Artes, Letras e Ideias hPerpetuum mobile Michel Reis - 12 Out 2020 [dropcap]E[/dropcap]ntre 1926 e 1939, ainda na União Soviética, Béla Bartók compôs 153 peças progressivas para piano, em seis volumes, uma colecção famosa intitulada Mikrokosmos, organizada por ordem de dificuldade e destinada principalmente ao estudante de piano. Mikrokosmos, Sz. 107, publicada em 1940, é um dos marcos no repertório pedagógico do piano mas, no entanto, é muito mais do que um manual de piano “clássico”. As peças envolvem não apenas os aspectos técnicos da execução do instrumento, mas também os fundamentos da composição – como em “Ostinato”, “Variações livres” e “Imitação e inversão”, técnica composicional e ideias programáticas como em “Do diário de uma mosca” ou a famosa “Seis danças em ritmo búlgaro”, peças que formam a conclusão apaixonada desta obra única. As peças progridem de estudos para iniciantes muito fáceis e simples a exibições técnicas avançadas muito difíceis, que são hoje em dia usadas na pedagogia moderna de piano. Segundo Bartók, a obra “surge como uma síntese de todos os problemas musicais e técnicos que foram tratados e em alguns casos apenas parcialmente resolvidos nas obras para piano anteriores “. Os Volumes 1 e 2 são dedicados ao seu filho, Peter, enquanto os Volumes 5 e 6 são concebidos como peças de concerto executáveis profissionalmente. Bartók indicou que essas peças também poderiam ser tocadas noutros instrumentos; a cravista Huguette Dreyfus, por exemplo, gravou peças dos Volumes 3 a 6 num cravo. Este trabalho está em linha com outras obras didácticas de compositores pedagógicos como Pyotr Ilyich Tchaikovsky, Dmitri Kabalevsky e Sergei Prokofiev. Algumas peças são homenagens directas a teclistas, incluindo Robert Schumann, Johann Sebastian Bach e François Couperin. Outras são inspiradas na música folclórica, são estudos de ritmo ou de técnica pianística. No prefácio, o próprio Béla Bartók recomenda que os alunos pianistas não se contentem em aprender o instrumento tocando apenas as peças de seus Mikrokosmos, mas sugere também abordar os famosos Estudos de Carl Czerny, ou o Pequeno Livro de Anna Magdalena Bach, de Johann Sebastian Bach. Assim, a colecção educativa de Bartók não deve ser considerada como um método de piano, mas sim como uma colecção complementar às peças técnicas tradicionais. Em 1940, pouco antes de emigrar para os Estados Unidos, a fim de aumentar o repertório que podia tocar com a sua mulher, Ditta Pásztory-Bartók, o compositor arranjou sete das peças de Mikrokosmos para dois pianos, intitulando-as Sete Peças de Mikrokosmos. Perpetuum Mobile , do Volume 5 de Mikrokosmos, e o número três do conjunto, é uma das obras mais exigentes da colecção, usando a peça anterior, Estudos em Notas Duplas, como trampolim de inspiração, principalmente nos seus aspectos rítmicos. No entanto, há trabalhos ainda mais difíceis à frente no Volume 6, o último livro de Mikrokosmos. Perpetuum Mobile abre com um ritmo motriz que é a fonte do material temático. Motórico e implacável, adquire maior intensidade na subida e torna-se mais calmo à medida que desce no teclado. A música repete-se e incha, contrai-se e fica mais suave, sempre, porém, parecendo inquieta e nervosa. Sugestão de audição: Béla Bartók: Perpetuum mobile, de Mikrokosmos, Sz. 107 3 Pianos, Bernardo Sassetti, Mário Laginha, Pedro Burmester – Sony, 2007