“Macau Património Mundial da Humanidade” – 15º Aniversário

O CENTRO HISTÓRICO DE MACAU foi inscrito
na lista do Património Mundial,
na 29a Sessão do Comité, em 15 de JULHO de 2005.

 

[dropcap]E[/dropcap]m 1513, os portugueses chegaram à China, à ilha de Tamão – “a ilha de veniaga” (que significa , ), situada no delta do Rio das Pérolas, numa frota comandada por Jorge Álvares.

A 17 de Junho de 1517, partiu de Malaca, rumo à China, a primeira embaixada portuguesa à corte de Pequim, numa armada comandada por Fernão Peres de Andrade, levando a bordo, como embaixador, Tomé Pires.

Esta embaixada tinha como objectivo oficializar e aprofundar os contactos com a China.
Apesar de algumas desavenças, conflitos, fricções e mal entendidos – como o édito imperial de 1522, que ordenava o encerramento do porto de Cantão à navegação de estrangeiros, com a consequente suspensão do comércio marítimo, a qual trouxe sérias dificuldades financeiras ao governo da província, que foi de mal a pior, os portugueses estabeleceram-se em Macau em 1553, fruto do estreitamento das relações comerciais sino-portuguesas e do reconhecimento dos serviços prestados – a armada lusa conseguiu acabar com os piratas e os rebeldes dos mares do sul da China.

As viagens transoceânicas entre o Ocidente e o Oriente são o primeiro passo da globalização – o que levou o historiador português Luís Filipe Barreto a escrever – “Entre os séculos XV e XVII começa a nascer toda uma estrutura de vida à escada mundial. Nascem os primeiros elementos de um comércio mundial com implicações na restante economia, bem como os primeiros traços de uma cultura mundial que troca, entre o Ocidente e o Oriente, o Norte e o Sul, ideias e livros, mas também alimentos e costumes”. Para Malyu Newitt, Professor Emérito no King’s College de Londres, Portugal foi “o primeiro Estado de dimensão mundial”.

O estabelecimento permanente e duradouro em Ou Mun (A Porta da Baía), fruto do diálogo e compreensão entre pares, abriu um novo período nas relações luso-chinesas. A cidade começa por se equacionar, desenhar, construir, numa pequena colina em dois espaços urbanos que se estruturam em Macau: a cidade chinesa, ou bazar, e a cidade cristã, ou europeia.

“De início, fizeram apenas umas dezenas de cabanas de palha, mas passado algum tempo, à medida que os artífices e comerciantes que procuravam lucros fáceis transportavam para lá tijolos, telhas, madeiras e pedras, construíram casas e tomou forma de uma povoação que atraía muitos navios para aí ancorarem, tudo à custa de outros ancoradouros que caíam em desuso” – segundo Guo Fei, em Crónica Geral de Guangdong.

Em 1563, Macau atingia já uma dimensão considerável, cerca de 900 pessoas, excluindo crianças, a par de vários milhares de malaquenhos, indianos e africanos. A primeira igreja, dedicada a St. António, data de 1558 e a primeira escola, fundada pelos Jesuítas, data de 1572.

Num clima de cooperação e bom entendimento, com um povo empenhado e empreendedor, a cidade cresce e Macau torna-se a placa giratória das rotas marítimas que ligavam a Índia, o arquipélago malaio, a China e o Japão – Macau ponto de encontro, cidade de abrigo.

Em 1654, D.João IV atribuí-lhe o título de Cidade do Santo Nome de Deus de Macau.
Resultado do diálogo e intercâmbio cultural entre o Ocidente e o Oriente, Macau conseguiu construir uma simbiose única multicultural, um testemunho vivo da assimilação e da coexistência das culturas orientais e ocidentais – foi essa vivência, tolerância e entendimento que fizeram “O Centro Histórico de Macau” membro da Lista do Património Mundial da UNESCO. Falar de Património não é discorrer sobre um tempo fechado ou um acervo do passado, é uma memória presente, que deve salvaguardar o futuro.

Templos, fortalezas, igrejas, casas… para os residentes mais distraídos e que ainda não conseguem recitar de cor os trinta lugares eleitos da nossa cidade, nunca é demais relembrar: Casa do Mandarim, Casa de Lou Kau, Casa Garden, Edifício do Leal Senado, Santa Casa da Misericórdia, Ruínas de S.Paulo, Igreja de Santo António, Igreja de S. Domingos, Igreja de Santo Agostinho, Igreja e Seminário de S. José, Igreja de S. Lourenço, Igreja da Sé, Fortaleza do Monte, Fortaleza da Guia, Templo de Na Tcha, Templo de A-Má, Templo de Sam Kai Vui Kun, Quartel dos Mouros, Cemitério Protestante, Antigas Muralhas de Defesa, Teatro D. Pedro V, Biblioteca Sir Robert Ho Tung, Largo de St. Agostinho, Largo da Companhia de Jesus, Largo de S. Domingos, Largo da Sé, Largo da Barra, Largo do Senado, Largo do Lilau e, por último, mas não menos importante, a Praça de Luís de Camões, o local de homenagem e de romagem ao tão amado poeta, constituem o , inscrito na lista do Património Mundial, na 29a Sessão do Comité, em 15 de Julho de 2005, há precisamente 15 anos.

A zona classificada como património desenvolve-se ao longo de um itinerário que começa no extremo sudoeste da península, no Templo de A-Má, percorrendo uma parte da cidade, em direcção a nordeste, até chegar à Casa Garden e ao Cemitério Protestante. O único monumento fora desse itinerário é constituído pela Fortaleza da Guia, com um dos ex-libris da cidade, o Farol da Guia, ladeado pela sua Capela – num total de 30 monumentos/locais.

A malha urbana classificada alberga uma história, humana e social – é um grande artefacto cultural da humanidade -, são cinco séculos de um conteúdo colectivo de diálogo.

O Centro Histórico de Macau foi designado como o 31º sítio do Património Mundial da China – tornando-se o Celeste Império o terceiro país com maior número de Sítios de Património Mundial inscritos no mundo, logo após a Itália e a Espanha e antecedendo a França.

Segundo a Carta de Nara, aprovada nesta cidade japonesa em 1994, a classificação de um monumento a Património Mundial da UNESCO tem por base dois parâmetros fundamentais: a autenticidade e a integridade. Penso que em Macau nos temos esquecido destes pormenores.

A história económica, bem caracterizada, condicionou a evolução urbana e arquitectónica da cidade. Numa primeira fase, as sedas e os produtos cerâmicos, o tráfico do ópio, os cules e o ouro numa fase posterior e, finalmente, o jogo. Este, apesar de ter trazido algum desenvolvimento económico e bem-estar à população, tem descaracterizado a vida e alguns valores e ferido a geografia sentimental de Macau.

Em finais do século XVI, o comércio prospera, a população aumenta. Fixam-se alguns elementos da nobreza ultramarina portuguesa, intensifica-se a instalação de missionários e padres e a radicação de pescadores chineses. Era uma cidade de ruas tortuosas, sem um planeamento e ordenamento prévio e uma estrutura consolidada, já com alguns núcleos populacionais bem definidos.

Sem adoptar qualquer modelo de raiz europeia ou chinesa, é este diálogo existencial que leva Austin Coats, no seu livro A Macao Narrative a escrever “só em Macau se experimenta a extraordinária sensação de estar num momento no tempo Ling Fong e dez minutos depois no Teatro D. Pedro V, cada qual constituindo enfática expressão de civilizações díspares, sem contudo produzirem qualquer choque cultural”. A cidade cresceu, aparentemente desorganizada, sem uma estrutura orgânica, fruto do pragmatismo da dinâmica comercial.

Durante o século XVII, surge a arquitectura civil europeia, sobretudo de tradição portuguesa, resultado das experiências bem sucedidas na Índia e Malaca, e alguns imponentes edifícios públicos – Misericórdia, Leal Senado, Hospital de S.Rafael, a par do desenvolvimento de uma arquitectura de tradição chinesa, sobretudo em novos projectos habitacionais. É nesta época que se constrói o novo Templo Kun Yam Tong e se renova o Templo de Ma Kok Miu, na Barra.

No século XVIII, a fisionomia de Macau alterou-se significativamente do ponto de vista político, social, urbano e populacional. A abertura do porto de Cantão aos estrangeiros levou à fixação de várias companhias europeias na cidade. Instala-se em Macau uma alfândega chinesa, para controlar o acesso ao estuário do Rio das Pérolas e cobrar impostos. É um século de abertura a novos conceitos arquitectónicos, construções de uma certa monumentalidade, erguem-se de uma nobreza – ocidental e oriental – endinheirada. Rasgam-se novas estradas e planeiam-se novos arruamentos. Constroem-se os Templos de Kuan Tai Ku e Lin K’Ai.

A cidade expande-se para fora dos limites habituais da sua geografia inicial, criam-se aterros e, finalmente, pensa-se, programa-se e criam-se novos modelos regulares de ordenamento. Macau ganha uma nova configuração com novos edifícios, residências, teatro e igrejas.

No princípio do século XX, Macau tinha já uma população de cerca de 66 mil habitantes e foi no último século também, que a cidade deu um grande salto quantitativo, não tanto qualitativo, em consequência não só da comercialização do ouro, mas sobretudo devido ao primeiro contrato de concessão do jogo.

Criou-se uma rede viária e um plano urbanístico. Melhoraram-se as infra-estruturas e as estruturas portuárias e aéreas, remodelaram-se alguns edifícios públicos, militares e igrejas e definiram-se algumas regras de gestão municipal. A cidade ganha uma nova fisionomia – estende-se, alarga-se, respira (?).

As alterações lavradas nos últimos anos no tecido económico e social do Território – Macau foi entregue sem um suspiro, sem um sobressalto, sem um remorso, nas mãos do deus jogo (depois da liberalização do jogo, o sofrimento) – foram bruscas, impensadas e nefastas.

Para alguns agentes económicos, o Património é ainda um obstáculo ao desenvolvimento e modernização do Território, quando na verdade é um dinâmico agente de progresso, um espaço de reflexão e preparação e, sobretudo, uma plataforma da identidade colectiva.

Três exemplos concretos que o património de Macau está ao abandono. – não há visão, não há estratégia -, o Convento da Ilha Verde está decadente – já houve projectos, já houve intenções -, abandonaram-nos, é triste. Deixar construir prédios com 90 metros de altura nas fraldas da Colina da Guia é um atentado. Em 2008, quando construíram o Gabinete de Ligação do Governo Popular Central na RAEM, com 88 metros, já foi mau, deixarem construir ao seu lado esquerdo um prédio de habitação privado, com 90 metros, foi um erro crasso – alguém será julgado por essas atrocidades e atentado ao património público? E o desenho, em ‘socalcos’ da torre mais alta, deixa imaginar que foi intencionado, para poder ser facilmente ‘fatiado’, se necessário fosse, mas a exígua queixa tarde chegou… Repetir o erro é gravíssimo. A arquitectura deve trazer soluções, não interrogações, deve conciliar, dialogar com o que já cá está, e bem, com a Natureza, com a população. Aqueles monstros- não têm outro nome – ali na Avenida do Dr. Rodrigo Rodrigues, ficarão para sempre cravados na alma da população, como tumores de um passado inconsciente, a subordinação de poderes económicos ao bem colectivo. E a esperança morre, ao ter sido, há bem pouco tempo, divulgada a autorização para a eclosão de mais outro mesmo ao lado, ficando a vista para o primeiro farol do Oriente barrada, quedando-se como um pouco estimado bibelot. Quem se preocupou com o habitat natural daquelas encostas, antes sobranceiras ao mar, da florestação exótica que restava da antiga praia do mangal, e que dava abrigo a dezenas de espécies de aves, aos esquilos? Tudo esventrado! Ou a ideia será, afinal, desbravar tudo o que é autóctone e natural, que ali vive imperturbável há décadas, e, eis senão quando, enviesando as leis, deixar construir arranha-céus a quem esteve longo tempo, sabe-se lá, à espera de melhores dias (?), e depois, a modo de conclusão (in)feliz, fazer um asséptico cimentado corredor enfeitado com plantas de estufa trocadas regularmente, para o bem e desfrute da população, claro!? Onde estão os jovens defensores de tantos ideais, que registam orgulhosos e reclamam subsídios para mais e mais associações com nomes que berram promessas? Onde estão as pessoas que gostam e conhecem verdadeiramente a sua cidade?

Um outro caso – poderia dar mais alguns exemplos, já percebi que não há grande poder de encaixe, as pessoas são fúteis no pensar e estão mais atentas ao que se lhes murmura no telemóvel do que ao que os seus olhos deveriam ver e acontece, inexoravelmente, à sua volta -, na esquina da Rua 5 de Outubro com a Travessa dos Faitiões, existem duas casas seculares com uma torre prestamista, não conhecem, não se faz nada pela sua preservação – a ignorância é pura e dura – nessa rua há mais património, conhecem (?), quais são as verdadeiras intenções (?) Abandono… é o mais simples. Preservar não é, definitivamente, um verbo na ordem do dia.

Macau é uma cidade de contrastes, de confluências, de diálogo, de coexistência, cidade de cor, luz, movimento, de odores, sabores, sons, um bem plural, inscrito na lista do Património Mundial da Unesco.

O Património Cultural é um elemento base da identidade – aos jovens uma palavra de incentivo e mobilização – vamos todos preservar de forma construtiva, activa e consciente. É preciso educar os olhos e os afectos. Envolver os mais novos na sua cidade, nas decisões, cativá-los para a beleza, fazê-los pensar e contar-lhes a História.

Macau, per capita, a cidade mais rica do Mundo, dizem! Inaudito! Somos ricos em quê? Absoluta incongruência. Que testemunho visível e invisível deixamos aos nossos e aos que nos procuram e de quem tão dependentes estamos?

O futuro é um longo e sinuoso caminho feito de muitos anos…

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