Nevoeiro

[dropcap]F[/dropcap]iz a mala. Só falta fechar. De fora deixei a necessaire e uma mochila grande para pôr a parafernália das refeições: os talheres, o prato e a malga coloridos da Cristina e a outra malga que veio com o chili de lentilhas e vegetais da Vera. A aveia, o chá e o café, se ainda houver. Não, não saio amanhã. Ainda faltam uns dias. Mas hoje, ao contrário do que me caracteriza – aqueles cinco, sete minutos de pegar em três peças de roupa antes de apanhar um avião – fiz a mala com antecedência. Ficou também de lado uma mochila mais pequena, para o computador e os livros que ainda me servem.

Além da roupa essencial para esta última etapa, e que a seu tempo será enrolada numa bola e colocada num saco já destinado, está também de fora, dobrada por cima do sofá vermelho, uma outra muda, escolhida a dedo dentro das possibilidades. Não quero sair daqui indigna do ar. Tenho que ir arranjadinha rumo à porta, lá de fora, e ao respirar.

“Bom dia, gostaria de saber se se está a sentir bem e se precisa de alguma coisa?” pergunta-me a relações públicas do hotel. Digo que sim e agradeço o cuidado. “Boa tarde, estou a ligar dos Serviços de Saúde” oiço mais tarde “Está a sentir-se bem? Como está a sua temperatura hoje? Tem tido alguma indisposição?” “36 graus e sinto-me lindamente”. “Obrigada e até amanhã”.

O que faz falta

Das rotinas diárias faz parte o arrumar a “casa”. Lavo a pouca loiça que tenho e que me está a uso. A bancada da casa de banho está dividida. De um lado, uma espécie de escorredor, onde estendi uma toalha, pequena, branca. Do outro, o copo com a escova e a pasta dos dentes. Ao lado, está a escova do cabelo e o óleo de argão que dá para tudo. Entre um lado e outro, duas velas, grandes e cheirosas, para me fazerem sentir mais em casa. Na parede, as toalhas. Uma para as mãos. Outra para a loiça. Ficam bem ali, penduradas no varão dourado e a contrastar com o amarelo de fundo. Os pauzinhos, que me dão aos pares de três por dia também se incluem. Reutilizam-se para tentar adoecer menos o mundo. Afinal, não preciso de muito. Mas preciso de ar, do sorriso das pessoas do outro lado da mesa do café, do vento quente e húmido da estação, das vozes sem serem filtradas por linhas ou letras. De caras, sem máscaras, sem máscara alguma.

Hoje está mais nevoeiro do que o habitual. Por esta altura do ano parece que Macau se enfia dentro de um capacete. A humidade dispara para se manter nos 100 por cento, a temperatura começa a aumentar a o território mergulha numa nuvem permanente, claustrofóbica que antecede a próxima estação. É uma espécie de prelúdio de Verão.

M.M.

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