Torga e o Jardim

No meu jardim aberto ao sol da vida
Faltavas tu, humana flor da infância
Que não tive…
E o que revive
Agora
À volta da candura
Do teu rosto!
O recuado Agosto
Em que nasci
Parece o recomeço
Doutro destino;
Este, de ser menino
Ao pé de ti…

 

Esquecemos a ternura, esse saber de gostar de tantas coisas, de horas graves cravejadas nos sentidos, e dos caminhos andados em nossos sonhos, também eles de meninos.

Miguel Torga continua a falar-nos com profunda comoção, e a razão de ser assim reside na sua raiz telúrica que semeia lembranças limpas, inteiras, tão claras como os vastos sonhos que tivéramos, mas nada disto é fácil de alcançar na sua poesia que subtraída a este tempo de estagnação imaginária requer outra humana condição, perdendo no entanto o som das fontes de menino. Explanação de bem-dizer no tempo comum da singularidade, o que daqui sai é quase uma prece, e esse sentido remete-nos outra vez para as claras esferas: estamos sitiados de palavras, descritivas, abundantes, simiescas, andamos a responder a coisas e a designar outras tantas – verbo solto com o velo da beleza trespassado- e a importância dos poetas mais que nunca deveria ser imensa.

Tal truculência reinante não nos deve inquietar, servida de espasmos ortográficos e vozes sem verdade, renunciar ao dom maravilhoso da retórica seria agora um benefício em defesa do que restou de humano, e assim, calados mas com ritmo (que as palavras nos acendem por dentro) deve-se estar longe do martírio das vozes. Não valerá um segundo da eternidade uma conversa escrava na malvadez das palavras, e, no entanto, quantas vezes o nosso dom ardente que reverbera escatológicas vontades se desata neste estreito do barulho insano! Talvez replicar o estorvo vadio dos palavreadores, que ora arranjam convulsões quânticas para se manterem em grau no topo das barbaridades onde escrevinham entrincheirados volumes de ineficácia verbal, ora desmerecem o apreço pela conversação – se escutados amiúde, perdemos o jardim de Torga – e há jardins de onde não devemos ser retirados.

Todo o poema que contém esta ternura deveria ser evocado nos tempos mortos das mortas gentes, desfeitas em soldadura de coisas sem sentido, e, depois, começar por trilhar o ritmo do equilíbrio que é preciso para ser-se gente. Pessoa. Que tudo o que nos distrai acusa em nós a queda livre para um abismo inumano de desassossego sem causa.

Que dirão as máquinas vindouras da entropia maligna dos nossos diálogos? Que somos submecanismos impróprios para se fazerem compreender – que mesmo onde nada compreendemos, se nos fizer acrescentar estranheza, será digno de atenção, o mesmo é dizer, de vasta interpretação poética.

Muito mais que o desnorte da vida de cada um, nós sempre poderemos soltar a fonte do que nos é comum. A teia prateada das manobras da aranha que sedenta de fabricar nos transmite o cordão mais fino e resistente- seres de quebranto e pasmo- E só tu no teu jardim, permaneces o jogral de outrora, querido Torga, sem a caserna do amor de si em frangalhos indistintos – Um menino é uma maravilha! Já uma criança pode ser um transtorno com a qual a natureza não contava. Pode parecer soberbo, mas a evidência de ser menino não atinge as contingências magoadas de se ser criança entre adultos criancistas. Até para chamar a saudade preciso do teu tempo. Que a saudade deixou de crescer neste orfanato de desvalidos e abundantes detentores dos sonhos dos meninos. [que me lembrei de ter saudades dessa infância que já tive, mais normal, mas não banal, e quisera ser menina ao pé de ti]

Quando o fui, porém, lembrava ainda um outro Torga que me fascinou: «Senhor, deito-me na cama, coberto de sofrimento, e a todo o comprimento sou sete palmos de lama: sete palmos de excremento da terra mãe que me chama». Fui certamente uma menina muita velha. O que trazemos na lembrança! Jardins de fogo. Todos os homens, porém, foram meninos, e deles não conseguimos erguer esta delicadeza da entrega de um Torga que renunciou a ser criança. É um momento sem igual na rota dos dizeres. Ou talvez não … a coroação do menino, tema sem fim…Pessoa, menino quase sempre, e renunciar ao tema seria mais grosseiro que todos os atentados à memória da infância. Talvez o amor mude. – Talvez! Mas este, não devia ter saído do local onde estava situado. Criou homens fruto de um jardim difícil de ser alcançado.

Nasceu em Agosto no ano de 1907, tão longe de nós! – Como o Avô! Diálogos de seres que conheço e mereço pela substância activa do tempo.

Miguel Torga continua a falar-nos com profunda comoção, e a razão de ser assim reside na sua raiz telúrica que semeia lembranças limpas, inteiras, tão claras como os vastos sonhos que tivéramos, mas nada disto é fácil de alcançar na sua poesia que subtraída a este tempo de estagnação imaginária requer outra humana condição, perdendo no entanto o som das fontes de menino. Explanação de bem-dizer no tempo comum da singularidade, o que daqui sai é quase uma prece, e esse sentido remete-nos outra vez para as claras esferas: estamos sitiados de palavras, descritivas, abundantes, simiescas, andamos a responder a coisas e a designar outras tantas – verbo solto com o velo da beleza trespassado- e a importância dos poetas mais que nunca deveria ser imensa.

Tal truculência reinante não nos deve inquietar, servida de espasmos ortográficos e vozes sem verdade, renunciar ao dom maravilhoso da retórica seria agora um benefício em defesa do que restou de humano, e assim, calados mas com ritmo (que as palavras nos acendem por dentro) deve-se estar longe do martírio das vozes. Não valerá um segundo da eternidade uma conversa escrava na malvadez das palavras, e, no entanto, quantas vezes o nosso dom ardente que reverbera escatológicas vontades se desata neste estreito do barulho insano! Talvez replicar o estorvo vadio dos palavreadores, que ora arranjam convulsões quânticas para se manterem em grau no topo das barbaridades onde escrevinham entrincheirados volumes de ineficácia verbal, ora desmerecem o apreço pela conversação – se escutados amiúde, perdemos o jardim de Torga – e há jardins de onde não devemos ser retirados.

Todo o poema que contém esta ternura deveria ser evocado nos tempos mortos das mortas gentes, desfeitas em soldadura de coisas sem sentido, e, depois, começar por trilhar o ritmo do equilíbrio que é preciso para ser-se gente. Pessoa. Que tudo o que nos distrai acusa em nós a queda livre para um abismo inumano de desassossego sem causa.

Que dirão as máquinas vindouras da entropia maligna dos nossos diálogos? Que somos submecanismos impróprios para se fazerem compreender – que mesmo onde nada compreendemos, se nos fizer acrescentar estranheza, será digno de atenção, o mesmo é dizer, de vasta interpretação poética.

Muito mais que o desnorte da vida de cada um, nós sempre poderemos soltar a fonte do que nos é comum. A teia prateada das manobras da aranha que sedenta de fabricar nos transmite o cordão mais fino e resistente- seres de quebranto e pasmo- E só tu no teu jardim, permaneces o jogral de outrora, querido Torga, sem a caserna do amor de si em frangalhos indistintos – Um menino é uma maravilha! Já uma criança pode ser um transtorno com a qual a natureza não contava. Pode parecer soberbo, mas a evidência de ser menino não atinge as contingências magoadas de se ser criança entre adultos criancistas. Até para chamar a saudade preciso do teu tempo. Que a saudade deixou de crescer neste orfanato de desvalidos e abundantes detentores dos sonhos dos meninos. [que me lembrei de ter saudades dessa infância que já tive, mais normal, mas não banal, e quisera ser menina ao pé de ti]

Quando o fui, porém, lembrava ainda um outro Torga que me fascinou: «Senhor, deito-me na cama, coberto de sofrimento, e a todo o comprimento sou sete palmos de lama: sete palmos de excremento da terra mãe que me chama». Fui certamente uma menina muita velha. O que trazemos na lembrança! Jardins de fogo. Todos os homens, porém, foram meninos, e deles não conseguimos erguer esta delicadeza da entrega de um Torga que renunciou a ser criança. É um momento sem igual na rota dos dizeres. Ou talvez não … a coroação do menino, tema sem fim…Pessoa, menino quase sempre, e renunciar ao tema seria mais grosseiro que todos os atentados à memória da infância. Talvez o amor mude. – Talvez! Mas este, não devia ter saído do local onde estava situado. Criou homens fruto de um jardim difícil de ser alcançado.

Nasceu em Agosto no ano de 1907, tão longe de nós! – Como o Avô! Diálogos de seres que conheço e mereço pela substância activa do tempo.

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