Caçando Unicórnios

[dropcap]O[/dropcap]s unicórnios são seres míticos (raros), que agora vêm a sua correspondência no mundo do sexo. Os casais que andam à procura de um unicórnio estão à procura ‘da’ mulher que se possa juntar à sua actividade sexual e fazer parte no tão desejado ménage à trois. Esta procura por unicórnios – que parece ocupar as plataformas na procura de parceiros sexuais/amorosos – é problemática de várias formas. Até começam a existir grupos no facebook para aquelas (unicórnias) que já sofreram com esta caça. E o que é, exatamente, um unicórnio? O unicórnio é uma mulher que gosta de homens e de mulheres. Um pré-requisito fundamental para que o ménage a trois corra na perfeição: alguém que goste de interagir com vulvas e pénis.

Nestas plataformas românticas, têm se visto formas muito sofisticadas de atrair estes unicórnios para o leito heterossexual – o que só demonstra a falta de ética que este processo de procura do unicórnio anda a sofrer. Os ditos unicórnios andam a ser atraídos por conversas que se julgavam íntimas e próximas, normalmente com uma mulher – normalmente a julgar que o jogo é a dois – que depois descambam para uma tentativa de empurrá-la não só para a cama, mas para a cama com um namorado que está pronto para apreciar o amor lésbico. Bem sabemos que a pornografia veio normalizar esta forma de amor homossexual – e que o mantém dentro dos limites da suposta normalidade sexual pornográfica.

Estes caçadores de unicórnios põem em evidência valores muito instrumentalistas do sexo. Como se as pessoas – os ditos unicórnios – estivessem ao dispor desta sexualidade que serve para acalmar os apetites dos casais que assim o querem. Também põem em evidência valores particularmente masculinos – ao enfatizar esta constelação de um homem com duas mulheres para a melhor orgia possível. Claro que a política do pénis único nestas formas de sexualidade costumam ser a regra e raramente a excepção. O que até parecia uma abertura progressiva à sexualidade – em casal heterossexual inovar a sua sexualidade ao incluir um terceiro elemento, é um mobilizar dos valores já vigentes de papéis de género e dar-lhe uma nova e confusa roupagem que afinal… vem redefinir pouco estes valores mais tradicionais.

Há unicórnios que se referem a esta prática de caça ao unicórnio como uma forma de bifobia, por não se compreender de facto o que é a bissexualidade. Assume-se que esta vontade por vulvas e pénis é plural. Quando se pensa na bissexualidade dá-se como garantida a disponibilidade por participar nestas formas de sexo colectivas quando pode nem ser o caso.

Mas por outro lado, há unicórnios que fazem uso desta identidade com orgulho. Transformam em verbo o acto de se unicornizar – e disponibilizam-se para serem os unicórnios que os casais heterossexuais andam à procura.

Nenhuma ideia de unicórnio ou caça ao unicórnio é problemática em si. Só que temos assistido a representações de bissexualidade que são problemáticas, pontos de partida conceptuais que exaltam o sexo como produto (quase comercializável) em vez de um processo de partilha constante. Pelo que tenho visto – e com razão – se é para tratar os unicórnios como objectos de prazer unilaterais, na sua procura e na sua interação, mais vale pagarem a prostitutas para fazerem ‘uso’ de unicórnios. Porque muitas vezes não se assume que os unicórnios se envolvam sem retribuição (que pode ser emocional, relacional e sexual) na dinâmica das relações. Para quem já anda nestas andanças à bastante tempo, e quem oferece aconselhamento a quem anda à procura de um terceiro elemento para satisfazer as suas fantasias, parece claro que os casais estão pouco preparados para perceber os seus limites de prazer e são invulgarmente protectivos em relação ao que eles querem (em vários domínios) e não consideram o unicórnio como um ser com vontade própria.

Como qualquer encontro sexual: esta procura e ‘caça’ ao unicórnio abertura à comunicação e à discussão/negociação dos limites do que é o respeito e o prazer nestas formas (ainda assim populares no imaginário) do sexo.

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