InternacionalEleições EUA | Biden perto da presidência, Trump deposita esperanças nos tribunais João Luz - 5 Nov 20204 Dez 2020 Mais de 48 horas depois, não há resultado nas eleições norte-americanas, mas Joe Biden está muito perto de ser o 46º Presidente dos Estados Unidos da América, a um Estado de garantir o número necessário de delegados do colégio eleitoral. Sem surpresas, Donald Trump declarou vitória antes da contagem final, vai contestar os resultados nos tribunais, enquanto os seus apoiantes afluíram a mesas de voto a protestar infundadas fraudes [dropcap]S[/dropcap]e as presidenciais norte-americanas pudessem ser resumidas em imagens, os protestos de apoiantes de Donald Trump à porta de mesas de voto em Maricopa, no Arizona, a gritar “parem a contagem” de votos, ao mesmo tempo que em Detroit, no Michigan, o slogan era “continuem a contagem” seriam uma representação simbólica das últimas 48 horas e do que ainda vem. Com a devida diferença de horário (em Macau são mais 16 horas do que em Washington), depois de mais de 48 horas do encerramento das urnas, até ao fecho da edição, ainda não era certo quem vai ocupar a Casa Branca nos próximos quatro anos. Ontem à noite, Joe Biden mantinha uma liderança promissora, a apenas um estado de distância da presidência, somando 264 delegados do colégio eleitoral, apenas a seis do número mágico que lhe garante a eleição, enquanto Donald Trump mantinha 214 delegados. Além das mil e uma peripécias que tornam este sufrágio num evento único, importa realçar que Joe Biden já ultrapassou o maior número de votos de sempre numa eleição para Presidente dos Estados Unidos, com 72,1 milhões contados até ao fecho da edição, e ainda com boletins por somar ao total. O candidato em segundo no pódio do mais votado de sempre foi Barack Obama em 2008, com 69,4 milhões. Depois de garantir os estados do Wisconsin e Michigan, que na eleição anterior foram arrebatados por Trump, Joe Biden falou na tarde quarta-feira aos apoiantes, madrugada de ontem em Macau, ao lado da companheira de campanha, Kamala Harris, revelando enorme optismismo quanto à vitória, mas não a declarando. “Vou governar como um Presidente americano. Vão deixar de haver estados vermelhos e estados azuis quando ganharmos, para haver apenas os Estados Unidos da América”. Declaração de vitória As palavras de Biden, que sublinhou a necessidade de serem contados todos os votos, contrastam com as do actual Presidente. “Francamente, nós ganhámos estas eleições”, declarou Donald Trump, às 2h da manhã de quarta-feira na Casa Branca, insistindo que a contagem devia parar, quando ainda existiam milhões de votos por apurar, em particular boletins enviados por correio. Em parte, os atrasos na contagem dos votos por correspondência são justificados pelo volume sem precedentes devido à pandemia de covid-19 que varre os Estados Unidos. Outra razão foi a insistência de representantes estatais republicanos em não iniciar a contagem, apesar do anormal volume de votos antecipados, antes do dia da eleição. Sem oferecer explicações adicionais, Donald Trump referiu que iria avançar para o Supremo Tribunal. “Queremos que a votação acabe”. Uma declaração que contradiz a vontade do Presidente de que contassem os votos no Arizona, numa altura em que encurtava a margem em relação a Joe Biden. Descurando o efeito da contabilidade dos votos por correio, que têm favorecido Biden desproporcionalmente, Donald Trump afirmou: “Não queremos que encontrem mais boletins de votos às 4 da manhã. É um momento muito triste. Isto é uma fraude para o povo norte-americano e uma vergonha para o nosso país.” Mais tarde referiu, enigmaticamente: “para mim, já ganhei”. Para já, o Presidente tem pela frente batalhas legais complicadas. Uma delas é pedir a recontagem dos votos no Wisconsin, onde Joe Biden venceu com uma vantagem de cerca de 20 mil votos. O próprio Governador do estado, o republicano Scott Walker, recordou que na recontagem para a eleição para o supremo tribunal do estado houve um acerto de 300 votos e que nas presidenciais de 2016 a recontagem os números apenas subiram 131 votos. “Como eu disse, 20 mil é um grande obstáculo”, comentou o Governador no Twitter, Da Pensilvânia à Transilvânia Talvez o mais inusitado dos argumentos da campanha de Trump para impugnar a eleição partiu do advogado pessoal do Presidente, que acorreu a Filadélfia, no estado do Pensilvânia, para protagonizar uma bizarra conferência de imprensa. A razão legal para impugnar as eleições naquele decisivo estado foi “não haver maneira para observar de forma significativa o processo” onde estavam os observadores de urnas da campanha de Donald Trump. O procurador-geral da Florida, Pam Bondi, que acompanhou Rudy Giuliani na conferência de imprensa, queixou-se do facto de os observadores não terem binóculos para ver os balcões onde eram contados os boletins. “Não sabemos o que se estava a passar”, completou o advogado, que andou nas bocas do mundo devido à aparição algo embaraçosa no último filme de Sacha Baron Cohen. A conferência contou com outro reforço de peso, o filho do Presidente, Eric Trump, que argumentou que no acto eleitoral do Pensilvânia foram contados votos de pessoas já mortas. A bizarra alegação foi feita sem qualquer apresentação de provas. Os outros olheiros Os observadores da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) disseram que as acusações feitas sobre o processo eleitoral norte-americano, nomeadamente pelo Presidente, Donald Trump, prejudicam a confiança do público nas instituições democráticas. As “acusações infundadas de deficiências sistemáticas” do processo eleitoral nos Estados Unidos, em particular do Presidente Donald Trump, “prejudicam a confiança do público nas instituições democráticas”, alertou na quarta-feira, num comunicado, a missão de observadores da OSCE nas eleições norte-americanas. “Depois de uma campanha tão dinâmica, garantir que todos os votos sejam contados é uma obrigação fundamental para todos os ramos do Governo”, disse Michael Georg Link, coordenador especial e líder da missão de observação de curto prazo do organismo europeu, no comunicado. De acordo com a missão de observação, a eleição de terça-feira foi “apertada” e “bem administrada, apesar dos muitos desafios causados pela pandemia de covid-19”. Os observadores notaram que a campanha eleitoral nos Estados Unidos foi caracterizada por uma “polarização política profundamente enraizada, que muitas vezes obscurecia o debate político mais amplo e incluía alegações infundadas de fraude sistemática”. “Alegações infundadas de deficiências sistemáticas, particularmente por parte do Presidente em exercício, mesmo na noite das eleições, prejudicam a confiança do público nas instituições democráticas”, disse o líder da missão. Há meses que Trump semeia desconfiança no voto por correspondência – apesar de não haver provas de que isso possa levar a uma fraude generalizada – e no domingo passado anunciou que planeava iniciar um litígio no importante Estado da Pensilvânia. “Esta eleição ainda não acabou e permaneceremos aqui em Washington e nos principais Estados do país até que acabe”, disse Urszula Gacek, chefe da missão de observação do Escritório da OSCE para Instituições Democráticas e Direitos Humanos (ODIHR). Povos nas ruas Apoiantes do Presidente norte-americano, Donald Trump, concentraram-se em frente a mesas de voto, exigindo o fim da contagem, enquanto milhares de manifestantes saíram às ruas em várias cidades para reclamar que todos os boletins sejam contados. Em Detroit, no estado do Michigan, dezenas de apoiantes de Trump gritaram “Parem a contagem!”, com polícias em fila para impedir a entrada no edifício onde são contados os boletins. O estado do Michigan tem vivido uma enorme tensão há vários meses, depois de manifestantes armados terem protestado no Capitólio contra as restrições instauradas na Primavera para combater a pandemia de covid-19. Em Outubro, seis homens foram detidos sob a acusação de conspiração para raptar a governadora democrata Gretchen Whitmer, num plano que visaria também governadores democratas noutros estados, como a Virgínia. Em Phoenix, no Arizona, ouviram-se cânticos de “Parem o roubo” frente às mesas de voto, com um membro da Câmara dos Representantes, o republicano Paul Gosar, a juntar-se à multidão, dizendo: “Não vamos deixar que esta eleição seja roubada”. Os protestos surgiram quando Trump afirmou, sem quaisquer provas, que haveria problemas com a votação e a contagem dos votos, tendo apresentado queixa em três estados por causa das eleições presidenciais. Enquanto apoiantes de Trump continuam a exigir o fim da contagem dos votos antecipados e enviados pelo correio, que deverão favorecer o candidato democrata Joe Biden, milhares de manifestantes saíram às ruas, de Nova Iorque a Seattle, para exigir que todos os boletins sejam contados. Em Portland, no estado do Oregon, que durante meses foi palco de protestos contra o racismo, a governadora Kate Brown pediu a intervenção da Guarda Nacional, depois de manifestantes pró-Biden terem iniciado actos de violência no centro da cidade, segundo as autoridades, que deram conta de janelas partidas. Em Nova Iorque, centenas de apoiantes de Biden desfilaram na Quinta Avenida, em Manhattan, tendo a polícia feito duas dezenas de detenções. Em Chicago, protestos a reclamar a contagem de todos os votos realizaram-se no centro da cidade, perto do edifício Trump Tower. Protestos semelhantes tiveram lugar em pelo menos meia dúzia de cidades, incluindo Los Angeles, Houston, Pittsburgh, Minneapolis e San Diego, de acordo com a agência de notícias Associated Press (AP). Vírus da democracia Os Estados Unidos registaram na quarta-feira cerca de 100 mil infectados com o novo coronavírus, um novo máximo diário, aumentando o total de casos para 9.477.239. De acordo com a contagem independente da Universidade Johns Hopkins, o número de mortes por covid-19 no país, desde o início da pandemia, subiu para as 233.650. Embora Nova Iorque não seja o estado com o maior número de infecções, continua a ser aquele onde foram contabilizados mais óbitos (33.556). Só na cidade de Nova Iorque morreram 24.034 pessoas. O Instituto de Avaliações e Métricas de Saúde da Universidade de Washington estimou que até o final do ano os Estados Unidos vão registar 325 mil mortos e 400 mil a 1 de Fevereiro.