Da pontuação I

[dropcap]P[/dropcap]aisagens de quase nada. Camadas de realidade em longitude.
“I am a forest, and a night of dark trees: but he who is not afraid of my darkness, will find banks full of roses under my cypresses.”*
Caminho.

As árvores que delimitam o caminho são as mesmas que o encobrem, numa simples curvatura do carreiro irregular. Serão?… A cada passo, outras na sua redonda aparência mutante. As mesmas. A cada passo afinadas as distância entre elas, entre nós. E elas. Numa coreografia que, dependendo das harmonias musicais, do ritmo, do número de pulsações segundo, de quanto teremos dormido na noite, com os anjos ou paralisados de monstros, nos induz um balanço suave, ou o desequilíbrio da tormenta.

Ou somente a serena e progressiva apropriação. Adaptação. Do olhar. Mas mantendo a percepção de que é real a variação de ângulos, sem deixar de o ser a orgânica mudança da aparência. Das coisas. Sendo elas e sempre. Mas sempre elas. E somente o olhar, a captar em imagens, diferente. Fotogramas de realidade que quando enfileirados perfazem o filme completo.

E, como elas, balançamos por acção do vento, mesmo se uma aragem amiga. E o olhar, recto – porque curvas, somente na imaginação. E a ficção, é a alma a encontrar caminhos bonitos para o que na realidade se resume, reserva e tolhe – fixando um ponto para não entontecer do rodopio. Não se formar da natureza sóbria e serena, um caleidoscópio de perturbação. Onde nos perdemos. Num temor maior do que o da floresta onde encontramos os passos que, somente a pouco e muito pouco, vão desenhando a cartografia possível.

Tanto se esconde em cada curva do caminho. Nos intervalos da flecha de um olhar. Melhor assim. E o horizonte, linear eternamente esquivo. Inalcançável em fuga para a frente. Desejado na intensidade de cada passo, porém. E depois, mesmo quando o caminho parece a direito, há sempre a curvatura geométrica da terra. A girar enquanto não se cansar. A sobrepor horizontes, a substituir linhas como se mal desenhadas. Na precaridade de cada momento de cada gesto imprevisto do corpo, de cada olhar. E vamos a favor ou vamos contra. O sentido dos ponteiros de um relógio. Mesmo parado, na suprema arte de ser livre. E regular.
E assim, nunca se sabe certamente o que está para lá. De Calcutá. Da linha do Equador, de uma face reservada, do meridiano de Greenwich. Coordenadas a tentar dosear quanto muito o estar, senão o ser. Caminhos são setas para a frente. Reticências boas, como pequenos salpicos de realidade que se apresentam aos poucos.

Todas as curvaturas interpõem novas linhas de horizonte. Essa é a verdade inquestionável no simples acto de pouco rigor de que é objecto o olhar. O ponto de vista que de tanto depende e em tanto se deixa mudar. Mas a noção do todo a estruturar as partes imperfeitas. Pequenos braços de flores. Fugitivas Rosas, em terror de Narcisos, são tristes Malmequeres. A gritar Amores-perfeitos. E Rosas e rosas com espinhos. Narcisos afogados, Malmequeres desfolhados. E amores sempre perfeitos contrafeitos e afirmados. Zoom out…
Floresta.

Caminhos na floresta densa, sem a noção longitudinal da terceira dimensão do carreiro possível, e apresenta-se um muro de troncos fortes, estanques e misteriosos e vidas a barrar qualquer visão em perspectiva. A noção do espaço. Como as volutas de uma cortina sólida e transversal a encobrir e a impedir. E não é assim, no entanto. Parece. Mas sabe-se de sempre que cada uma que se apresenta com se ao lado da outra e de todas as que são visíveis, e a fechar o olhar para o que depois, nem sempre está no mesmo plano. E como tal, abrem em si asas de vazio. Boas. Ao ensaio de caminhar. E assim se faz o caminho de desconhecimento e de saber teórico a moldar as possibilidades do olhar, do sonho. De continuar. A perspectiva, descoberta para ilusão da profundidade, ou a perspectiva, ardilosa, a iludir no real, a bidimensionalidade finita e aparente ao olhar. As árvores. E tentar para além das árvores. Como se o todo pudesse apresentar-se só assim. Por querer.

Fazer tempo. O tempo que se faz no caminhar.
E por entre as árvores. Mas não esquecer os sons bons. O estalar fino de ramos e o crepitar de folhagem seca sob os pés. A pontuar. O olhar para cima, entre ramos intrincados e folhagens densas. A entrever um céu sem dimensão e sem limite. E ser por momentos a sincronia exacta no espaço. A pontuação a fazer-se lugar de exactidão. No meio delas. E só por isso. Secretamente. Exclamações sóbrias, dramáticas ou afirmações delicadas, consoante a espécie e o estado do tempo. Conjugado no outro verbo.

*Friedrich Nietzsche

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