Desemprego urbano dispara na China, enquanto se avolumam sinais de colapso global

O pessimismo resultante dos números negativos da economia chinesa alastrou-se ao mercado de trabalho nas grandes cidades. O desemprego urbano voltou a subir em Julho, acrescentando mais uma preocupação ao rol de problemas económicos que Pequim tem para resolver. Alargando o espectro, os mercados financeiros mundiais dão sinais de colapso à escala global

 

[dropcap]O[/dropcap]s mercados bolsistas um pouco por todo o mundo têm dado sinais assustadores, causando apreensão a investidores e governantes. As principais economias mundiais tremem, mostrando sintomas de debilidade a fazer lembrar a última grande derrocada financeira global.

Na semana passada, a diferença entre a yield dos títulos de dívida dos Estados Unidos, a 2 e a 10 anos, entrou em terreno negativo pela primeira vez desde a crise financeira de 2007. O mesmo aconteceu na dívida do Reino Unido. Na Alemanha, o Produto Interno Bruto contraiu no segundo trimestre do ano, uma tendência partilhada pela inteira União Europeia visível nos dados divulgados pelo Eurostat que apontam para a desaceleração económica no segundo trimestre.

Enquanto os mercados financeiros mostram preocupantes sinais de debilidade, as duas maiores economias mundiais prosseguem na escalada de tensões comerciais. Um dos efeitos recentes do conflito económico espelha-se no em indicadores como o da produção industrial chinesa do mês de Julho que cresceu ao nível mais fraco desde Fevereiro de 2002.

Porém, Pequim tem outro indicador económico com que se preocupar. A taxa de desemprego nas cidades chinesas atingiu no mês passado o valor mais elevado desde que se recolhe este tipo de dados, à medida que os empregadores se mostram desconfiados quanto ao que o futuro lhes reserva. Além do desemprego e da produção industrial, também o consumo e investimento imobiliário registaram resultados abaixo do esperado.

Apesar das exportações terem conseguido bons resultados em Julho, analistas económicos dizem que a fadiga provocada por mais de um ano de guerra comercial começa a corroer a confiança, levando à revisão em baixa da produção e investimento por parte da indústria manufactureira e ao apertar da bolsa dos consumidores.

Arrefecimento global

Em entrevista ao The Wall Street Journal, o economista Zhaopeng Xing referiu que “o arrefecimento da actividade económica do último mês foi ainda pior do que o verificado em 2008, quando a produção industrial sofreu com os efeitos da crise financeira global”. O especialista entende que para cumprir a meta fixada pelo Governo de Xi Jinping de crescimento económico de 2019 entre 6 e 6,5 por cento, são necessárias políticas de estímulo.

A produção industrial cresceu ao ritmo mais lento desde o início de 2009, fixando-se em 4,8 por cento em Julho face aos 6,3 por cento registados em Junho. As vendas a retalho subiram 7,6 por cento no mesmo período, face ao crescimento de 9,8 por cento de Junho, enquanto os vendedores de automóveis terminam inventários antes de entrarem em vigor os novos limites de emissões de poluentes.

“Os dados actuais demonstram que a economia chinesa enfrenta pressões negativas que não foram aliviadas pelas medidas anteriores de estímulo económico”, comentou Shuang Ding, economista da Standard Chartered ao The Wall Street Journal. Como tal, o analista da Standard Chartered espera que as medidas que pretendem estimular a economia incluam a intervenção do banco central chinês no sentido de providenciar fundos aos bancos, baixando as taxas de juro para empréstimo de médio prazo.

Para já, a prioridade de Pequim é responder com eficácia ao problema do desemprego urbano, enquanto muitas vozes questionam a veracidade dos números oficiais apresentados.

No último ano, o sector industrial perdeu perto de cinco milhões de empregos, de acordo com um relatório da China International Capital Corp., deste universo quase dois milhões foram provocados pela guerra comercial.

Neste sentido, importa referir que na passada terça-feira a Casa Branca anunciou o adiamento para 15 de Dezembro dos planos para impor novas tarifas sobre bens chineses no valor de 156 mil milhões de dólares. Esta decisão dá algum tempo para os exportadores chineses respirarem, de forma a anteciparem a exportação de bens durante os meses que antecipam o Natal. Como tal, se a guerra comercial não escalar nos próximos meses, as exportações chinesas devem manter-se em terreno positivo.

Urbano-depressivo

A nova realidade económica trouxe um fenómeno que não se conhecia ultimamente.
Quando há dez anos concluiu os estudos, a chinesa Grace Zhang encontrou logo emprego, mas agora está desempregada há meio ano, ilustrando a crescente debilidade da economia da China e um novo dilema para Pequim. “Antes, era fácil encontrar emprego: enviava o CV [‘curriculum vitae’] e recebia logo uma chamada. No espaço de uma semana trocava de empresa”, descreve à agência Lusa a chinesa, natural de Shandong, província do nordeste da China.

Aos 32 anos e confiante de que podia encontrar trabalho quando lhe apetecesse, Grace demitiu-se e tirou umas “férias prolongadas” para viajar pela Europa, mas no regresso à China logo compreendeu que “agora já não é bem assim”. “Ando há meses a enviar CV e não obtenho resposta. Estou a começar a sentir pânico”, descreve.

Vários chineses na casa dos 30 anos ouvidos pela Lusa contam histórias semelhantes: após anos de ‘boom’ económico e mobilidade social ascendente, que geraram expectativas renovadas, a economia chinesa passou a crescer ao ritmo mais lento em quase três décadas.

Após a crise financeira mundial de 2008, enquanto as economias desenvolvidas estagnaram, a China construiu a maior rede ferroviária de alta velocidade do mundo, mais de oitenta aeroportos ou dezenas de cidades de raiz, alargando a classe média chinesa em centenas de milhões de pessoas. Entretanto, Pequim envolveu-se numa inédita guerra comercial com o Presidente norte-americano, Donald Trump, enquanto tem que gerir o excesso de endividamento gerado por um modelo económico assente no investimento público.

Segundo o Gabinete Nacional de Estatísticas chinês, a taxa de desemprego urbano aumentou este mês duas décimas, face a Julho, para 5,3 por cento. Neste contexto, Grace terá ainda de contar com nova concorrência: as universidades chinesas produziram, este ano, um recorde de 8,3 milhões de licenciados, quase o equivalente à população de Portugal, e mais 5,7 milhões do que há dez anos, quando ela entrou para o mercado de trabalho.

Para o Partido Comunista Chinês o novo paradigma ameaça uma das suas principais fontes de legitimidade. O contrato social selado com o povo chinês é claro: o partido mantém uma autoridade indisputada e os privilégios da elite dominante e, em troca, assegura uma melhoria dos padrões de vida e estabilidade social.

Em Julho passado, cinco agências do Conselho de Estado chinês alertaram os governos locais de que a criação de emprego “se tornou mais urgente”, associando o “emprego para recém-licenciados” com a manutenção da “estabilidade social”. O aviso não é novo, mas, este ano, o Ministério da Segurança Pública anexou pela primeira vez o seu nome.
Grace diz que há “muita gente na mesma situação” e revela estupefação com o paradigma inédito, após décadas de constante progresso económico.

No seu caso, as poupanças que fez na última década estão a evaporar-se, consumidas pelas rendas exorbitantes e crescente custo de vida na capital chinesa, mas conta que há casos piores: “Muita gente endividou-se em excesso e está a ter dificuldades em cumprir”.

No total, a dívida corporativa, das famílias e do Governo excede já 300 por cento do Produto Interno Bruto chinês, representando cerca de 15 por cento da dívida mundial, segundo um relatório publicado pelo Institute of International Finance, num número corroborado por vários analistas.

Grace ressalva, no entanto, que, independentemente dos ciclos económicos, os chineses conseguem encontrar soluções. “Há quem abra lojas no Taobao, ou se torne motorista para o Didi (o Uber chinês)”, conta, “mas ninguém fica de braços cruzados”.

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