Forma urbana (II) – Dos ventos e das brisas urbanas

Por Mário Duarte Duque

 

Enquanto os ventos constituem o transporte de ar de uma circulação mais geral e são geralmente constantes ou predominantes numa região. As brisas geram-se localmente a partir de características locais.

A forma urbana permite tanto defendermo-nos dos ventos gerais, como deles tirar partido, mas também permite gerar localmente correntes de ar desejáveis, a que se chamam brisas.

Nas cidades não velejamos e muitas vezes sequer gostamos do vento. Mas precisamos e gostamos das brisas.
As brisas urbanas geram-se localmente por convecção do ar no espaço urbano. Têm como motor a capacidade da terra e dos seres vivos de transformarem autonomamente a luz do sol em energia.

Para tanto as cidades dependem da orientação solar, do tipo de cobertura da superfície, da distribuição da massa construída, dos materiais e das cores, e muito da presença de corpos de água.

Do criterioso posicionamento de todos estes elementos obtemos as brisas urbanas que precisamos para a higiene e o conforto das cidades.

Em verdade, todos sabemos que, se tivermos em casa janelas para fachadas opostas, em que uma fachada é soalheira e outra é umbria, temos correntes de ar. E que essa corrente até pode ser forte ao ponto de as cortinas voarem e as portas baterem.

Como sabemos que quando estamos numa frente de água, o ar desloca-se entre a água e a terra em sentidos diferentes, a diferentes horas do dia.

O fenómeno não é mais que o resultado da distribuição das temperaturas no espaço próximo.
É conhecido que as cidades são mais quentes que as periferias não edificadas. A razão é que os materiais que predominam nas cidades são mais eficazes na conversão da luz do sol em calor.

Disso resulta que, no efeito de “ilha de calor” que se atribui às cidades, reside um motor com capacidade de ventilar e renovar o ar, bastando que a forma urbana esteja para isso vocacionada.

É também conhecido que diferentes materiais precisam de quantidades diferentes de energia para alterar a sua temperatura. De entre esses materiais a água e os cobertos vegetais são os que precisam de mais energia e que mais dificilmente alteram a sua temperatura. Enquanto o asfalto, o betão e os metais precisam de pouca energia e, mais facilmente alteram a sua temperatura.

Quer isso dizer que é exactamente o pico do calor atmosférico o momento de formação de maiores diferenciais térmicos e de brisas urbanas, contando que exista água ou verde por perto, e a forma urbana esteja para isso adaptada.

É numa situação extrema de calor atmosférico, onde reside maior capacidade de a cidade ventilar e de o ar arrefecer, por via da própria energia em presença.

São exactamente esses os tipos de mecanismos que importam identificar e facilitar para devolver equilíbrio, sempre que os indicadores ambientais se desenvolvem em sentido que colocam em causa os sistemas de suporte à vida.

E falamos apenas de brisas, as quais sequer têm a mesma capacidade de mover ar como os ventos gerais de circulação, mas que são a única possibilidade de mover ar em determinadas zonas do mundo, em determinadas alturas do ano.

A chamada zona de convergência intertropical é a zona do globo onde os ventos circulação geral de norte e sul se encontram e se anulam mutuamente. Essa faixa equatorial também se aproxima e se afasta de cada trópico por ocasião do solstício do respectivo hemisfério.

Ao efeito que disso resulta chama-se “marasmo”. Remete aos tempos da navegação exclusivamente feita à vela, e representa as situações em que os navios ficavam estacionados no mar porque o ar simplesmente não mexe.

Nas cidades das zonas do mundo afectadas por esse fenómeno, onde Macau se inscreve, as bisas urbanas, geradas localmente, são a única possibilidade de movimentar ar.

Mas brisas geram-se também por forças de arrasto que actuam lateralmente e em sentido oposto a um corpo em movimento.

Em verdade, todos sabemos que os chapéus se soltam em sentido oposto à passagem de um comboio no cais de uma estação e quando tomamos banho de duche, as cortinas são sugadas logo que ligamos o chuveiro, seja a água quente ou fria.

São as mesmas brisas que se levantam em sentido oposto à queda de água numa cascata. São as mesmas brisas que, quando chove, levantam o ar poluído das cidades, para que possa ser levado pelos ventos altos de circulação.
São as mesmas brisas que permitem a ventilação dos lotes e dos prédios, se colocarmos em comunicação criteriosa as arcadas, as artérias e os pátios dos edifícios.

E era disso de que dependia a higiene e a salubridade das colmeias habitacionais das grandes cidades que resultaram da revolução industrial, organizadas em galerias e pátios sucessivos nos interiores de grandes lotes.

Nas cidades que são atormentadas, tanto por calor, como por chuva, aí reside exactamente grande capacidade para essas cidades poderem ventilar e arrefecer, contando que se tire partido da morfologia natural e se aperfeiçoe essa morfologia na forma urbana.

Demonstração disso é o que se constata em cidades diferentes e se percepciona a respeito do seu clima urbano.
Das cidades antigas que disso são bom exemplo, pode não ser claro se o que presidiu foi resultado de conhecimento empírico, intuição ou mero aproveitamento morfologia geográfica inicialmente identificada. Mas sabe-se hoje o que contribui para o aperfeiçoamento e para a degradação do clima das cidades, como também se pode representar e ensaiar isso em modelos numéricos.

A mudança de paradigma é que as cidades modificam o clima local, mas não têm necessariamente que o degradar, antes pelo contrário, contando que a modificação seja informada e avisada.

Outra mudança de paradigma é que as cidades não mais dependem de uma morfologia geográfica natural. Presentemente os recursos da técnica permitem que a forma urbana possa representar e equivaler em magnitude qualquer morfologia geográfica natural.
E sempre se dirá que a infra-estrutura mais primordial de uma cidade é a sua forma urbana.

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