Livro | George Takei inspira-se na infância em campos de internamento

George Takei, o eterno Sulu de Star Trek, passou parte da infância num campo de internamento para norte-americanos de ascendência japonesa durante a Segunda Guerra Mundial. O actor recorda o pedaço de história pouco conhecida pelo qual a sua família passou numa novela gráfica intitulada “They Called Us Enemy”

 
[dropcap]O[/dropcap] norte-americano de ascendência japonesa George Takei entrou na cultura pop ao leme da USS Enterprise como o eterno Hikaru Sulu, uma das estrelas de “Star Trek”. Mais de vinte anos antes, o facto de ter nome e família japonesa fizeram com que o pequeno George, com apenas 5 anos, fosse deslocado com a sua família para o centro de relocação Rohwer, no Arkansas, um dos muitos campos de internamento destinados a norte-americanos com raízes japonesas.
Entre Fevereiro de 1942 e Março de 1946, cerca de 120 mil pessoas viram-se forçadas a deixar tudo para trás e a viver o pesadelo que cairia no esquecimento, episódio negro diluído entre outras memórias da Segunda Guerra Mundial.
O actor, autor e activista, que muitas vezes deu como exemplo este episódio de infância nas lutas contra a discriminação, verteu todo o episódio, que durou quatro anos, na novela gráfica “They Called Us Enemy”.
Em declarações ao Los Angeles Times, o autor manifestou esperança de que as suas memórias cheguem às novas gerações. A forma para o fazer teria de ser graficamente à sua medida, uma vez que cresceu com banda desenhada e ainda hoje, com 82 anos, recorda a forte impressão que esse meio lhe provocou na primeira vez que folheou uma BD. “Talvez através da novela gráfica, da típica tira de cartoon, consiga chegar aos mais novos num ponto das suas vidas em que estão em constante absorção de informação”, perspectiva o autor ao jornal norte-americano.

Luta por direitos

O livro foi escrito em parceria com Justin Eisinger, enquanto os artistas Steven Scott e Harmony Becker deram vida aos quadrados que ilustram a narrativa. Apesar da acção decorrer em grande parte, naturalmente, durante a Segunda Guerra Mundial, também inclui a época dos movimentos de luta por direitos civis dos anos 1960.
Uma das imagens mais marcantes de “They Called Us Enemy” está logo nas primeiras páginas, depois de Roosevelt ter declarado guerra ao império japonês. A imagem é simples: um mapa dos Estados Unidos que mostra as áreas onde se ergueram os campos de internamento, com zonas sombreadas cobrindo quase por completo toda a costa oeste até à fronteira com o México no Arizona.
Depois de serem declarados pelo Governo “inimigos do Estado”, a família Takei viveu perto de quatro anos com o horizonte cortado por arame-farpado.
A jornada começa em 1942, pouco tempo depois do quinto aniversário da criança que viria décadas mais tarde a tornar-se um ícone televisivo. A infância de George Takei foi interrompida por soldados armados com espingardas com baionetas a bater à porta da casa de família em Boyle Heights, em Los Angeles. De forma ríspida pediram que reunissem rapidamente os pertences que fossem capazes. Acompanhado pelos pais e os dois irmãos mais novos, George passou os primeiros meses de cativeiro em estábulos de cavalos na Pista de Corridas de Santa Anita, forçado a coabitar com ratos numa atmosfera empestada pelo cheiro a estrume.
Depois dos meses iniciais, foram deslocados para o Arkansas, onde o autor recorda “as paisagens mágicas, fantásticas, com árvores que brotavam de pântanos” e onde viu pela primeira vez uma bola de neve. Apesar das condições humilhantes, a família tentou sempre adaptar-se à nova vida de forma a sobreviverem intactos à realidade do internamento.
“Conto duas histórias paralelas. Queria captar a realidade daquele estranho novo mundo para o qual fui transportado, mas ao mesmo tempo quis contar a forma como os meus pais se sentiram, as angústias por que passaram”, explica o autor.

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