço do carvão e de outros combustíveis sobe, não é possível para as empresas geradoras passar os custos para o preço final da eletricidade”, explicou à Lusa Renato Roldão, especialista português em alterações climáticas a viver em Pequim desde 2008, e atual vice-presidente da consultora norte-americana Inner City Fund (ICF) para a China e Europa.

“Isto torna a produção de energia economicamente inviável, pelo que algumas centrais passaram a operar a 50% da sua capacidade”, notou.

No caso da China, a reforma passa por liberalizar os preços da eletricidade para as indústrias, pondo fim aos limites impostos pelos reguladores, e acrescentar custos consoante as emissões de carbono da fonte utilizada na geração de energia, defendeu Roldão.

A China é o maior emissor mundial de gases poluentes. Quase dois terços da energia consumida no país assentam na queima do carvão.

O Presidente chinês, Xi Jinping, reafirmou, em setembro passado, na Assembleia das Nações Unidas, os compromissos chineses para o clima: neutralidade carbónica “antes de 2060” e atingir o pico das emissões “antes de 2030”.

Face à crise energética, o Governo chinês anunciou ainda uma desregulação parcial dos preços da eletricidade vendida aos fabricantes. “Isto constitui uma boa oportunidade”, notou Roldão.

“Se os combustíveis fósseis refletirem integralmente os seus custos, as renováveis passam a ser mais competitivas, devido à redução dramática dos custos da tecnologia para geração de energia solar e eólica e com o armazenamento da energia. Estas tecnologias estão a tornar-se cada vez mais competitivas, mesmo sem subsídios”, apontou.

No fim de semana, as ruas da antiga siderurgia de Shougang, outrora com milhares de trabalhadores, enchem-se de crianças. Casais namoram nos bancos de jardim. Os escritórios foram convertidos em galerias, museus e incubadoras para ‘start-ups’. “A fuligem desapareceu das nossas casas”, observou Ni.

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