h | Artes, Letras e IdeiasRapsódia sobre um Tema de Paganini em Lá menor, Op. 43 Michel Reis - 16 Abr 20196 Mai 2019 [dropcap]O[/dropcap] compositor, pianista e maestro russo Sergei Rachmaninoff foi um dos últimos grandes expoentes do período Romântico na música clássica europeia e é tido como um dos pianistas mais influentes do Século XX. Sergei Vasilievich Rachmaninoff nasceu em Semyonovo, perto de Novgorod, no noroeste da Rússia, no dia 1 de Abril de 1873, no seio de família nobre descendente de tártaros, que esteve a serviço dos czares russos desde o Século XVI. Os seus pais eram ambos pianistas amadores, e o jovem Rachmaninoff teve as suas primeiras lições de piano com a sua mãe, mas os seus pais não notaram nenhum talento extraordinário no jovem. Devido a problemas financeiros, a família mudou-se para São Petersburgo, onde Rachmaninoff estudou no Conservatório da cidade antes de ir para Moscovo, para estudar piano com Nikolai Zverev e Alexander Siloti (que era seu primo e ex-aluno de Liszt). Também estudou harmonia com Anton Arensky, e contraponto com Sergei Taneyev. Deve-se observar que, no início, Rachmaninov era considerado preguiçoso, faltando muito às aulas para ir patinar. Foi o rigoroso regime da casa de Zverev (que hospedou vários músicos jovens, como Scriabin) que o disciplinou. Ainda jovem, Rachmaninoff começou a mostrar grande habilidade nas suas composições. Enquanto estudante, escreveu uma ópera em um acto, Aleko (que lhe rendeu uma medalha de ouro em composição), o seu primeiro concerto para piano, um conjunto de peças para piano, Morceaux de Fantaisie (Op. 3, 1892), compostas aos 19 anos de idade, que inclui o popular e famoso Prelúdio em Dó Sustenido menor. A sua reputação como compositor, por outro lado, tem gerado controvérsia desde a sua morte. A edição de 1954 do Grove Dictionary of Music and Musicians desprezou notoriamente a sua música como “monótona em textura… consistindo principalmente de melodias artificiais e feias” e previu o seu sucesso como “não duradouro”. No entanto, os trabalhos de Rachmaninoff não apenas se tornaram parte do repertório standard, mas também a sua popularidade, tanto entre músicos quanto entre ouvintes, tem vindo a crescer desde a segunda metade do Século XX, com algumas de suas sinfonias e trabalhos orquestrais, canções e música coral sendo reconhecidas como obras-primas ao lado dos trabalhos para piano, mais populares. As suas composições incluem, entre várias outras: quatro concertos para piano; a famosa Rapsódia sobre um tema de Paganini; três sinfonias; duas sonatas para piano; três óperas; uma sinfonia coral (The Bells, baseada no poema de Edgar Allan Poe); vinte e quatro prelúdios; dezassete études; muitas canções, sendo as mais famosas a V molchanyi nochi taynoi (No Silêncio da Noite), Lilacs e Vocalise; e o último dos seus trabalhos, as Danças Sinfónicas. A maioria das suas peças é carregada de melancolia, num estilo romântico tardio lembrando Tchaikovsky, embora com fortes influências de Chopin e Liszt. Inspirações posteriores incluem a música de Balakirev, Mussorgsky, Medtner (que considerou o maior compositor contemporâneo) e Henselt. Em “conversas” com o maestro e escritor americano Robert Craft, depois transformadas em livro, o compositor também russo Igor Stravinsky dá um depoimento um tanto anedótico e no mínimo curioso sobre Rachmaninoff: “Lembro-me das primeiras composições de Rachmaninoff. Eram ‘aguarelas’, canções e peças para piano influenciadas por Tchaikovsky. Depois, aos vinte e quatro anos, voltou-se para a ‘pintura a óleo’, e tornou-se, na verdade, um compositor velho. Não se pense, porém, que eu vá desprezá-lo por isso. Ele era, como já disse, um homem apavorante e, além do mais, há muitos outros para serem desprezados antes dele. […] E ele era o único pianista que jamais encontrei que não fazia caretas. Isto já é muito”. Este depoimento, dado por um compositor envolvido nas mudanças revolucionárias por que passa a música no século XX, traduz bem a figura de Rachmaninov no contexto musical contemporâneo: aos artistas criadores e aos musicólogos, na sua grande maioria, a sua obra não causa nem entusiasmo nem desprezo. Por outro lado, aos intérpretes e ao público em geral, ela soa atraente e desafiadora… Por vezes, mesmo comovente. É certo que a linguagem de Rachmaninoff parece ignorar os caminhos abertos por Debussy desde o final do século XIX e permanece ligada às formas tradicionais e às técnicas de composição herdadas do Romantismo. No entanto, ele foi, antes de tudo, um pianista. A parcela mais importante de sua obra, dedicada ao piano, atesta-o. Essa ligação visceral com o seu instrumento faz com que adopte uma estética ultrarromântica, que leva a graus exponenciais o tratamento pianístico, transcendendo (e às vezes superando, à sua maneira), inclusive, as grandes investidas de Liszt. À parte as pequenas peças para piano, nota-se esse “pianismo ultrarromântico” sobretudo em seus concertos para piano e na célebre Rapsódia Sobre um Tema de Paganini, Op. 43 A Rapsódia Sobre um Tema de Paganini em Lá menor, Op. 43, é umas das últimas composições de Rachmaninoff. Considerada de dificílima execução, a obra foi escrita para piano e orquestra, lembrando um concerto para piano, na Villa Senar, a casa de Rachmaninoff na Suíça, de 3 de Julho a 18 de Agosto de 1934, de acordo com uma anotação na partitura. O próprio Rachmaninoff, um intérprete notável dos próprios trabalhos, tocou a obra na sua estreia na Lyric Opera House em Baltimore, no estado de Maryland, nos EUA, no dia 7 de Novembro de 1934 com a Orquestra de Filadélfia, regida pelo maestro Leopold Stokowski. A Rapsódia é um conjunto de 24 variações sobre o vigésimo quarto capricho para violino solo de Niccolò Paganini, que também serviu de inspiração para outros compositores. Embora se intitule rapsódia, a obra é na verdade construída segundo o princípio de tema e variações. Rachmaninoff encadeia vinte e quatro variações sobre o Capricho para Violino solo No 24 de Niccolò Paganini. Antes de Rachmaninoff, Johannes Brahms nas suas Variações sobre um tema de Paganini, e Franz Liszt nos seus Grandes Estudos segundo Paganini haviam já explorado esse tema. Embora a obra seja executada duma só vez, podemos dividi-la em três secções que correspondem vagamente aos três andamentos de um concerto. O que podemos considerar o primeiro andamento termina com a variação 11 e as variações 12 e 18 abrem e fecham o segundo (andamento lento), e as últimas variações compõem um finale. Ao contrário das convenções, Rachmaninoff teve a ideia de apresentar a primeira variação antes do tema. A Rapsódia é uma das sete peças de Rachmaninoff que cita a melodia do hino litúrgico Dies iræ, que alguns sugerem ser uma referência à lenda segundo a qual Paganini teria vendido a sua alma ao diabo em troca do seu virtuosismo prodigioso e o amor de uma mulher. Sugestão de audição da obra: • Sequeira Costa, piano •Royal Philharmonic Orchestra, Christopher Seaman – RPO Records, 1991