Reportagem25 de Abril | Militares radicais contra Nobre de Carvalho enquanto Macau se distancia das outras colónias Andreia Sofia Silva - 25 Abr 201925 Abr 2019 [dropcap]U[/dropcap]m mês antes da chegada de Garcia Leandro e Rebelo Gonçalves a Macau, o comandante Catarino Salgado marcou presença, em Maio de 1974, numa sessão de homenagem do Centro Democrático de Macau (CDM) ao Movimento das Forças Armadas. À época, o jornal Gazeta Macaense, propriedade de Leonel Borralho, deu grande destaque ao acontecimento e reproduzia, na íntegra, e na primeira página, o discurso de Salgado. “Sei que as pessoas em Macau são conhecidas pela qualidade de ordem e de trabalho. O MFA permitiu também serem livres. No CDM existem diversas tendências políticas, todas elas marcadas pelo desejo de espalhar as sementes da verdadeira democracia, que significa, a meu ver, respeitar as opiniões políticas dos outros”, disse durante o discurso. “Regresso à província e vejo os meus conterrâneos unificando-se com os da metrópole, formando o CDM numa patriótica manifestação de lealdade para com a Junta de Salvação Nacional”, adiantou também Salgado, numa demonstração do apoio que esta associação de cariz político teve desde o início por parte dos que fizeram a Revolução em Lisboa. Em 1974, Fernando Lima, ex-assessor da presidência da República portuguesa, estava em Macau destacado como militar, apesar de cumprir funções civis. Sobre a forma como se viveu a revolução em Macau, Fernando Lima recorda ao HM o período conturbado que as forças militares atravessaram. “Entre os militares não havia uma situação fácil e criou-se depois ali uma ruptura quando uma ala mais radical achou que o Governador, e a sua equipa, eram muito moderados em relação à revolução que estava a acontecer em Lisboa. Macau não acompanhava esse ritmo. Apareciam cartazes com a cara do Governador a dizer ‘Nobre de Carvalho Colonialista’.” Lima assegura que Nobre de Carvalho nunca foi visto como alguém ligado à extrema-direita, mas sim como moderado. “Era um militar que procurava ser pragmático nas análises que fazia”, comenta. Ainda sobre o Governador Nobre de Carvalho, Fernando Lima recorda um erro caricato de um noticiário televisivo da região vizinha. “Achei piada porque, um dia, a televisão de Hong Kong, ao invés de por a foto do Otelo Saraiva de Carvalho, pôs a foto do Nobre de Carvalho, porque o apelido era o mesmo.” Caos depois de Leandro Fernando Lima recorda também a presença do MFA no território no livro que escreveu intitulado “Macau entre as duas transições”. Apesar do apoio dado ao CDM, a sessão de esclarecimento do MFA não foi suficiente para apaziguar os ânimos políticos. “Esse aparente desanuviamento duraria pouco tempo. Como recordaria depois Garcia Leandro, a defesa cerrada que os delegados fizeram de Nobre de Carvalho não foi suficiente para serenar os ânimos em Macau”, pode ler-se no livro. “Enquanto Leandro regressava a Lisboa, Rebelo Gonçalves ficaria no território para assumir o cargo de comandante militar interino em substituição do coronel Mesquita Borges que cessara funções. Durante a estada de 60 dias, Rebelo Gonçalves procurou polarizar o espírito de mudança política em Portugal, fê-lo com algum exibicionismo, que contrastaria com a mentalidade dominante, e rapidamente a sua posição se fragilizou perante a opinião pública. Seria rendido no dia 31 de Julho pelo coronel Maia Gonçalves”, escreveu ainda Fernando Lima. Maria Inácia Rezola, investigadora do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa, recorda este período como aquele que viu nascer os dois movimentos que marcariam a política de Macau nos anos seguintes. “Como Garcia Leandro revela no seu livro ‘Macau nos anos da revolução portuguesa 1974-1979’, trata-se de uma situação muito específica e a via deveria ser a da autonomia progressiva, pactuada com a China. É neste contexto que deveremos integrar a emergência de associações cívicas, como o CDM e a Associação para a Defesa dos Interesses de Macau (ADIM), mas também o corte de relações diplomáticas com Taiwan e o reconhecimento oficial da República Popular da China pelo Governo português em inícios de 1975.” “Um processo atípico” Para Maria Inácia Rezola, Macau constituiu, ao nível da descolonização, “um caso bem diferente do das colónias africanas, a ponto de podermos afirmar que se trata de um processo atípico, como atípico havia sido o seu estatuto colonial”. “Na verdade, Macau nunca fora uma verdadeira colónia, mas sim um território cedido pela China, sob administração portuguesa. A soberania portuguesa em Macau apenas se exercia efectivamente sobre a comunidade portuguesa, incluindo os macaenses”, adiantou a historiadora, o que fez com que tenha sido alvo de uma estratégia diferente por parte do MFA. “Por tudo isto, é fácil concluir que a situação de Macau não constituía uma ‘prioridade’, isto é, na verdade Macau é considerado pelo MFA como um caso particular que não deveria ser gerido nos mesmos moldes das colónias africanas. Na verdade, nos debates que se travaram, em Lisboa, no âmbito da Comissão da descolonização Macau, não sendo uma colónia, não se incluía no âmbito das suas competências.” O tema da descolonização de Macau nunca foi sequer abordado junto das Nações Unidas. “A China não reconhecia a Portugal o direito de posse sobre o território. Macau não era uma colónia, defendia na Comissão de Descolonização da ONU – o que significava que não deveria ser debatida naquele âmbito.” Além disso, “queria evitar a todo o custo um foco de instabilidade ou mesmo a emergência de movimentos que reivindicassem a instauração de uma democracia parlamentar. Não é por acaso que ao regressar de uma viagem pelo oriente, em finais de Outubro de 1974, Almeida Santos afirma que Macau quer continuar a ser administrado pelos portugueses”, concluiu Maria Inácia Rezola.