Fernão de Magalhães ao serviço de Espanha

Após oito anos na Índia e em África, Fernão de Magalhães apresentou-se ao Rei D. Manuel I para lhe reconhecer os préstimos e aumentar a tença. Despeitado pelo Rei e sua corte com falsas acusações caluniosas, ainda foi despedido.

Ofendido e revoltado, deixou Portugal e entrava em Espanha a 20 de Outubro de 1517, seguindo para Sevilha onde se instalou na residência de Diego Barbosa, que desde 1503 ocupava o cargo de tenente alcaide dos Reais Alcáceres e Arsenais. O português Diogo Barbosa incompatibilizara-se com o Rei de Portugal D. João II e refugiando-se em Sevilha, casara em 1490 com uma nobre da alta sociedade local, D. Maria Caldera.

Na Casa da Contratación de las Indias eram apresentados para aprovação os projectos, mas o de Magalhães, apesar de apoiado por Barbosa, recebeu um rotundo não, devido a ser estrangeiro e traidor ao seu país. Compreendeu ter de se preparar e esperar.

Três meses após chegar a Sevilha, com 38 anos Fernão de Magalhães casou-se em Dezembro de 1517 com Beatriz, filha de Diego Barbosa e de D. Maria Caldera e irmã de Duarte Barbosa, cuja amizade com Magalhães vinha do tempo da Índia.

A Casa da Contratação aprovou no início de 1518 o projecto de Magalhães, após averiguar em Lisboa sobre a sua experiência, e crucial foi o parecer anterior favorável do Cardeal Cisneros e o investimento do Bispo de Burgos Rodriguez da Fonseca, cuja família, entre outras firmas, patrocinava a inaugural viagem, para nas seguintes poder recolher os fabulosos lucros das especiarias.

Audiência Real

A morte do Rei Fernando, o Católico, a 23 de Janeiro de 1516, levou o Cardeal Jiménez de Cisneros a assumir a regência de Espanha e quando, proveniente da Flandres Carlos, o futuro Rei, com 18 anos desembarcou nas Astúrias a 4 de Novembro de 1517, o Cardeal, apesar de muito doente, foi ao seu encontro, falecendo a 8 de Novembro.

As Cortes reuniram-se na capital Valladolid e a 7 de Fevereiro de 1518 era Rei de Espanha Carlos I, que recebeu em Audiência a 8 de Março Fernão de Magalhães, acompanhado por o escravo malaio Henrique, mostrando-o como um indígena proveniente das terras onde a viagem chegaria. Para explicar o projecto usou um planisfério, fabricado por Pedro Reinel, onde apontou a localização do estreito, 42º de latitude Sul, a dar entrada no Mar do Sul e a posição das ilhas das Especiarias, a passar no meridiano oposto ao de Tordesilhas, na zona espanhola. O acordo foi firmado a 22 de Março, sendo nomeado capitão-mor da armada.

O Bispo de Burgos arranjou cinco velhas naus, que precisaram de uma total reparação. Os preparativos prolongaram-se, sendo difícil encontrar marinheiros pois, a viagem era incerta e o soldo pequeno, não atraindo os espanhóis a embarcar numa aventura de inúmeros perigos. Eram precisos 234 tripulantes e para colmatar essa falta, apareceram homens de muitas nacionalidades, dos quais 36 portugueses. Para o bem-estar na viagem, além do abastecimento normal, Magalhães aprovisionou barris de Jerez.

Embarcaram contrariados os castelhanos, capitães, contadores, responsáveis da justiça e a gente principal, por terem a dar-lhes ordens um português como capitão-general e pessoa de maus fígados.

A armada era composta por a nau capitã Trinidad, de 110 toneladas, onde seguia Magalhães e como piloto da sua confiança Estêvão Gomes, sendo acompanhado do cunhado Duarte Barbosa e do primo Álvaro de Mesquita. A San António, a maior das naus era comandada por Juan de Cartagena, que substituíra Rui Faleiro, então demente, sendo familiar do Bispo de Burgos tornou-se também feitor-mor da armada; a Concepción, de 90 toneladas, tinha como capitão Gaspar de Quesada; a Victoria, de 85 toneladas, capitaneada por Luís de Mendonza e a Santiago, a nau mais pequena de 75 toneladas, entregue a Juan Rodriguez Serrano. Estabelecidas regras como navegar em conserva, afim de não se perderem uns dos outros, deveriam seguir a nau Trinidad, que durante o dia hasteava a bandeira de capitã e à noite levava acesa um tocha.

Singrar ao vento

Do porto de mar de San Lúcar de Barrameda partia Fernão de Magalhães a 20 de Setembro de 1519 com a armada sob a protecção de Santa Maria da Vitória.

Seis dias navegaram as cinco naus e ao amanhecer de 26 de Setembro atingiram o porto de Santa Cruz na ilha de Tenerife, Canárias, a 28º Norte do Equador. Após troca de alguns marinheiros, levantaram de Tenerife a 3 de Outubro.

Em conserva singraram em bom mar dias, passando à esquerda de Cabo Verde (15º N) levando o vento pela popa cruzaram as costas da Guiné até que em frente a Serra Leoa, 7º Norte, caiu uma calmaria. Retidos, num clima tropical com torrenciais chuvas, dias passaram, senão semanas, até chegarem os ventos de Leste-nordeste e desfraldando as velas, após atravessar o Equador rumaram as naus firmes para Sudoeste. Então o fidalgo capitão Juan de Cartagena, altivo e desrespeitoso questionou o capitão-mor sobre a escolha do errado rumo.

Insubordinação contra a sua autoridade, Magalhães não admitiu e logo o destituiu, colocando-o preso na nau Victoria à guarda de Luís de Mendonça. Nomeou António de Coca para capitão do San António, substituído por Álvaro de Mesquita após aportarem a 13 de Dezembro na baía de Guanabara, Rio de Janeiro. João Lopes de Carvalho aí passara na feitoria cinco anos e vinha buscar o filho mestiço, agora com 7 anos. Duas semanas em descanso e abastecidos, no dia seguinte ao Natal continuaram para Sul, atingindo o Cabo de Santa Maria, na foz do Rio de La Plata, a 10 de Janeiro de 1520. Ficaram um mês a percorrer em vão por onde Solis julgara estar a passagem para o Mar do Sul.

Partindo a 2 de Fevereiro, alcançaram a baía de San Julián (49º 30’ Sul, a meio da Patagónia) a 31 de Março. No dia seguinte foi celebrado o Domingo de Páscoa com uma missa e na madrugada de 2 de Abril duas naus amotinaram-se. Magalhães fora avisado pelo sogro em Sevilha para ter cuidado com os capitães castelhanos, pois traziam um acordo entre eles de se revoltarem se fossem despeitados pelo português Capitão-mor.

Seguia agora Cartagena preso na Concepción, cujo capitão da nau Gaspar de Quesada o libertou e num batel com trinta homens armados foram à San Antonio e apanhando todos a dormir, prenderam o capitão Mesquita. Ficou Quesada como capitão da San Antonio e Cartagena passou a comandar a Concepción. Os rebeldes controlando três das naus, enviaram à capitã Trinidad um batel com a missiva a apelar à desistência do capitão-general de continuar a viagem e retornarem a Espanha. Prendendo os quinze homens do batel, Magalhães mandou nele embarcar o responsável da justiça (alguazil) Gómez de Espinosa a levar à Victoria uma carta para Luís de Mendonza se render. Este ao reagir mal foi morto, sendo logo a tripulação desarmada por os homens de Barbosa, que se apoderaram da nau.

Fernão de Magalhães, agora em superioridade, bloqueou a entrada da baía às duas naus amotinadas. Surpreendidos, sem poder fugir, os revoltosos renderam-se ainda a 2 de Abril de 1520.

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Manuel da Silva
21 Abr 2021 05:42

Parabéns ao Hoje Macau e aos seus jornalistas e demais colaboradores pela forma como expôem os seus assuntos. Os temas históricos são os que mais me prendem a atenção, mas não só. Evidentemente não os vou enumerar um a um, mas fiquem cientes que cá de longe vou lendo com atenção sobre o que publicam e noto que não têm necessidade de escrever artigos muito extensos, porque são à dimensão e satisfazem porque dão uma belíssima ideia sobre o que pretendem divulgar. A isto chama-se jornalismo com classe. Parabéns!