Um Grito no Deserto VozesO adeus a 2019 Paul Chan Wai Chi - 3 Jan 2020 [dropcap]E[/dropcap]m Hong Kong, 2019 marcou a transição da paz para a turbulência. A forma eficaz de “parar a violência e a curva ascendente de tumultos”, será através da criação de uma comissão de inquérito independente, uma aspiração da maioria dos residentes de Hong Kong, e não através do estabelecimento de um “comité de análise independente”. Mas porque é que a criação desta comissão de inquérito parece gerar tantos receios? Se estes problemas forem ultrapassados, os tumultos em que Hong Kong se encontra imerso irão acabando, as relações entre a polícia e a população vão melhorar e vai ser possível amenizar as clivagens sociais. As situações devem ser consideradas no seu todo, quem não consegue ter um perspectiva geral dos acontecimentos não merece ser líder de Hong Kong. E em Macau, que balanço podemos fazer? A cidade acabou de celebrar o 20º aniversário do estabelecimento da RAEM e o Presidente Xi Jinping passou aqui três dias, durante os quais efectou diversas visitas e presidiu à cerimónia da tomada de posse do V Governo. Numa primeira análise, Macau apresenta-se próspero e estável, tendo sido louvado como um modelo do princípio “Um país, dois sistemas”, mas, na realidade, subsistem muitos problemas por resolver. Mesmo antes da vinda do Presidente Xi, a classificação da agência de crédito Fitch Group sobre Macau passou de “estável” a “negativa”. A classificação baixou devido à erosão da autonomia do Governo da RAEM na cena política, à continuada perda de receitas da indústria do jogo, das quais o Governo local depende em larga escala, e à crescente ligação económica, financeira e sócio-política à China continental. Durante a visita de três dias do Presidente Xi a Macau, considerou-se que o controlo de segurança tinha sido efectuado com sucesso, porque todos os seus encontros e percursos tinham sido cuidadosamente verificados e preparados com antecedência. O controlo de segurança é necessário sem sombra de dúvida, mas isolar o Presidente da população retira-lhe a oportunidade de ter contacto com a realidadede. Por essa altura, vi uma foto tirada em frente ao Largo do Senado, que estava a circular online. Na foto, vê-se uma pessoa que parece ser o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Wang Yi, vestido informalmente, com diversos homens à sua volta a andar em direcção à Praia Grande. Depois de ter visto esta imagem, lembrei-me de um artigo intitulado “Após regressar a Xingyi, tive saudades de Hu Yaobang”, escrito em 2010 pelo antigo Primeiro Ministro da China, Wen Jiabao. No artigo, Wen falava dos ensinamentos de Hu Yaobang, que defendia que os líderes e os quadros superiores devem ir ao encontro das bases, para, pessoalmente “experienciarem e observarem as dificuldades do povo, escutar a sua voz e conhecer em primeira mão a sua realidade”. O maior risco que qualquer líder corre é distanciar-se da realidade. Em lugar algum do mundo existem controlos de segurança 100% eficazes. A calma e harmonia que o Presidente Xi testemunhou em Macau deriva do facto de a maioria dos residentes da cidade não ter qualquer intenção de se manifestar contra ele, isto, para lá dos múltiplos controlos de segurança implementados. Em relação à situação actual de Macau, não se vislumbra qualquer possibilidade de mudança, “as coisas são como são”. Os novos líderes da RAEM, que tomaram posse em Dezembro de 2019, são no seu conjunto um grupo de novos dirigentes designados para os cargos de Secretários e membros do Conselho Executivo. No entanto, uma renovação das equipas não significa necessariamente um estilo novo de administração, o qual depende das competências e da experiência dos seus elementos. Experimentar novas jogadas com uma certa relutância pode ter efeitos adversos. Apesar de tudo, Macau tem recursos escassos e poucos técnicos qualificados e continua a depender das receitas do jogo e do turismo. A cultura social assente na tradição ancestral das múltiplas associações locais, moldou uma certa morfologia social e travou o desenvolvimento. Num local sem competitividade como Macau, a inacção é a escolha mais fácil. Para me despedir de 2019, decidi desfazer-me de muitas coisas. Enquanto arrumava, deparei-me um um artigo retirado do Hong Kong Economic Journal, datado de 12 de Janeiro de 2019, que fazia uma previsão da situação de Hong Kong para esse ano, a partir da perspectiva do “Yi Jing” (“O Livro das Mudanças” – um clássico da antiga filosofia chinesa). Embora seja cristão, tenho um profundo interesse pela filosofia tradicional chinesa. Após uma análise das normas sociais e da natureza humana, o artigo concluia que “Não nos devemos impôr aos acontecimentos”. Quando fazemos algo, devemos primeiro avaliar a situação, analisar os prós e os contras, não agir de forma precipitada, de forma a termos campo de manobra”. Hong Kong e Macau têm de ter noção dos seus posicionamenros, vantagens e limitações. É preciso aprender com os mais fortes para contrabalançar as nossas fraquezas, de forma a invocar a sorte e esconjurar o infortúnio. Quanto ao que espera as duas cidades em 2020, apenas posso dizer que vai depender da forma como os seus dirigentes souberem conduzir os actuais acontecimentos.