Perspectivas VozesA Iniciativa da Faixa e Rota motor da globalização Jorge Rodrigues Simão - 10 Mai 2019 “Billions of dollars are flowing out of China, as part of the country’s Belt and Road Initiative, to build ports, railways, roads, pipelines, and telecommunications facilities across the Eurasian land mass (the belt) and along the coast of the Indian Ocean (the road)….Rolland’s helpful survey reveals the initiative’s strategic motives, which include providing outlets for China’s excess production capacity and generating a Eurasian center of gravity as a counterweight to U.S. influence in maritime Asia.” Andrew J. Nathan, Foreign Affairs [dropcap]A[/dropcap] República Popular da China (RPC), desde 1978, entrou amplamente em uma era que veio a ser conhecida como reforma e abertura, onde observou e tentou aprender com o mundo ao seu redor. Muitas ideias diferentes foram importadas para o país ao longo deste processo. Políticos, académicos, empresários e outros chineses espalharam-se por todo o mundo engajados no que poderia ser chamado de um período de “grande aprendizagem”, trazendo de volta ideias do Japão e da Alemanha e processos tecnológicos dos Estados Unidos e da Europa, que levou a dois resultados. O primeiro, e mais óbvio e célebre é o crescimento económico que a importação de novas ideias e processos trouxe para a China com um PIB per capita de apenas algumas centenas de dólares no final da década de 1970, e que actualmente os chineses desfrutam de um PIB per capita de cerca de dez mil dólares, colocando o seu país na faixa de renda média em todo o mundo. Este período tirou muitas centenas de milhões de pessoas da pobreza, levando a uma economia que é uma importante fonte de crescimento para o resto do mundo. No entanto, por causa das características únicas da sua sociedade, cultura e composição económica, a China também transformou as ideias que adoptou e criou um novo tipo de modelo de desenvolvimento, que tem sido muito comentado e estudado pelo resto do mundo. Embora haja uma série de interpretações diferentes do modelo chinês, o facto de a China ter aprendido muito na sua trajectória de desenvolvimento nas últimas quatro décadas e estar em condições de compartilhá-las com o resto do mundo é indiscutível. É seguro dizer que estamos a viver em uma época em que esse processo está a ocorrer. A China, o aluno, está cada vez mais em posição de ser a China, o professor. O “Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB na sigla inglesa)” tem sido um veículo pelo qual a China tentou, nos últimos anos, realizar essa transformação de aluno para professor, e como um país que construiu com sucesso talvez mais infra-estrutura logística do que qualquer outro na história da humanidade, a China certamente tem a capacidade de transmitir lições a outros. Assim, apesar de todas as críticas ao AIIB quando foi lançado pela primeira vez pelo governo chinês em 2014, o seu princípio de compartilhar o entendimento e a prática única do desenvolvimento da China, e oferecê-lo a outros para a usar, é irrefutável. A “Iniciativa da Faixa e Rota (abreviadamente designada por Iniciativa) ” é a segunda e maior iteração do processo de décadas da China. O seu foco na conectividade de logística, tecnologia da informação, ligações interpessoais e finanças tem sido oferecido como um amplo marco pelo qual países na região e em outros lugares se podem engajar em uma “grande aprendizagem” similar ao que a China começou no final da década de 1970, sendo apenas e simplesmente uma interpretação da Iniciativa. É de considerar que outros países viram em termos geopolíticos muito mais crus. Mas a abertura e a ambição do conceito de “Faixa e Rota” significava que nunca seria facilmente inserido em um único quadro interpretativo e precisa de ser considerado de vários e diferentes ângulos. Apesar de alguns governos e pessoas no Ocidente evocarem argumentos de neocolonialismo ou uma armadilha da dívida para manchar a Iniciativa, em que “Faixa” alude às rotas terrestres ou à “Faixa Económica da Rota da Seda”; enquanto “Rota” reporta-se às rotas marítimas, ou à “Rota da Seda Marítima do Século XXI”. O projecto proposto pela China para o desenvolvimento comum do mundo está a ter cada vez mais adesões. O sucesso do segundo encontro de líderes mundiais para discutir o desenvolvimento da Iniciativa na capital da China, assim o demonstrou. O “Segundo Fórum da Faixa e Rota (BRF na sigla inglesa) para a Cooperação Internacional”, realizado entre 25 e 27 de Abril, que reuniu cerca de cinco mil participantes de mais de cento e cinquenta países e noventa organizações internacionais, incluindo chefes de Estado (Portugal esteve representado pelo Presidente da República) e governo e líderes da ONU (esteve presente o Secretário-geral) e do Fundo Monetário Internacional (FMI). O número foi muito maior do que a participação na Primeira BRF realizada em 2017. O presidente chinês Xi Jinping propôs construir a “ Faixa Económica da Rota da Seda” e a “Rota da Seda Marítima do Século XXI”, colectivamente conhecida como Iniciativa, em 2013. A Iniciativa aborda vários desafios e riscos enfrentados pela humanidade e que terá resultados de que todos ganharão, bem como desenvolvimento comum. A cooperação da Iniciativa abraça a tendência histórica da globalização económica, responde ao chamado para melhorar o sistema de governança global e atende ao desejo das pessoas por uma vida melhor e no seu sexto ano de desenvolvimento, mais e mais pessoas se familiarizaram com a mesma e percebem que precisam de se envolver no projecto. É de realçar que tornar-se parte da Iniciativa está em conformidade com os interesses de outros países participantes e é uma forma tangível de se envolver com a China, a segunda maior economia do mundo e ainda que alguns países ainda não o façam, são uma minoria. No decurso do Segundo BRF, foram assinados acordos de cooperação no valor superior a sessenta e quatro mil milhões de dólares. É de destacar que cento e vinte e seis países e vinte e nove organizações internacionais assinaram acordos com a China no âmbito da Iniciativa. A Itália e o Luxemburgo são os mais recentes signatários e durante o Segundo BRF os países da UE sinalizaram a sua disposição de participar da Iniciativa e planeiam assinar um memorando de entendimento como um grupo, o que contradiz a previsão dos pessimistas de que a Iniciativa só se transformará em uma aliança de nações em desenvolvimento. O reconhecimento europeu à Iniciativa melhorou muito, passando das interrogações ao entendimento. Os países que permanecem fora da Iniciativa podem perder uma oportunidade histórica de desenvolvimento adicional. A Iniciativa pode considerar-se com um motor de desenvolvimento em um mundo que enfrenta desafios comuns, como incertezas e instabilidade. A razão pela qual a Iniciativa está a ganhar reconhecimento mais amplo é que, além de promover o desenvolvimento dos países participantes, também contribuiu para a recuperação da economia mundial após a crise financeira global e está de acordo com os dezassete “Objectivos Globais de Desenvolvimento Sustentável” da ONU, que constam da “Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”. Os dezassete objectivos globais são acabar com a pobreza em todas as suas formas e em todos os locais; acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e a melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável; assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades; assegurar a educação inclusiva e equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos; alcançar a igualdade de género e empoderar todas as mulheres e meninas; assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todos; assegurar o acesso confiável, sustentável, moderno e preço acessível à energia para todos; promover o crescimento económico sustentado, inclusivo e sustentável, pleno emprego e produtivo e trabalho decente para todos. Os objectivos são ainda construir infra-estruturas resilientes, promover a industrialização inclusiva e sustentável e fomentar a inovação; reduzir a desigualdade dentro dos países e entre si; tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis; assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis; tomar medidas urgentes para combater a mudança climática e os seus impactos; conservação e uso sustentável dos oceanos, mares e dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável; proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra e deter a perda de biodiversidade, promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis e fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável. A cooperação de mercado de terceiros que a Iniciativa defende permite que os países desenvolvidos desempenhem um papel vital e com a participação de mais países desenvolvidos do Ocidente, o mal-entendido sobre a Iniciativa será dissipado. A alocação eficaz de recursos e a profunda integração do mercado entre países desenvolvidos e em desenvolvimento na construção de faixas e rotas criarão uma situação de que todos serão ganhadores. A Iniciativa é um plano raro de longo prazo que criou uma nova dimensão para o desenvolvimento da economia mundial. A globalização é a chave para o desenvolvimento global e, para alcançar a globalização, é indispensável a construção de infra-estrutura a vários níveis. A Iniciativa é um projecto orientado para o futuro que contribuirá para a globalização e todos podem beneficiar da melhoria e actualização da infra-estrutura. Pela sua concepção e natureza, a Iniciativa é o novo acelerador para uma maior cooperação e colaboração entre pessoas e países. A China, para os países europeus já se estabeleceu como um parceiro confiável para benefícios mútuos. A Iniciativa foi lançada para melhorar a cooperação e a conectividade e consequentemente uma estrutura de ligação composta por seis corredores, seis rotas de ligação e vários países e portos foi implementada. A África Oriental tem a sua via expressa, as Maldivas viram a sua primeira ponte entre as ilhas surgir, a Bielorrússia está produzir sedãs, e o número de comboios de transporte de mercadorias entre a China e a Europa está em ascensão, devendo ser o mais longo do mundo. O Cazaquistão está ligado ao mar. O Sudeste Asiático está a construir uma estrada de alta velocidade. A Iniciativa é uma ponte multifacetada que pode ajudar a desbloquear o potencial de circulação dos países sem acesso ao mar e permitir a entrada a mercados em todo o mundo. A Iniciativa implica a criação de um novo modelo de cooperação internacional pelo fortalecimento das estruturas existentes, bem como pela procura e implementação de novos mecanismos, com o objectivo de estimular o desenvolvimento económico dos países envolvidos. É de considerar que em um mundo actual de incerteza geopolítica, crescente desigualdade e barreiras comerciais, a Iniciativa oferece um modelo de colaboração, parceria, conectividade e prosperidade compartilhada e por exemplo o “Corredor Económico China-Paquistão” não deve ser visto como uma transacção, mas uma transformação da sociedade paquistanesa. Na promoção das relações entre países, a distância e a velocidade das viagens são muito importantes e com este esquema, mais navios passarão perto por exemplo da Malásia e dos países do Sudeste Asiático e, aumentarão o comércio entre si. Nos últimos anos, a cooperação entre a “Faixa e a Rota” expandiu-se da Eurásia para a África, Américas e Oceânia, abrindo um novo espaço para a economia mundial com resultados melhores do que o esperado. As realizações de desenvolvimento da China foram compartilhadas com outros países participantes da Iniciativa, dado que a sua enorme procura por importações e o aumento do investimento no exterior geraram enormes oportunidades de crescimento. O investimento directo estrangeiro da China em outros países que participam da Iniciativa foi superior a oitenta mil milhões de dólares. O volume total de comércio entre a China e esses países ultrapassou os seis triliões de dólares entre 2013 e 2018, período no qual mais de duzentos e quarenta e quatro mil empregos foram criados e por exemplo, no Quénia, a “Ferrovia Standard Gauge”, financiada pela China e construída entre Nairobi e Mombaça, e chamada de “projecto do século”, criou cinquenta mil empregos locais e impulsionou o crescimento económico do país em 1,5 por cento. De acordo com um estudo do Banco Mundial, a Iniciativa aumentará o PIB dos países em desenvolvimento do leste asiático e do Pacífico de 2,6 por cento para 3,9 por cento em média. O presidente chinês no Segundo BRF anunciou um pacote de propostas para promover o desenvolvimento de alta qualidade da Iniciativa, apelando à comunidade internacional a unir esforços para elaborar uma “pintura meticulosa” da Iniciativa. O princípio de ampla consulta, contribuição conjunta e benefícios compartilhados deve ser mantido, enfatizando abordagens abertas, verdes e limpas, bem como metas de alto padrão para melhorar os meios de subsistência e o desenvolvimento sustentável. Os observadores presentes afirmaram que a Iniciativa está a entrar em um novo estágio de desenvolvimento. A primeira etapa foi estabelecer o quadro, ancorar estratégias e construir parcerias com outros países participantes. O novo estágio de desenvolvimento significa implementação com passos concretos e abordagens apropriadas. É o que foi denominado de projecto para a pintura meticulosa e como os participantes têm diferentes níveis de desenvolvimento e distintos sistemas de infra-estrutura, é natural que a Iniciativa evolua em tempo para atrair diferentes interessados. As melhores organizações do mundo são as de aprendizagem que se adaptam e mudam em conformidade, assim como a melhor prática corporativa, a governança da Iniciativa deve ajustar e refinar as suas políticas e acções para atender às necessidades de mudanças nas circunstâncias. As novas propostas do presidente Xi vão dissipar as dúvidas sobre a Iniciativa. As abordagens abertas, verdes e limpas, bem como o desenvolvimento sustentável da construção da Iniciativa que foi enfatizada, ajudarão a aliviar os temores de que a mesma seja uma armadilha da dívida ou uma forma de neocolonialismo e também melhorará a transparência dos seus projectos. Pode-se considerar que a Iniciativa traduz passos positivos com uma nova estrutura de sustentabilidade da dívida e com o princípio do investimento verde para os projectos que dela constam. A sustentabilidade da dívida e a sustentabilidade verde fortalecerão a sustentabilidade da Iniciativa. Quando a Primeira BRF foi realizada, a Iniciativa ainda era uma criança em crescimento, mas “actualmente” tornou-se um adulto, o que significa que se converteu em um factor importante na economia global.