II Raid Macau-Lisboa | Participantes preparam livro de memórias da viagem

Volvidos dois anos da primeira aventura terrestre, em 1988, com a longa jornada de jipe entre Macau e Lisboa, outro grupo de residentes do território repetiu a proeza desta vez atravessando toda a URSS. Joaquim Correia, um dos viajantes, recorda as peripécias e revela que um novo livro será publicado por uma editora de Hong Kong

 

O II Raid Macau-Lisboa, realizado em 1990, vai resultar num livro que recorda esta viagem cheia de aventuras. Joaquim Correia, um dos residentes que se lançou à aventura, à data, bibliotecário e professor da Universidade de Macau (UM), conta ao HM as ideias sobre o projecto editorial lançado em três línguas, incluindo alguns capítulos em russo. O lançamento do livro está a ser pensado para Novembro, possivelmente no Museu do Grande Prémio.

No entanto, a data de lançamento não está ainda confirmada, uma vez que os autores gostariam de estar no território para o evento. “Tudo depende da evolução da pandemia”, adiantou.

“No ano passado, para celebrar os 30 anos da realização do raid, foi criada uma página no Facebook que recriou o dia-a-dia de toda a viagem, com textos retirados do diário de bordo e fotografias. A ideia foi bem-recebida, fomos acompanhados por mais de 600 membros, e decidimos avançar então com a ideia do livro.”

A história da viagem será contada em texto e em banda desenhada, incluindo uma colaboração de Joaquim Magalhães de Castro, escritor de viagens, que “em 1990 não andava muito longe da nossa rota”, conta o ex-professor da UM.

O livro será editado pela Jetsetter Ltd, de Hong Kong, tendo apoios, para já, da Fundação Oriente (FO). Além disso, está também a ser pensado “um filme em formato actualizado” bem como uma edição das músicas que constituíram a banda sonora desta viagem, com o apoio da TDM.

Além de Joaquim Correia, a viagem foi feita por Mário Sin, ex-presidente do Automóvel Clube de Macau; António Calado, então técnico do Instituto de Desportos de Macau e posteriormente dos Serviços de Educação; Fernando Silva, médico; e António Teixeira, mecânico do Grande Prémio de Macau.

À data, lançarem-se numa jornada desta dimensão impunha-se como forma simbólica de “aprofundar a componente cultural, de paz e de amizade entre Macau e Portugal”. O território regressava à administração chinesa daí a nove anos, mas os viajantes queriam também celebrar a ligação entre a China e a então URSS.

“Durante a viagem oferecemos livros em bibliotecas e distribuímos informações e lembranças sobre Macau à população, com quem estabelecemos constantes contactos”, recorda Joaquim Correia. Toda esta documentação foi fornecida por entidades como o Instituto Cultural, FO, Fundação Macau e Grande Prémio de Macau.

Uma viagem inesquecível

Outro dos objectivos do II Raid era também “seguir uma rota que, desde 1907, com o Raid Pequim-Paris, nunca mais tinha sido repetida, atravessando a Rússia dos czares e, depois da revolução de 1917, a URSS em viatura própria”.

Joaquim Correia destaca o momento oportuno para a jornada porque “quer a China, quer a URSS, desejavam demonstrar a abertura ao mundo”. “Nunca tinha acontecido o facto de estrangeiros realizarem essa rota em viatura própria. E, diga-se de passagem, que continua a não ser repetida, e que agora atravessa país como o Cazaquistão, Quirguistão, Uzbequistão, Turquemenistão, Azerbaijão, Geórgia, Rússia e Ucrânia. Não será fácil, devido a vistos”, exemplificou.

O II Raid levou 50 dias a completar e muitas histórias se foram acumulando, à medida que a caravana ia atravessando diversas geografias com ambientes sociopolíticos tão distintos.

“Naturalmente que surgiram problemas pontuais com as viaturas e pequenas tensões entre os membros da equipa”, que envolveram “decisões importantes a tomar por parte dos raidistas cansados”. No entanto, estes problemas “eram contrabalançados com o prazer da solidariedade e da beleza que espreitava em cada estrada”.

A partida foi várias vezes alterada devido a dificuldades logísticas de diversa ordem. Mas Joaquim Correia destaca o episódio da queda dos camelos na altura em que “alguns raidistas atravessavam as célebres dunas cantantes de Dunhuang, na China”. Essa queda teve, “felizmente, poucas consequências físicas”. Mas houve também o “espectacular desastre, próximo de Moscovo, quando um dos nossos Mitsubishi Pajero embateu num pequeno Moskvitch soviético. Foi com muita dificuldade que a viatura chegou até à Torre de Belém”.

Mário Sin percebeu que, chegado à embaixada portuguesa em Pequim, tinha uma festa de aniversário surpresa à sua espera, enquanto que, na travessia do Mar Cáspio, “um dos raidistas teve aventuras ‘maliciosas’ no camarote do comandante”, ironiza Joaquim Correia.

A jornada motivou inclusive um documentário, que contou com a colaboração de três técnicos da TDM na equipa. O filme realizado por James Jacinto passou em televisões e cineclubes de Portugal, Macau, China, URSS e Japão, entre outros países.

Terminado o II Raid, outras viagens se seguiram, inspiradas por estes aventureiros. “Várias outras ligações terrestres entre Macau e Portugal aconteceram, ou foram tentadas, algumas, por diversas razões, mas não conseguiram os seus objectivos”, com rotas alternativas que passariam pelo Paquistão ou Irão.

Um dos capítulos do livro faz, aliás, o levantamento das grandes viagens terrestres, seja de comboio, carro ou mesmo bicicleta que passaram por várias zonas da Ásia. “A primeira vez em que estas ligações tiveram carácter essencialmente desportivo ou pelo prazer do desafio foi em 1907, quando o jornal Le Matin organizou o Raide Pequim-Paris em automóvel, passando por pontos intermédios como Zhangjiakou, Ulaanbaatar, Ulan-Ude, Irkutsk, Krasnoyarsk, Omsk, Chelyabinsk, Petropavlovsk, Perm, Kazan, Nizhny Novgorod, Moscovo, São Petersburgo, Vilnius, Varsóvia e Berlim”, poder ler-se.

Este percurso, que teve início a 10 de Junho de 1907, tinha uma extensão total de 14.994 quilómetros, mas cada concorrente tinha liberdade para escolher o seu próprio itinerário. “Reza a lenda que um incógnito português, partindo de Lisboa, terá acompanhado a corrida, prolongando-a até Macau. Toda a expedição está narrada ao pormenor no livro da autoria de um dos concorrentes, Georges Cormier.”

Uma viagem mais contemporânea foi a do artista Amílcar Carvalho, também conhecido como Mica Costa Grande, que entre 1984 e 1986, consultor do I Raid que ligou Macau a Lisboa, fez o mesmo percurso, mas no sentido contrário. O livro descreve que este “abandonou a viatura no Paquistão, uma vez que não obteve autorização para atravessar a China”.

Durante 27 meses Amílcar Carvalho fez aquela que terá sido “a primeira viagem completa, por terra, de Portugal a Macau pela Rota da Seda, tendo atravessado do Paquistão para a China dois meses depois de abrir o Kunjerab”.

Um ano antes do I Raid, com jipes UMM, o antropólogo Zica Capristano e a sua esposa Judite Capristano lançaram-se numa viagem entre Lisboa e Macau através de países como a Turquia, Irão, Paquistão, Índia, Nepal. Deste país voaram depois para Hong Kong, regressando de comboio até Bombaim, na Índia, e depois por barco até Lisboa. O percurso foi feito em 70 dias.

Celebrou-se ontem o 31º aniversário do início do II Raid, que teve como ponto de partida o Jardim de Camões, em Macau. A viagem terminou a 13 de Setembro na Torre de Belém, em Lisboa, depois de terem sido percorridos mais de 21 mil quilómetros de estrada, com uma velocidade média na ordem dos 55 quilómetros por hora.

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