Lusofonia | Instituto de Investigação para os PALOP em Macau estuda cooperação com a China

Wu Yuxian, do Instituto de Investigação para os Países de Língua Portuguesa em Macau, ligado à Universidade Cidade de Macau, falou do primeiro estudo publicado sobre São Tomé e Príncipe, e de outros que se seguirão. O objectivo é ajudar a definir políticas de cooperação com a China

 

O Instituto de Investigação para os Países de Língua Portuguesa em Macau, que funciona na Universidade Cidade de Macau (UCM), publicou um estudo sobre São Tomé e Príncipe, seguindo-se agora outros livros dedicados à Guiné-Bissau e, possivelmente, a Cabo Verde, disse à Lusa uma das investigadoras. Na prática, Macau está a estudar os pequenos países lusófonos para ajudar a definir políticas de cooperação chinesa com os países de língua portuguesa, afirmou Wu Yuxian.

“Estamos a concentrar-nos em alguns países, tais como Timor-Leste, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, e possivelmente Cabo Verde, por enquanto, mas queremos planear investigação para países maiores”, explicou uma das docentes que integra o projecto.

A primeira publicação foi sobre Timor-Leste (2020). Este ano foi já lançado um livro sobre a relação da China com pequenos Estados insulares de língua portuguesa. Nesta semana, o último: “São Tomé e Príncipe – A construção de um Estado arquipélago”.

O projecto debruçou-se sobre o facto de o “estudo dos países de língua portuguesa estar intimamente ligado à da criação do instituto” e vai ao encontro do conceito expresso pelo Presidente chinês, Xi Jinping, de se promover a construção de uma comunidade com um futuro partilhado para a humanidade, salientou a professora da UCM.

Mas não só. A existência, desde 2018, de um novo financiamento para projectos de investigação académicos dedicados a países lusófonos, com o objectivo de se reforçar a cooperação, mas também de potenciar oportunidades de mercado para os quadros formados na China continental e em Macau, esteve também em foco.

A ideia “é fornecer ao Governo ajuda para a formulação de políticas de apoio” a estes países e, para isso, “é preciso entendê-los verdadeiramente, para se compreender qual é a raiz do seu comportamento”, assinalou a historiadora.

Desafios para São Tomé

O livro, apenas em chinês, sobre São Tomé e Príncipe, apresentado esta semana tem quase 200 páginas em que são abordados vários temas multidisciplinares: desde a colonização portuguesa; uma visão política da escravatura à democratização; o investimento, desenvolvimento e dependência; a dimensão social, da linguagem à religião; até às relações externas, nas quais é dissecada a diplomacia com outros países africanos, União Europeia e continente americano.

E, claro, com a China, desde que as relações diplomáticas foram restabelecidas em 2016, o que possibilitou a entrada de São Tomé e Príncipe no Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa, também conhecido como Fórum Macau. A investigação agora publicada aponta vários desafios actuais para São Tomé e Príncipe.

A “forte dependência de ajuda externa”, segundo a investigadora, é um dos problemas. Por um lado, a economia do país ainda se baseia na exportação de produtos agrícolas, muito dependente da flutuação de preços dos mercados internacionais, sem garantir a criação de valor acrescentado. Por outro, procura agora potenciar a sua riqueza em recursos como o petróleo, resumiu.

“Fiquei muito feliz quando soube [da descoberta de petróleo], as pessoas pensaram que poderiam finalmente ter uma vida melhor, mas nada mudou (…) devido à incapacidade de governança”, disse Wu Yuxian, uma vez que “ainda não se conseguiu transformar esse recurso em dinheiro”. Tal como no Haiti, que tem recursos, “as pessoas são muito pobres e o povo vive na miséria”, afirmou.

A docente sublinhou que em São Tomé e Príncipe há uma ausência de identidade nacional, ainda muito tribal, para depois destacar a importância do “esforço comum do povo”, como acontece na China, apontando que há uma razão para o Partido Comunista Chinês “ser tão poderoso”.

Nesta matéria, concluiu, o povo de São Tomé e Príncipe “deve encontrar o seu próprio caminho” que, “definitivamente não é algo que os ocidentais possam dar”, argumentando que “o poder político está nas mãos de alguns que são geralmente educados no Ocidente (…) sem fazer nada pela base”, referindo-se a uma elite que vai partilhando o poder.

A historiadora reiterou que “a falta de uma identidade nacional ou memória comum” é um obstáculo chave no processo de desenvolvimento do país, que é muito recente, exemplificando, por contraste, o que acontece em nações como Portugal, Alemanha e China.

E mesmo no Brasil, país que já estudou e que, apesar de também ter um passado marcado pela colonização, conseguiu “formar gradualmente a sua própria identidade nacional”, muito visível, exemplificou, nas artes.

UCM organiza simpósio em Julho

O Instituto de Investigação para os Países de Língua Portuguesa em Macau organiza, no próximo dia 16 de Julho, um simpósio presencial e online em parceria com a Universidade Joaquim Chissano, de Moçambique. A ideia é reunir um grupo de académicos que possam olhar para os diferentes níveis de desenvolvimento económico de países lusófonos em África como é o caso de Angola, Cabo Verde, Moçambique, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe.

“Tendo em conta o passado histórico e a língua comuns, o nosso objectivo é ter uma melhor compreensão destas realidades, pelo que este simpósio olha para as características, desafios e oportunidades dos seus processos de desenvolvimento”, pode ler-se numa nota publicada no website da UCM.

A terceira edição deste simpósio anual aborda o facto de São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau e Moçambique terem registado os Índices de Desenvolvimento Humano (HDI, na sigla inglesa) mais baixos de 2019, à excepção de Angola. “Este simpósio traz académicos destes países para debaterem questões chave de desenvolvimento, especialmente no contexto da iniciativa uma faixa, uma rota e a Grande Baía.”

Outro dos objectivos deste evento será “a publicação do terceiro livro, como resultado das conferências, para a colecção de oito livros que serão dedicados à análise das relações entre os países de língua portuguesa e a China”.

Participam também neste simpósio académicos portugueses, como Jorge Tavares da Silva, Paulo Duarte e Rui Pereira, que vão abordar a temática “China in the Middle Atlantic: Challenges for the Small Portuguese Island States”. Estão também incluídas no simpósio as apresentações de académicos da própria UCM, como é o caso de Amélie Lu Yuqing, que irá falar das “Mulheres e a Economia na Moçambique contemporânea”. Meng Jingwen, Wu Wenzhong e Auricelio André Co vão abordar o tema “Mega eventos locais e a imagem de marca nacional no Turismo: Um estudo comparativo dos carnavais entre a RAEM e a Guiné-Bissau”. João Simões e Paulo Guilherme Figueiredo, também da UCM, irão fazer a apresentação “Um panorama da energia global: Implicações para as transições de energia para a China e os países de língua portuguesa”.  Lucio Lima Viegas, da Universidade de São Tomé e Príncipe, fala ainda do “Impacto económico e social na educação das ilhas de São Tomé e Principe”, entre outros oradores.

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