VozesO (des)equílibrio da existência Manuel de Almeida - 30 Jul 2020 [dropcap]D[/dropcap]esvalorizamos valores – existimos –, há chantagem em vez de princípios, há vassalagem no lugar de dignidade e o mais preocupante é que o debate público está centrado “em pontos específicos, mais formais do que substanciais, mais conjunturais do que estruturais”. Continuamos sem uma estratégia, um esforço intelectual, um código de existência, ou seja, já não somos capazes de produzir sons de ruído. “Não há tempo para desesperar, o desespero é para os privilegiados”- segundo James Baldwin (1924 – 1987) – há uma obstrução do passado. Problemas existem: políticos, sociais, económicos, jurídicos, culturais, laborais, mas nós longe das obsessões por quimeras “empoeiradas” e, sem vontade de um entendimento colectivo de aventura e compromisso, aprendemos a lição – recapitulação da matéria da lição anterior -, sentamo-nos como bons alunos, que sempre fomos, a aprender – de que se deve evitar encenações -, só o palco principal é para os actores. Não se trocam argumentos, atiram-se farpas – fruto dos agasalhos das tertúlias, existe (?), do calor da discussão, ruído (?), dos injustiçados da razão, calúnias (?), das movimentações ocultas, pecado (?) opinião objectiva, idealismo (?), decisões concretas, emoção – “Não procuro esconder nada; o tempo vê, escuta e revela tudo”. A reflexão íntima? As conversas nunca deveriam ser desperdiçadas. Onde estão aquelas “desfechadas” e duras falas? Devemos exercitar a emoção. Carregamos paciência. Ultrapassamos facilmente escolhas, curiosidades, destinos, pesadelos, ímpetos, represálias, até à meta final, esperança. A esperança desobstrui os problemas. É próprio das pessoas que entram na velhice contemplar a vida passada, com interesse, e olhar o futuro como uma “desforra” do interesse – é um balanço da “caixa” da vida, o débito e o crédito -, virtudes antigas, novas exigências. A curiosidade da vida – mudanças, contradições, polémicas -, traz consigo vitórias e derrotas. A vivência é difícil e complexa, talvez não estejamos destinados a procurar, apenas a encontrar – possuímos uma qualidade abstracta. O nosso atraso é mais cultural – existência sem destino -, do que material, somos almas dilaceradas pela dúvida, ouvimos as liturgias do poder (uma combinação perfeita entre sagrado e profano), condenámos mas não existimos -, vivemos num mundo de sombras e de ambiguidades. Ajoelhamo-nos ao poder. Temos voz nos bastidores. Poderíamos ter aproveitado este hiato temporal, para arrumar o que esta(va) desarrumado, até porque o destino tem que ser uma ambição, não uma fatalidade. “Não conseguimos reconhecer uma derrota ou o mérito de uma vitória alheia”. Procuramos o estatuto de “Ter”, esquecemos o “Ser” e, à nascença, abandonamos o “Estar”. Muitas histórias, muitos acontecimentos, – fomos perdulários no bem comunitário (relação/confronto), mas mantivemos fidelidade à palavra – os “restos” do passado. Ouve uma paragem no tempo entre o antes e o depois – o chamado “passo em branco”. Na continuidade da “Novidade (1999)”, aceitamos os “factos” com tremor e temor. Soubemos desconstruir o guião social. Fomos interlocutores entre saber e poder. O discurso oficial apostava na franqueza e excluía a intimidade – sem querer quebrar os laços. A palavra no tempo. É nobre, a desconfiança saudável. A memória, a cultura, o conhecimento. Existe – é um fardo pesado —, mentalmente o sentido físico do pesadelo. Porquê? Não soubemos fazer convenientemente o “Luto” e isso deixa marcas futuras. Como sabem existem diversos estágios de um luto. Primeiro, a negação; depois, a raiva; a seguir, a resignação; e finalmente, a aceitação Não nos deixaram ouro, incenso e mirra – levaram na bagagem -, deixaram-nos na “praia”, onde a terra acaba e o mar começa. Aboliram antes de partir o pensamento absoluto do debate e a diabolização do pensamento crítico, ganhámos uma pobreza desenganada, a ironia – foram as prendas, dos rostos ausentes. Existimos fruto da prudência… Não há “reinos” de oposição, desamor, conflitos ou angústia. Este texto é pura ficção, qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência. Não esperem palmas – já não há público na plateia…