Crónico Oriente h | Artes, Letras e IdeiasMacau, Trinta Autores de Língua Portuguesa Duarte Drumond Braga - 24 Set 2021 Em 2016, Monica Simas e Graça Marques publicaram o livro Contributos para o Estudo da Literatura de Macau. Trinta autores de Língua Portuguesa. Foi editado em Macau, pelo Instituto Cultural do Governo da R. A. E. M. É um livro que se vem somar à crítica produzida sobre literatura em língua portuguesa de Macau, sendo um importante momento desse esforço. Só para referir algumas obras e melhor enquadrar o interessado, nós já tínhamos algumas coletâneas ou antologias (nos anos 80 a fundamental obra em 5 volumes De Longe à China, de Carlos Pinto Santos e Orlando Neves), mas também histórias literárias propriamente dita, como a de José Carlos Seabra Pereira em O Delta Literário de Macau (2015). Estes Contributos para o Estudo da Literatura de Macau (2016), da autoria da investigadora brasileira Monica Simas e da professora portuguesa de Macau Graça Marques, são algo de diverso. Não são nem uma antologia crítica, nem um dicionário (o DITEMA teve verbetes também sobre literatura), nem um ensaio de história e de crítica literárias no seu modelo mais clássico. Ao modo de um dicionário, os 30 autores escolhidos são organizados alfabeticamente pelo apelido e não cronologicamente, mas não temos acesso aos textos, como aconteceria numa antologia, apenas a detalhados verbetes bio-bibliográficos, seguidos de escorços críticos sobre as obras desses autores. Neste sentido, há uma diferença fundamental em relação a De Longe à China, que privilegiava a divulgação. Isto mostra uma escolha pragmaticamente acertada, porque trabalhando com autores essencialmente do XX, cujas obras não são difíceis de serem encontradas, a recolha dispensa a função de dar a conhecer textos em primeira mão. Acontece que o conceito de literatura de Macau é em si mesmo um problema. Esta questão não é muito tratada pelas autoras, o que mostra que as propostas críticas de Ana Paula Laborinho, David Brookshaw ou Daniel Pires, que ganharam corpo no final da administração portuguesa do território, já assentaram, gerando uma tradição de leitura de um corpus em língua portuguesa. Assim, estes Contributos entram em cena como sofisticado manual da literatura de Macau, e bem poderia ser esse o seu título, não fora o tom didático que associamos a essa designação. Não obstante, o leitor tem aqui acesso a uma introdução a esta literatura, através de 30 autores de língua portuguesa, da segunda metade do século XIX até aos dias de hoje, num panorama crítico muito bem conseguido. Os textos críticos operam, como seria de esperar, uma série de rearrumações no cânone. Estende-se não só à poesia e à ficção, mas também a géneros como a diarística e a crítica (Graciete Batalha), bem como a crónica (António Conceição Júnior), trazendo estes duas figuras da cultura e da sociedade para a literatura de Macau. Dão-nos boas e também refrescantes leituras os excelentes ensaios dedicados a autores consagrados desta tradição literária, como Maria Ondina Braga, Henrique Senna Fernandes e Adé. Outro tipo de modificação no cânone é a entrada de novos autores, mas com produção já de monta, como Carlos Morais José. A este respeito, é de estranhar o preterimento de dois poetas importantes, Jorge Arrimar e Yao Feng. Dizemos isto mesmo apesar de sabermos que apontar ausências ou presenças a uma antologia crítica é desconhecer que o gesto antológico depende de várias circunstâncias e pretende sempre ser desencadeador de modificações no cânone literário. O texto crítico dos verbetes trabalha com vários tópicos: a identidade de Macau e a identidade macaense, a escrita de uma cidade em transformação contínua e sobretudo as formas pelas quais os autores refletem sobre uma cidade aberta, mas na qual essa abertura trouxe e traz enormes questões. A maior de todas foi sem dúvida as expectativas e incertezas em torno da transferência de soberania, que polariza – este livro mostra-o muito bem – uma série de obras que surgem entre 1986 e 1999. Em suma, os autores de Macau desprendem-se deste livro como uma constelação orgânica, enraizada nesse território chinês como um significante dos seus movimentos. Fica claro da leitura dos ensaios que estes são autores de Macau não porque tenham escolhido o território para aí habitarem por alguns anos – como foi a certa altura pensado –, mas porque devolvem um rosto em língua portuguesa a essa cidade, interrogando-a e escrevendo-a, sendo por esta razão que Macau sempre tem forte incidência temática em suas obras.