EntrevistaGlenn McCartney, académico | “Geramos turismo, sem o gerir” Sofia Margarida Mota - 1 Abr 2019 Glenn McCartney, especialista na área do turismo, vai estar hoje, a partir das 18h30 na Fundação Rui Cunha a dirigir a palestra “Making Greater Bay Area a World Tourism Magnet”. O académico defende a concretização de uma marca para Macau, capaz de integrar todos os sectores do território [dropcap]M[/dropcap]acau recebeu, no ano passado, mais de 35 milhões de turistas, mais do que o Japão por exemplo. Há condições para receber este número de visitantes? Trata-se de um assunto relativo à capacidade de acolhimento. O modelo de Macau neste sentido é muito complexo. De facto, é possível fazer com que os destinos consigam absorver mais turistas através da construção de algumas infra-estruturas físicas, da alteração das ruas para serem maiores, da abertura de mais balcões nos postos fronteiriços, por exemplo. Também é necessário dar formação à própria sociedade envolvendo-a no turismo. O modelo de acolhimento turístico é um sistema muito flexível. Através de políticas públicas e de alteração de regras e outras acções, é realmente possível absorver mais pessoas. Nunca procurei um número mágico, preocupo-me com o que os residentes são capazes de tolerar no que respeita aos turistas antes de se começarem a inquietar com a situação. Claro que se pode dar aos residentes benefícios financeiros e oportunidades de emprego. Desta forma podem sentir-se mais inclinados para dar as boas vindas aos turistas. Quando os residentes sentem que não há espaço para, por exemplo, se sentarem num restaurante, ou quando não conseguem apanhar táxis, começa o desequilíbrio. Já atingimos este ponto há algum tempo. A sociedade, claro que sabe que beneficia economicamente da situação, mas há um nível de realismo que tem impacto nos residentes tanto ambientalmente como socialmente. Socialmente temos, por exemplo, a mudança do sistema de valores tendo agora o dinheiro um papel preponderante. Há muitas coisas que mudaram nos últimos 20 anos. Os valores de família, por exemplo. E estes impactos a nível social podem ser quantificados bem como os económicos. É preciso admitir que as coisas não estão bem, que estamos a ir na direcção errada e que são precisas soluções. Como? De várias formas. Uma é através da limitação do número de turistas que entram em Macau. Mas aqui a questão é como se vai fazer isso? Podemos ver o modelo de Veneza, um caso em que não houve qualquer gestão turística durante muitos anos e quando se aperceberam tinha um problema. É por isso que digo aos meus alunos, se o turismo não for bem gerido, cria-se um problema. Este é o problema de Macau. O território não tem sabido como gerir o seu turismo. Temos gerado turismo, mas não o temos gerido. Antes de mais há que mudar o mindset de um sistema de gerar turismo para um sistema de gestão. Muitos destinos no mundo são governados por este modelo em que o que interessa é fazer com que entrem cada vez mais visitantes. Os números são para ser celebrados, com certeza. O número de visitantes é sempre um objectivo do turismo, mas não é o único. Questões como “estamos a conseguir com que as pessoas permaneçam mais tempo? Os visitantes estão satisfeitos? Estamos a criar novos mercados? Estamos a conseguir com que as pessoas gastem mais em coisas diferentes? Há mais objectivos estratégicos do que os números. Claro que com mais pessoas a entrar há mais gente a gastar, sim, mas também há um nível que não se refere aos gastos e que cria uma pegada física. Em termos de diversificação, o que Macau tem para oferecer aos turistas? O progresso na diversificação tem sido muito limitado. Sem se estabelecerem desafios comuns aos vários operadores, vai haver muito pouca diversificação. E este pensamento ainda existe. Somos um centro de jogo, o que é que isto significa? Os casinos são um pilar económico e isso não vai acabar. As ocupações dos hotéis dos casinos são na ordem dos 85 por cento, 90 por cento, temos de ter em conta que muitos destes quartos são complemento dos casinos. Muito poucos são requeridos por outra actividade que não seja o jogo. Tudo assenta na indústria do jogo. Então como se trabalha sobre isto? Na década de 80, Las Vegas tinha o mesmo problema que Macau. Mas, por volta de 1992/1993, começou a notar-se mudança. Se recuarmos um pouco, podemos ver que ali a indústria do jogo chegou à conclusão de que há um certo nível de benefícios em, por exemplo, atrair a indústria MICE principalmente no início das semanas – segunda, terça e quarta-feira. Ainda hoje temos o problema da sazonalidade em Macau. Quinta, sexta, sábado e domingo está tudo cheio, mas só com as pessoas ligadas ao jogo. Mas para actividade ligadas ao sector MICE o início da semana é preferível, não querem os fins-de-semana. Por isso, o início da semana encaixa perfeitamente para atrair MICE. Temos capacidade no Cotai para acolher as MICE, com condições muito boas. Aliás, seria uma aposta a ter em conta para a diversificação da economia tendo em consideração os hotéis dos casinos e as suas condições. Outra questão muito importante tem que ver com a marca de Macau, que não existe. O que é preciso fazer para criar essa marca? Ainda estamos para lançar uma proposta de marca para Macau coerente atractiva. Há entretenimento, gastronomia, turismo culinário, património, mas nada disto é visto de forma integrada. Temos muitas coisas de facto, mas precisamos de uma proposta, de um branding, de modo a termos uma posição. Devíamos fazer o que Las Vegas fez. Percebermos quem somos, o que somos, e colocar isso numa mensagem credível dirigida a uma audiência regional e internacional. Quem somos, de verdade? E isto ainda significa mais quando pensamos agora no plano de cooperação regional da Grande Baía. Como é que Macau se vai salientar? As mensagens dos casinos são diferentes das ofertas culturais, por exemplo e não pode existir esta diferença num destino. Temos que encontrar uma coerência. O turismo de Hong Kong faz isso, tenta ter com a sua diversidade uma forma de trabalhar única. É preciso criar uma marca consistente e depois é avaliar o efeito dessa marca. Não somos muito bons a avaliar os resultados do que se faz. Fazemos muitos eventos, ao longo de todo o ano, mas não sabemos o impacto que têm. Não em relação aos bilhetes vendidos para esses eventos, há muito mais unidades de medida que são consideradas pelo mercado. Como é que estes eventos tiveram impacto na marca local, como é que atraíram novos mercados, permitiram que as pessoas ficassem durante quanto tempo em Macau, promoveram, que outro tipo de ofertas. Há ciência ligada ao turismo, mas, infelizmente, durante estes anos todos não temos sido bons em utiliza-la. Isto leva a uma terceira questão: porque não temos mais turistas internacionais e dependemos cada vez mais dos visitantes do continente? Deveríamos medir o impacto desta situação e agora com a Grande Baía como é que vamos ter o nosso impacto dentro de um mercado regional. Precisamos de apresentar um bom produto, melhor do que os das outras regiões. Macau vai conseguir competir em termos de atracção com Hong Kong e as outras cidades da Grande Baía? Vamos ser honestos. Vai existir agora um outro nível de competição. Existe em todo o lado, mesmo dentro da Europa, por exemplo. Mas também vai existir colaboração. Por exemplo, tendo em conta uma viagem de seis ou sete dias, e preciso ter uma plataforma de colaboração de modo a que os turistas sejam distribuídos pelas várias regiões. Temos isso no Reino Unido, as pessoas acabam por distribuir a sua viagem por mais do que um destino e assim todos acabam por ter uma fatia deste turismo. Isso funciona. Alguns ficam com mais, mas é natural. Neste caso, Hong Kong poderá ter turistas durante mais dias, mas não faz mal. Mas penso que a mensagem para a Grande Baía é definir a posição de Macau. Penso que temos uma forte proposta de entretenimento, com os festivais que acontecem no território. Agora, como é que vamos para o mercado com ela. Como é que a vamos comunicar? Temos óptimos festivais. Não gosto de ver lugares vazios nestes festivais. Temos de ver, por exemplo como vendemos estes festivais em conjunto? Qual a campanha única, capaz de apelar para estes festivais. Por exemplo, o Reino Unido tem um slogan simples que é “visite o Reino Unido” e tudo o que o Reino Unido tem para oferecer é publicitado com este slogan como base. Há uma ideia de campanha. É preciso ter uma ideia única de campanha e tudo o resto tem de trabalhar para ela. Em Macau há sempre um certo nível de fragmentação, temos o departamento do desporto, o da cultura, do turismo, o económico e todos fazem alguma coisa. Precisamos que se juntem para formar uma campanha, que percebam os produtos que cada um tem, pegar neles e, a partir daí, desenvolver uma campanha para vender Macau. Os sectores envolvidos, privado e público, têm de colaborar. Macau é um território pequeno. Não deveria ser mais fácil fazer um projecto desses aqui do que em lugares como o Reino Unido? À partida sim, deveria ser. Mas há muitos interesses neste sector em Macau e com diferentes posições no mercado e diferentes níveis de influência. Nunca se consegue um consenso absoluto entre as várias partes envolvidas. Macau até já tem um bom plano. O problema está na execução deste plano. Quem vai fazer o quê, quando e quem é responsável? Esta é a parte mais traiçoeira, a execução. É necessário ter um nível de liderança que defina quem é responsável pelo quê. Há quem defenda que o jogo deveria estar mais envolvido na diversificação de ofertas turísticas. O Governo deveria aproveitar a renovação das licenças para fazer mais exigências neste sentido? Há sempre uma linha que define quem é responsável pelo quê. O sector privado é normalmente responsável por obrigações fiscais, isto está muito claro nos contratos de concessão e neste sentido as operadoras têm cumprido aquilo a que se comprometeram. O Governo é responsável pelo estabelecimento de políticas. Seria positivo que ambas as partes se encontrassem e descobrissem uma forma de trabalhar juntos na mesma direcção. O Governo deveria trabalhar mais com o sector académico e ligado à investigação? Sim, já há alguma colaboração. Mas o problema é outro. Temos aqui alunos muito bons, cheios de ideias e de conhecimento, mas quando entram na Função Pública ninguém os ouve, o que têm para dizer não sobe na hierarquia. A discussão nunca sobe, a não ser que exista uma organização interna que promova este tipo de comunicação, isso não acontece aqui.