Artes, Letras e IdeiasAs seis vias terapêuticas da Medicina Tradicional Chinesa José Simões Morais - 8 Mar 2021 Essencialmente preventiva a Medicina Tradicional Chinesa usa quatro processos de diagnóstico médico: Wang (望): inspecção pelo olhar, observar e ver a face, com exame da tez e órgãos dos sentidos, em especial a língua, para entender no corpo o yin-yang dos Cinco Elementos; Wen (闻): ouvir e cheirar, ao auscultar o paciente pela história médica de como fala e do que sente, escuta-o no som das respostas do questionar Wen (问); já fora do rosto e para confirmar o entendido anteriormente, o medir o pulso, Qie (切). Assim é feita a história clínica na MTC. Após o diagnóstico realizado, os mestres de Medicina Chinesa têm seis diferentes vias terapêuticos (6 Zhi) para curar (ajudar a equilibrar o corpo): Bian (砭), terapia cujo método gua sha usa o raspar a pele ao longo dos meridianos com um utensílio, sendo inicialmente realizado por as mãos e depois com uma pedra polida, ou um osso, substituído por uma colher de porcelana ou uma faca de cobre, serve para expulsar pelos poros da pele as toxinas e estimular no interior o desobstruir a energia nos meridianos. Zhen (针) significa agulha e no ocidente acupunctura (acus – agulha e punctura – colocação), sendo prática já usada no quinto milénio antes da nossa Era, existindo desde então classificadas diferentes agulhas de pedra como, agulha de pedra, pedra bian e pedra pontiaguda e na dinastia Shang (1600-1045 a.n.E.) as agulhas passaram a ser feitas de bronze. Zhang Zhongjing (150-219) descobriu inúmeros pontos (os Huatuo Jiaji) de acupunctura e deu os fundamentos para a prática clínica, tornando-se na dinastia Ming o principal método terapêutico usado na China. Jiu (灸) significa fogo e no ocidente, moxibustão, terapia que usa moxa (feita pela folha da chinesa artemísia) que quando queimada e colocada próximo da pele, sem lhe causar estragos, o calor penetra no corpo profundamente e vai aquecer os meridianos, revigorando o fluxo de energia que nele circula. O cone de moxa aceso por fogo pode ser também colocado no interior de uma campânula e após aplicada numa área da pele, o ar aquecido começa a arrefecer e forma-se um vácuo parcial no seu interior. A diferença de pressão entre o ar interior e o exterior acaba por gerar uma força de sucção (ventosa terapia) a restaurar o equilíbrio do corpo. Yao (药), filoterapia (do grego therapeia = tratamento e phyton = vegetal) é o estudo das plantas medicinais e suas aplicações na cura das doenças, que na China surgiu por volta de 2800 a.n.E. com o Ancestral Soberano Shennong. Conhecida como medicina herbal, pode também usar ingredientes de origem animal ou mineral na elaboração das suas fórmulas e preceitos relativos à preparação de efusões e sopas (medicamentos), com combinações em proporções que maximizam os efeitos desejados e inibem possíveis efeitos colaterais. Do século II a.n.E. o livro farmacológico ‘Herbanário’ inclui 365 tipos de drogas, lista que ao longo dos séculos foi aumentando pela experimentação empírica e com pesquisas para actualizar os registos na farmacopeia oficial. Desde 1929 esse trabalho tem sido também realizado na forma científica de molde ocidental. Diversas plantas (50 fundamentais), ou seus componentes, já possuem aplicação na medicina ocidental e recentemente a investigação da planta Qing Hao, Artemisia carvifolia, por exemplo, utilizada na MTC para febres, resultou na atribuição em 2015 do Prémio Nobel da Medicina a Youyou Tu pela pesquisa sobre o efeito de um de seus componentes, a Artemisinina. Em Macau, em meados do século XIX existia à venda nas farmácias chinesas a famosa receita do chá sin-cap (os pães de sin-cap), uma mezinha preparada pelo Dr. Vicente Pitter era considerada um bom estomáquico e eupéptico. Usado como profiláctico após um chá gordo ou lauto banquete, era muito estimado contra afecções gastrointestinais de diferentes etiologias pois é composto de oito simples, quase todos específicos contra doenças do tubo digestivo e usados em medicina tradicional chinesa, segundo registo da Prof. Ana Maria Amaro. An qiao (按跷), técnica de massagens (An – uso da mão e qiao – uso do pé, para massajar) a estimular ou sedar os pontos dos meridianos do paciente, visando o equilíbrio do fluxo de energia nestes canais e relaxar os músculos. Uma das técnicas de massagem é Tui Na (massagens cegas, com Tui, empurrar, impulsionar e Na, agarrar, prendes com a mão) frequentemente usada junta com outras técnicas terapêuticas, como a acupunctura, moxabustão, filoterapia chinesa e qigong. Já o Lajin, ao estender os membros por alongamentos torna o corpo flexível ao procurar os seus limites e ir para além deles. O paida, bater com as mãos em diversas partes do corpo como método de estimular e provocar a reacção e desobstruir os meridianos energéticos. Dao yin (导引), meditação de origem daoista cujo conceito de Wu wei (acção sem agir) é um dos princípios básicos para a realização do dao yin, que significa conduzir e assimilar e ambos estabelecem uma relação yin yang de acção e não acção. Talvez proveniente de danças tribais e práticas xamãs, tem referências anteriores à sistematizada pelos daoistas no Período dos Reinos Combatentes (403-221 a.n.E.), ainda hoje praticada na Montanha de Wudang (WudangShan, em Hubei) como método para assegurar a saúde e cultivar o espírito. Está associada aos movimentos do Taijiquan e do Qigong (certos exercícios são praticados há 3000 anos) nos dois estilos, o ruangong – suave, que ajuda a relaxar o corpo e o espírito, aumentar a vitalidade interna e canalizar a força, permitindo num estádio avançado realizar proezas inacreditáveis e o yinggong – duro, mais violento, usado como método de autodefesa no qual o Wushu (Kungfu) está enquadrado. O livro O Segredo da Flor de Ouro (Tai Yi Jin Hua Zong Zhi) dá a conhecer o Dao Yin, com os estágios da realização do espírito através da meditação para criar um novo corpo de energia. Na cosmologia chinesa, os conceitos Origem das Origens (Wu ji) e Energia Vital (Qi) são encontrados conjugados num só, Apogeu Supremo (Tai ji), Espaço infinito contido no princípio da vida. Wu ji, o vazio anterior à criação do Universo é de onde se origina o Tai ji, formado do estado primordial da matéria quando se diferencia em yin e yang e relacionado com os Cinco Elementos geram tudo o que existe. Já o processo de meditação Dao Yin faz-se em sentido contrário, com as dez mil coisas a regressarem aos Cinco Elementos e recuperado o equilíbrio yin-yang desfaz o Tai Ji para se integrar no vazio original, a origem da existência. Para realizar tal momento, exercitar o cultivo da energia vital. “O primeiro efeito da meditação é a extinção da percepção do corpo físico, em seguida penetra-se num estágio em que tudo é energia e a nossa consciência torna-se o próprio campo energético e por último, atingimos o estado de extrema quietude que está na energia repouso, sem trabalho, nem tensões.” Todo o nascimento é uma condensação, toda a morte uma dispersão de matéria, Nan Hua Jing.