EntrevistaChina-Timor | Académico fala do papel do petróleo na relação bilateral Andreia Sofia Silva - 23 Mai 2019 Nuno Canas Mendes, presidente do Instituto do Oriente da Universidade de Lisboa, defende que a exploração de petróleo em Timor-Leste é um dos motores da relação bilateral que o país mantém com a China, graças ao recuo da Austrália. Contudo, o académico defende a necessidade da diversificação económica por parte do Governo timorense [dropcap]A[/dropcap] exploração de petróleo nos mares de Timor-Leste pelo consórcio Greater Sunrise, no qual o Estado timorense é o maior accionista, pode ser a pedra basilar nas relações do país com a China. Quem o diz é Nuno Canas Mendes, presidente do Instituto do Oriente, da Universidade de Lisboa. “Existe, da parte dos presidentes de Timor, e sobretudo do actual, uma disponibilidade para estabelecer diálogo com a China”, defendeu Canas Mendes ao HM. “O petróleo representa 90 por cento das receitas do orçamento de Timor e é essencial para a economia local. Perante este recuo da Austrália, há uma predisposição maior para aprofundar este diálogo com a China.” Contudo, a exploração petrolífera não é a única via. “Há áreas em que a China também pode desempenhar um papel importante. Aliás, o país já mostrou vontade de o fazer, como na questão do turismo, que é frequentemente apontado como uma alternativa para a diversificação da economia timorense.” Nuno Canas Mendes recorda as palavras do embaixador da China em Timor-Leste, Fu Yuancong, sobre as relações entre os dois países. Este disse que “a China não estava a ajudar Timor, mas sim a cooperar com o país”. “É uma visão interessante e provavelmente muito realista do que realmente acontece. Há interesses de um lado e de outro e é preciso ajustá-los”, acrescentou. No passado mês de Abril, Timor-Leste assumiu participação maioritária de 56,6 por cento ao concretizar a compra de parte do consórcio do Greater Sunrise no valor de 650 milhões de dólares. Formalmente, a participação foi adquirida pela petrolífera timorense Timor Gap, através de quatro subsidiárias criadas especialmente para o negócio. Para Nuno Canas Mendes, a política “Uma Faixa, Uma Rota” vai também chegar não só a Timor-Leste como também às ilhas do Pacífico. “É evidente que essa política é a concretização deste interesse que já existe e que tem tido várias manifestações. Um sinal muito evidente do interesse do envolvimento da China é o facto de Timor ter sido admitido, em final de 2017, como membro do Asian Infrastructure Investment Bank. Há, portanto, medidas concretas e muito visíveis, que vão além destas grandes obras e investimentos.” Por todo o lado Nuno Canas Mendes destaca, além dos investimentos que vão sendo feitos em grandes infra-estruturas, o facto da presença da China no país se sentir cada vez mais nas ruas de Díli. “Quando vamos a Timor, e sobretudo a Díli, temos uma noção muito concreta desta presença, por exemplo no pequeno comércio de retalho. Em Díli há inúmeras lojas de comerciantes chineses. Essa presença da China é cada vez mais visível e mais expressiva.” O académico assegura que há muitos atractivos em Timor-Leste para os investidores chineses, pelo facto de ser um país onde ainda falta quase tudo. “As infra-estruturas não são só estradas e há uma dependência muito grande do exterior por parte de Timor que procura diversificar as suas relações. Mas tendo em conta os objectivos da política externa chinesa, há aqui um encontro de interesses face às necessidades que Timor tem e o interesse que a China tem por ter uma presença mais forte no sudeste asiático e nas ilhas do Pacífico.” O presidente do Instituto do Oriente traça também uma análise aos últimos dez anos de relações bilaterais. “As importações de bens provenientes da China e de Hong Kong são bastante avultadas por parte de Timor, além de que o número de investimentos chineses em infra-estruturas tem aumentado substancialmente. Há alguns anos, alguns dos edifícios públicos mais importantes, ministérios por exemplo, tinham sido construídos com financiamento chinês. Actualmente, esse financiamento continua em obras de maior vulto, como por exemplo a construção de uma auto-estrada para o sul de Timor e a participação de um projecto, também no sul da ilha, que tem a ver com a exploração do petróleo on shore e a respectiva construção de infra-estruturas. Houve também o financiamento da construção do aeroporto”, apontou o académico. No que diz ao Fórum Macau, Nuno Canas Mendes acredita que poderá não ser a via principal para o pulsar dos investimentos, pelo facto de serem poucos os projectos timorenses financiados com o fundo criado em Pequim. “Tudo indica que esta falta de actividade pode significar um menor interesse em usar o Fórum Macau. Mas pode ser interessante reactivar essa intervenção no Fórum Macau, porque Macau tem relações históricas com Timor e isso pode ajudar a China no estabelecimento de um diálogo com Timor.” Tendo em conta que o petróleo é uma fonte de energia que um dia se irá esgotar, Nuno Canas Mendes defende que os governantes timorenses devem ponderar a aposta na diversificação da economia, desenvolvendo áreas como a agricultura ou o turismo. “Tem de haver uma visão muito pragmática e uma intervenção muito assertiva para que daqui a cinco ou dez anos Timor não caia numa crise económica e na falta de horizonte. Trata-se de um país que continua a ser frágil sob vários aspectos”, rematou.