EntrevistaLeung Kay Yin, professor do Instituto Politécnico de Macau: “Jovens irão para a rua daqui a cinco ou dez anos” Andreia Sofia Silva - 21 Jan 2020 A equipa de Ho Iat Seng tomou posse a 20 de Dezembro e, desde então, já houve visitas surpresa a serviços públicos, inúmeras avarias no Metro Ligeiro e um recado deixado a Alexis Tam sobre o despesismo. Leung Kay Yin, professor do Instituto Politécnico de Macau, diz que a maioria dos residentes gosta do novo Governo. A educação nacional e maior controlo secretário são as apostas do Executivo de Ho Iat Seng, diz o professor universitário, que se queixa de alguma pressão para não falar do que se passa em Hong Kong no IPM [dropcap]Q[/dropcap]ue balanço faz do primeiro mês do novo Governo? O público em geral aceita o novo Governo, mas algumas pessoas receiam que Ho Iat Seng venha a pôr termo ao programa de comparticipação pecuniária ou reduzir os valores dos cheques. No que diz respeito ao Metro Ligeiro, a maior parte dos passageiros vem de Hong Kong ou da China, e muitas pessoas em Macau sente que este não é um transporte público para eles, porque o facto de funcionar apenas na Taipa não é muito conveniente. Ainda sobre o Metro Ligeiro, tem faltado um bom mecanismo para informar o público. Ho Iat Seng fez declarações sobre o despesismo na tutela de Alexis Tam, quando era secretário para os Assuntos Sociais e Cultura. Tem havido enormes gastos em todas as tutelas, sobretudo ao nível das Obras Públicas. Pensa tratar-se de uma espécie de jogo político do Chefe do Executivo face a Alexis Tam? De facto, o último Governo gastou muito dinheiro, incluindo na área da segurança social. Ho Iat Seng quer reduzir os gastos, mas ainda não compreendemos bem onde quer exactamente cortar. Talvez se saibam novas informações de como se podem reduzir os gastos do Governo após o Ano Novo Chinês ou depois de Março. Mas deixe-me dizer-lhe que Ho Iat Seng parece ter deixado claro que não será feita uma reforma democrática nos próximos anos. Em que sentido? Penso que ele não tem quaisquer intenções de fazer isso. Comparando com Hong Kong, a Lei Básica de Macau não tem qualquer promessa de que o sistema político seja mais democrático, então os empresários olham para a situação em Hong Kong e pensam que os jovens vão despertar e tentar lutar pelos seus direitos, e isso é algo que os deixa preocupados. Então acha que Ho Iat Seng não está de facto a promover a reforma do sistema democrático. Não há intenção de fazer isso, não há uma força que o faça fazer isso. Mesmo que os jovens peçam uma reforma política apenas uma minoria o fará, e a maior parte das pessoas de Macau gostam do seu país e da estabilidade. Não vão exigir qualquer reforma nos próximos anos, não será gasto muito tempo nisso. No que diz respeito aos protestos em Hong Kong, como é que o Governo de Macau vai continuar a reagir? O Governo de Macau está muito alerta e a prestar muita atenção à juventude de Macau, face à possibilidade de estes aprenderem algo com a situação de Hong Kong. Mesmo que sejam pequenas acções, vão tentar reduzir o raio de acção. Em Agosto, algumas pessoas tentaram organizar uma vigília no Leal Senado, mas a polícia tentou travar o acontecimento, o que significa que o Governo está a prestar cada vez mais atenção ao fenómeno e pensa que em Hong Kong se tente ensinar algo aos jovens de Macau. A nova geração está mais consciente dos seus direitos e daqui a cinco ou dez anos irá lutar por eles na rua. Por outro lado, falou-se na aposta na educação nacional e isso é eco da situação que se vive em Hong Kong, porque pensam que em Hong Kong deveria haver uma maior aposta na educação nacional. Serão gastos mais recursos para que os jovens aprendam mais sobre a China e para que amem o seu país, para que não vão para as ruas. Os jovens de Macau podem ir para as ruas se o Governo não resolver o problema da habitação? Daqui a cinco anos os jovens podem exigir uma maior democracia, porque aqueles que nasceram em Macau têm um maior sentido de pertença ao território do que os seus pais, então vão tentar lutar pelos seus direitos. Muitos académicos dizem que hoje é Hong Kong, amanhã vai ser Macau. As novas gerações têm um nível educacional mais elevado e um grande sentido de pertença a Macau. Ho Iat Seng fez visitas surpresa a vários serviços públicos. Qual a mensagem que ele quer passar? Talvez algum aviso e alerta por parte do Governo para que haja uma maior eficiência, para mostrar quem está no poder. É um estilo muito usado pelos empresários, que querem mostrar quem manda e que os empregados não devem mostrar que não trabalham. Não diria que tem a ver com corrupção, mas é para mostrar que as direcções de serviços têm de trabalhar melhor e cumprir prazos, chegar ao local de trabalho a tempo (risos). Na área da economia e finanças, o secretário Lei Wai Nong já reuniu com algumas associações tradicionais do território. É uma boa estratégia para começar o mandato? Reunir com diferentes associações é muito comum. Nesta fase o Governo com a situação de redução dos impostos sobre o jogo quer mesmo apostar na diversificação económica e isso é mesmo um requisito do Governo Central. Quando o Presidente Xi Jinping esteve em Macau também exigiu que Macau tenha uma economia mais diversificada. Penso que o secretário quer reunir com vários empresários para saber como pode chegar a uma solução nesse sentido nos próximos anos. O Governo Central vem exigindo há muitos anos a diversificação da economia, mas até agora não vimos muitas acções, e penso que Ho Iat Seng quer mesmo avançar com alguma acção para concretizar esse desígnio. Podemos esperar novas medidas de combate à corrupção nas próximas Linhas de Acção Governativa? Muitas pessoas em Macau pensam que se gasta demasiado no sector das obras públicas. No que diz respeito ao Comissariado contra a Corrupção (CCAC), deveriam ser feitos mais relatórios sobre os grandes projectos, para que se possa compreender porque é que as obras demoram tanto tempo e custam tanto dinheiro. Este é um factor crucial para construir um Governo credível nos próximos anos porque o Governo de Macau tem sido afectado por muitos casos de corrupção, alguns deles nas obras públicas. O CCAC deve prestar mais atenção a estas investigações. Sobre o trabalho da secretária Ao Ieong U [Assuntos Sociais e Cultura], o que tem a dizer? Não a conheço, mas dos discursos públicos que fez penso que vai prestar muita atenção à área da educação e dos gastos públicos. Sempre se frisou a necessidade de apostar na educação nacional e este será um ponto no qual ela vai focar a sua atenção. No futuro vai promover mais programas de educação nacional para os mais jovens. O grande foco será sem dúvida a educação. Acredita então que este Governo vai apostar cada vez mais na educação nacional e em mais medidas securitárias? Eles querem monitorizar as pessoas e manter a segurança a um nível elevado. Mesmo para aqueles que façam pequenas acções, tal já constitui um perigo para o Governo, como é o caso da Associação Novo Macau (ANM). O trabalho da ANM vai ser cada vez mais difícil? Sim, porque o Governo não aceita que uma situação como a de Hong Kong aconteça em Macau. A ANM deveria mudar de estratégia? Não vão fazer isso, porque são claros sobre a sua posição, que é a de desempenhar um papel radical. Alguns jovens e radicais da classe média são seus amigos e eles [ANM] querem consolidar esses apoiantes. No que diz respeito ao movimento pró-democrata, foram desaparecendo os protestos nas ruas em datas importantes, como o Dia do Trabalhador, por exemplo. Os jovens estão à espera de mais oportunidades [para protestar]. Caso o Governo faça erros então irão para a rua. Hoje em dia a maior parte das pessoas aceita o novo Governo, mas os jovens vão lutar por mais, pelos seus direitos e uma maior participação no sistema político. É professor no Instituto Politécnico de Macau (IPM). Sente alguma pressão para não falar de política no geral ou apenas sobre a crise em Hong Kong? Talvez (risos). Às vezes sinto uma certa pressão, porque a direcção do IPM pode ter receio de cortes orçamentais ou que haja um limite ao desenvolvimento do IPM devido a discursos públicos dos professores. Em português ou inglês é sempre melhor do que em chinês, porque sentem que em português ou inglês há sempre menos pessoas a ler as coisas. Mas em chinês pensa-se que se pode influenciar a opinião pública e que isso cause insatisfação no Governo. Há linhas orientadoras no IPM para não se falar de HK? Não. Pedem-nos apenas que façamos promoção ao IPM quando falamos aos media.