EntrevistaFausto Pinto, director da FMUL: “Sei que há interesse da Universidade de Macau na medicina” Andreia Sofia Silva - 28 Ago 2019 Está tudo a postos para o arranque do curso de medicina da Universidade de Ciências e Tecnologia de Macau a 6 de Setembro, garante Fausto Pinto. O director da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, que vai ser docente neste curso, adiantou ainda que reuniu com dirigentes da Universidade de Macau e que “há interesse em poder haver uma aproximação na área da medicina” por parte da instituição de ensino superior público O curso de medicina da Universidade de Ciências e Tecnologia de Macau (MUST, sigla inglesa) arranca a 6 de Setembro. Como está o processo de preparação dos conteúdos pedagógicos? [dropcap]N[/dropcap]ós, como Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa (FMUL), estamos a colaborar com a MUST para o curso de medicina que vai ser iniciado este ano. Há uns tempos visitei a universidade e a Faculdade de Ciências da Saúde, e desde há algum tempo que eu e outros docentes da universidade, com a professora Madalena Patrício, temos acompanhado este processo e dado o nosso apoio. A responsabilidade de elaboração dos conteúdos programáticos e do curso em si é da responsabilidade da universidade. Tanto quanto tenho percebido, neste momento o projecto está perfeitamente desenhado e em condições de poder começar. Temos as necessárias autorizações em termos locais. Há cerca de um mês estive em Macau e numa reunião com o professor Manson Fok foi-me dado a conhecer o projecto com mais detalhe. Parece-me um projecto muito interessante, muito bem organizado e estruturado e no qual nós, como FMUL, temos todo o gosto em poder colaborar. Sei que há outras universidades que também estão envolvidas nesse tipo de parceria. Assinámos um memorando de entendimento há dois anos e vamos reforçá-lo agora. Como vai ser feito esse reforço? Fará parte da cerimónia de abertura do curso (a 6 de Setembro) a assinatura desse complemento ao memorando de entendimento que foi assinado. Iremos reforçar alguns dos objectivos que tínhamos estabelecido, tal como a possibilidade de haver um programa de mobilidade de estudantes de Macau para Lisboa e vice-versa, e de docentes e investigadores também, com o potencial de poderem vir a ser desenvolvidos alguns trabalhos de investigação em conjunto. No fundo, é o que temos feito com várias universidades por esse mundo fora. Nós, como faculdade, reconhecemos o potencial deste curso da MUST, que está muito bem organizado e estruturado. Temos condições para trabalhar em conjunto com o objectivo de colaborar na estruturação e implementação deste novo curso de medicina em Macau. Em termos práticos como será feita esta colaboração da FMUL? Estamos ainda a organizar alguns detalhes, mas teremos a colaboração por parte de alguns docentes que vão leccionar em Macau e também por videoconferência. Também iremos promover a possibilidade de alguns alunos poderem estar connosco em fases mais avançadas do curso, na parte clínica, à semelhança do que fazemos com o programa Erasmus, que já está implementado há algum tempo na Europa. Será mais uma mobilidade com períodos de estágios parcelares em determinadas áreas que se entendam relevantes, até porque temos uma grande experiência nessa matéria. Já fazemos esse programa há muitos anos com várias universidades. É importante para a FMUL esta parceria, ainda que com uma universidade privada, para que comece a criar raízes no sul da China? Pretendem abrir portas para a China? Um dos objectivos da faculdade e da minha direcção é a internacionalização. Nesse sentido temos estabelecido projectos e protocolos com universidades pelo mundo fora. Na área da ciência e da medicina a globalização é algo que faz parte do nosso código genético. Temos um prazer particular em fazê-lo com determinados países e regiões com os quais temos relações especiais, como é o caso de Macau, Brasil e outros países de língua oficial portuguesa. Posso revelar também que estamos na fase de criação de uma rede de faculdades de medicina de língua portuguesa. Tenho vindo a liderar esse projecto com colegas de outros países de expressão portuguesa, e nos dias 13 e 14 de Novembro iremos promover um encontro para formalizar essa rede, que tem apoios governamentais e da CPLP. Temos várias faculdades do Brasil, Angola e Moçambique, e gostaria que a faculdade de medicina da MUST pudesse fazer parte deste projecto. Aliás, convidei o professor Manson Fok. A FMUL tem recebido muitos alunos de Macau? Em termos do ensino pré-graduado tem sido muito residual. No pós-graduado, na formação médica, temos recebido não só para a nossa faculdade, mas também para outras. Um dos aspectos particulares é que o ensino do pré-graduado em Portugal é feito em português. Temos todas as condições para poder dar os cursos em inglês, mas a medicina é a única área do saber em que não é possível ter o estatuto de estudante internacional. É proibido, em medicina, ter cursos feitos para estrangeiros, ao contrário das outras áreas do saber. É uma discriminação que existe na medicina desde há vários anos e contra a qual tenho lutado e manifestado a minha posição junto da tutela. Quais as razões? É uma questão política. Temos de acatar a ordem. Actualmente sou coordenador das escolas médicas portuguesas e há uma posição conjunta sobre o desejo do estatuto de estudante internacional se aplicar à medicina. Não entendemos como é que a medicina é a única área do saber em que isso não é possível. Apenas podemos receber os estudantes para estágios parcelares, no programa de Erasmus ou outro de colaboração. No momento em que todas as universidades portuguesas estão a abrir portas aos alunos chineses, por exemplo, a FMUL não o poder fazer. Seria interessante essa ligação? Seria muito interessante e estamos muito interessados. E falo não apenas como director da FMUL mas como coordenador da rede de escolas médicas portuguesas. Queríamos ter um curso internacional onde pudéssemos ter estudantes de várias partes do mundo, incluindo da China. Voltando a Macau. Há uma falta de médicos especialistas e de recursos humanos na saúde em geral, mas há vozes que temem um excesso de formandos num curto espaço de tempo. Concorda com esta posição? Tenho muito pouco a dizer porque tem a ver com aquilo que as autoridades locais entendem para o território. O que posso dizer é que havendo um novo curso de medicina legalmente reconhecido e sendo um objectivo estratégico da região, temos todo o interesse na colaboração. Os outros aspectos não nos dizem respeito. Estamos disponíveis para colaborar com estas ou com outras universidades, e devo dizer que temos contactos com a Universidade de Macau. Sei que estão a desenvolver potenciais actividades na área da medicina com as quais teremos todo o gosto em participar. Eventualmente, outra licenciatura? Tudo o que sejam actividades de formação médica reconhecidas pelas autoridades competentes teremos todo o gosto em poder colaborar, desde que sejam idóneas, como é o caso. Está tudo numa fase muito inicial. Esteve cá o vice-reitor (Ge Wei), estive lá este ano, visitei a UM e sei que há interesse em poder haver uma aproximação na área da medicina. Macau tem sido um destino de interesse para muitos médicos portugueses, ou dos licenciados? Sei de alguns casos isolados de médicos que estão em Macau e tem havido sempre algum interesse. Claro que quando falamos de um contingente tão grande, pois formamos à volta de 400 alunos por ano aqui na FMUL, e cerca de 1700 alunos formados em Portugal, presumo que é um número de residual de alunos que mostram interesse em ir para Macau. É uma área interessante de se poder desenvolver. Macau é um dos territórios chave do projecto político da Grande Baía. Pode ser um território muito procurado na área da saúde, por populações vizinhas? Em geral tenho acompanhado o desenvolvimento da medicina na China, e acho que tem sido interessante ver o desenvolvimento científico e médico, quer com o aumento da participação da China em vários projectos internacionais, quer com o movimento que se tem visto através de novos hospitais e centros de saúde. De uma forma geral a medicina convencional chinesa tem tido um enorme desenvolvimento. O projecto da Grande Baía, que tenho acompanhado, parece-me muito interessante, e sobretudo penso que há uma vontade de desenvolver estruturas ao nível das faculdades e de estruturas médicas, em Zhuhai, Shenzen e Hong Kong, embora este território já tenha o peso que tem ao nível das estruturas médicas. Penso que Macau terá agora um reforço com esta nova faculdade e eventualmente com outra faculdade, e diria que existe claramente um interesse em poder reforçar a medicina na vertente da formação, existencial e da investigação. Sem resposta Foram feitos contactos, por telefone e email, junto do gabinete do secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, Alexis Tam, que tem a tutela da saúde, da Universidade de Macau, da Direcção dos Serviços do Ensino Superior e dos Serviços de Saúde. Contudo, até ao fecho desta edição, não foi possível obter mais esclarecimentos.