Tudo o Que se Atribui a Zhao Boju

Paulo Maia e Carmo

[dropcap]Z[/dropcap]hao Xigu (activo c.1195 – c. 1242) um influente crítico de arte da dinastia Song, no seu tratado curiosamente intitulado «Relação de Pura Alegria da Caverna do Eremita» (Dongtian Qinglu Ji) insurgiu-se contra os pintores que, antes de pintar, já tinham escolhido os títulos das pinturas, tornando-as assim indiferentes às surpresas proporcionadas pelo próprio acto de pintar.

Esses pintores, de entre aqueles que vieram para o Sul em 1127, «não levavam a sério a pintura, não estudavam os dez mil livros, não enchiam o olhar com pinturas antigas nem viajavam de carro ou a cavalo pela metade do território debaixo do céu.» Porque «só então podiam pegar no pincel. De outro modo não entenderiam a actividade» da pintura. Os que a entendessem, escreveu «nem deixariam traços do pincel», ideia que exprime a supremacia do espírito sobre a técnica, que é o que deve prevalecer.

Zhao Xigu alinha-se com aquela que seria qualificada como a «pintura dos letrados» (wenrenhua) e é por isso desafiante saber quem eram aqueles que ele via como pintores exemplares. De um deles a expressão «sem traços de pincel» (wubiji) noção estética e filosófica, tornar-se-ia literal e a mera alusão ao pintor, um estimado referente. Chamava-se Zhao Boju e o seu nome confundir-se-ia com o de um irmão mais novo, igualmente pintor, Zhao Bozhu no qual a mudança de um caracter quase não modifica a pronúncia do nome. Sabe-se que um deles viveu entre 1120 e 1182, do outro apenas que viveu até 1162. O facto de os dois serem muitas vezes referidos em conjunto por Chen Jiru, Dong Qichang ou Shen Hao não ajuda à distinção.

Zhao Boju foi porém um nome associado ao revivalismo da pintura dos Tang, das paisagens azuis e verdes (qinglu) e ouro e jade (jinbi) associadas a Li Sixun (651-716-18). O pintor que, segundo alguns biógrafos terá nascido na Província de Hebei e trabalharia na Academia de Huizong (r.1100-1126) tornar-se-ia um favorito do imperador Gaozong (r. 1127-1162) sendo filho do pintor Zhao Lingrang (activo em 1070-1100) que era descendente do fundador dos Song, Tazu (r.960-975). São-lhe atribuídas obras como «Cores de Outono sobre rios e montanhas» (rolo horizontal, a tinta e cor sobre seda, 56,6 x 323,2 cm) datada de 1160 e que se encontra no Museu do Palácio, em Pequim e que poderia justificar uma curiosa atribuição de uma suposta «Paisagem de Outono» que foi apresentada na corte de Hongwu, o primeiro imperador dos Ming (r.1368-1398) que sem bases factuais lhe outorga a autoria.

Muitas outras pinturas em museus por todo o mundo lhe são atribuídas sempre com um ponto de interrogação. O que não se pode negar é que, se não os traços do pincel é o espírito de Zhao Boju como queria Zhao Xigu, que permanece vivo na memória daqueles que ao longo dos séculos foram limpando a poeira para ver quais eram afinal as suas fugidias pinturas.

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Lopo Albuquerque
Lopo Albuquerque
14 Jul 2024 03:28

Mais um excelente texto sobre a pintura chinesa, talvez a mais bela e pura do mundo. Gostava muito de ler o livro “O pintor no seu labirinto” escrito pelo Paulo Maia e Carmo, mas não sei como adquiri-lo.