VozesInfluência das alterações climáticas sobre os ciclones tropicais Olavo Rasquinho - 4 Jul 2019 [dropcap]D[/dropcap]esde que o planeta Terra se formou, há cerca de 4,54 mil milhões de anos, a atmosfera tem vindo a sofrer alterações na sua composição química, conteúdo em aerossóis e temperatura média. Também o clima, que na sua definição mais simplista é a média das condições meteorológicas num período de pelo menos trinta anos, se tem alterado ao longo dos éones. Exemplos das consequências destas alterações são as numerosas glaciações que o nosso planeta tem sofrido. Todas essas oscilações do clima tiveram causas naturais. Acontece, porém, que desde o início da era industrial, há menos de dois séculos, o clima se tem alterado de tal maneira que há praticamente unanimidade no meio científico de que as causas estão relacionadas com o aumento da concentração dos gases de efeito de estufa. Segundo o Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (Intergovernmental Panel on Climate Change – IPCC), é 95% certo que as causas sejam antropogénicas, devidas principalmente ao uso intensivo de combustíveis fósseis. O IPCC é merecedor de toda a credibilidade, na medida em que foi criado por duas entidades das Nações Unidas, a Organização Mundial de Meteorologia e o Programa das Nações Unidas para o Ambiente. O principal objetivo do IPCC é disponibilizar aos decisores políticos avaliações científicas regulares sobre as alterações climáticas, assim como opções de adaptação e mitigação, alertando também para os riscos futuros. O IPCC não realiza a sua própria investigação, mas os seus cientistas recorrem a milhares de trabalhos de investigação publicados em todo o mundo e elaboram com certa regularidade relatórios de avaliação sobre as alterações climáticas (Assessment Reports on Climate Change). Desde a sua criação, em 1988, o IPCC já elaborou cinco relatórios deste tipo e está preparando o sexto, que se prevê que esteja pronto no primeiro semestre de 2022. Uma das organizações que tem vindo a colaborar com o IPCC, através de relatórios sobre a avaliação da influência das alterações climáticas sobre os ciclones tropicais, é o Comité dos Tufões (ESCAP/WMO Typhoon Committee), cujo secretariado está sediado em Macau desde 2007. É uma realidade comprovada que o teor em gases de efeito de estufa na atmosfera tem vindo a aumentar, com especial relevo para o dióxido de carbono. A célebre curva de Keeling mostra que, desde 1958, altura em que se iniciou de maneira sistemática a medição da concentração do dióxido de carbono na atmosfera, o seu teor tem vindo a aumentar progressivamente. Consultando o website “Earth’s CO2 Home Page” (https://www.co2.earth/keeling-curve-monthly) pode-se verificar que a concentração do dióxido de carbono no observatório de Mauna Loa (Hawai), passou de menos de 300 partes por milhão (ppm) em 1958 para mais de 400 ppm na atualidade. Estima-se que no início da era industrial era cerca de 280 ppm. Mesmo após 2005, ano em que entrou em vigor o Protocolo de Quioto, que não chegou a ser ratificado pelos Estados Unidos da América, não se nota na curva de Keeling qualquer decréscimo de concentração de dióxido de carbono, antes pelo contrário. Curva de Keeling De acordo com este protocolo os países assinantes comprometeram-se a tomar medidas para o decréscimo de emissões de gases de efeito de estufa, em particular do dióxido de carbono. Poder-se-á afirmar que o Protocolo de Quioto não cumpriu os seus objetivos. Infelizmente o mesmo parece estar a acontecer com o Acordo de Paris, estabelecido em 2015, que volta a preconizar medidas para a diminuição das emissões de gases de efeito de estufa. Desde o início da era industrial que houve um aumento da temperatura média do ar de cerca de um grau Celsius, o que parece ser pouco, mas se pensarmos que basta um aumento de algumas décimas de grau para que a água passe do estado sólido para o estado líquido, quando a sua temperatura está próxima dos zero graus, facilmente se compreende as graves implicações desta subida de temperatura. As imagens de satélite mostram com clareza a rápida diminuição das calotas polares. Com base nos estudos recolhidos pelo IPCC poder-se-á perguntar: qual será a influência das alterações climáticas nos ciclones tropicais? A resposta não é fácil, mas parece que seria provável uma maior atividade desses fenómenos meteorológicos, atendendo a que o aquecimento do ar e do mar é uma realidade e que os ciclones tropicais se formam sobre as áreas mais aquecidas dos oceanos. No entanto, a elevada temperatura da superfície do mar não é a única condição para a formação dos ciclones tropicais. Sabe-se, em termos estatísticos, que para que ciclones tropicais se formem, devem ocorrer simultaneamente as seguintes quatro condições: – Temperatura da superfície da água do mar de pelo menos 26,5 graus Celsius; – Uma perturbação no campo da pressão atmosférica nos níveis baixos da troposfera (depressão ou vale); – Um anticiclone nos níveis altos da troposfera; – Pequena variação na vertical da velocidade e direção do vento (cisalhamento vertical ou, em inglês, vertical wind shear). Se ocorrerem simultaneamente estas quatro condições é muito provável a formação de um tufão se o fenómeno ocorrer no noroeste do Pacífico ou no Mar do Sul da China, um furacão no Atlântico ou no Pacífico oriental (a leste da linha de mudança de data), um ciclone se for no Índico. Para estudar a evolução do clima recorre-se a registos de dados meteorológicos referentes a muitas dezenas de anos e a modelos físico-matemáticos com os quais se podem tirar conclusões sobre como reagem a atmosfera e os oceanos à maior ou menor quantidade de gases de efeito de estufa. E é isso que os climatologistas têm vindo a fazer e as conclusões não são nada otimistas no que se refere às consequências, nomeadamente o degelo das calotas polares, a subida do nível médio do mar, maior frequência de fenómenos meteorológicos extremos, como por exemplo ondas de calor, desertificação em determinadas regiões e chuvas intensas noutras, etc. Como os ciclones tropicais se formam sempre no mar, onde as observações meteorológicas são muito mais escassas do que em terra, não há um registo longo da ocorrência destes fenómenos. Essas observações eram quase exclusivamente obtidas, antes do advento dos satélites meteorológicos, com recurso a boias e tripulações de navios. Como seria expectável, quando havia indícios dessa formação, como por exemplo diminuição brusca da pressão atmosférica e aumento do vento e da nebulosidade, os navios manobravam para se afastarem. Por outro lado, a quantidade de boias com equipamento meteorológico era escassa e perdiam-se ou deterioravam-se facilmente. Estas limitações implicaram escassez de dados referentes à formação de ciclones tropicais antes de meados da década de sessenta do século passado, aquando do advento dos satélites meteorológicos, o que teve como consequência que as conclusões dos estudos sobre a evolução da intensidade e frequência dos ciclones tropicais só passaram a ser mais fiáveis a partir dessa altura. De acordo com o Quinto Relatório de Avaliação sobre as Alterações Climáticas do IPCC (Fifth Assessment Report on Climate Change – AR5), editado em 2014, não se podem tirar conclusões seguras sobre se as alterações globais ou qualquer outra causa particular tenham influenciado a atividade dos ciclones tropicais. No entanto, no que se refere ao Atlântico Norte, constatou-se que essa atividade tem aumentado desde 1970. No que se refere aos ciclones tropicais que ocorrem no noroeste do Pacífico e no Mar do Sul da China, o Comité dos Tufões tem vindo a elaborar relatórios sobre as implicações das alterações climáticas nesses fenómenos, antevendo-se aumento de intensidade, mas diminuição da frequência. Não é absolutamente certo que assim seja, mas há a certeza de que, considerando a tendência de aumento da pressão demográfica nas áreas tradicionalmente afetadas por tufões, cada vez mais gente ficará exposta a estes fenómenos.