h | Artes, Letras e IdeiasHistória de Portugal cruzada com a da China José Simões Morais - 4 Mar 2019 [dropcap]O[/dropcap]s ciclos na História da China correspondem admiravelmente com os de Portugal, ocorrendo as mudanças das monárquicas dinastias quase simultaneamente nos dois países. A dinastia han dos Ming, que governou a China entre 1368 a 1644, tem paralelo em Portugal com as dinastias de Avis (1385-1581) e dos Filipes (1581-1640) e a dinastia manchu dos Qing (1644-1911) iniciou-se ao mesmo tempo e teve a duração da dinastia portuguesa dos Bragança (1640-1910). Até a chegada da República aconteceu apenas com um ano de diferença. Interessante é também, quando num país governava uma estrangeira dinastia, no outro estava no poder uma nacional e ao mudarem, tal invertia-se. Igual foi ainda o período de transição da Dinastia Ming para a Qing e da Dinastia Filipina, ou dos Habsburgo, para a dos Bragança. Guerra da Restauração Desde 1621, em Espanha reinava Filipe IV quando em Junho de 1640 a Catalunha se revoltou e começou a lutar pela sua independência. Em Portugal, logo desde o início desse reinado de Filipe III, pequenos movimentos de insurreição contestavam a união ibérica e o conde-duque de Olivares, então à frente do governo de Espanha, percebeu a oportunidade de enviar para Aragão o mais directo herdeiro da coroa portuguesa, o 8.º Duque de Bragança, D. João II. Nomeado em 1639 governador-geral das armas do reino de Portugal foi-lhe ordenado organizar um exército para ir à Catalunha combater os rebeldes. Aproveitando as tropas de Castela encontrarem-se concentradas no outro lado da Península Ibérica, tal deu a oportunidade para em Portugal a 1 de Dezembro de 1640 o povo aclamar o Rei D. João IV (1640-56). Mas não foi fácil sair do domínio espanhol, pois a Guerra da Restauração da Independência durou ainda 28 anos. Vários foram os motivos a congregar os portugueses numa acção para tentar sair do jugo espanhol. O não respeito do acordo feito havia sessenta anos nas Cortes de Tomar de 1581 por Filipe II de Espanha (1556-1598), quando este fora proclamado Rei Filipe I de Portugal, por via sucessória da sua mãe, a Rainha Isabel (1503-1539, filha do Rei D. Manuel I). Tinha reconhecido o estatuto de autonomia administrativa de Portugal, com os seus territórios ultramarinos separados dos da Espanha e prometido manter os antigos foros e os cargos de governador do reino serem apenas providos em portugueses ou em membros da família real. Filipe I de Portugal respeitou todas as condições que prometera, levando os portugueses a viverem satisfeitos e não fosse em 1588 a trágica derrota da Invencível Armada frente aos ingleses, a dizimar a frota espanhola onde constava grande parte das naus de alto bordo portuguesas, teria sido uma época brilhante sob a administração dos Habsburgo da Casa da Áustria. Outro problema que só se começou a fazer sentir durante o reinado de Filipe II de Portugal foi os países inimigos da católica Espanha (ingleses, franceses, holandeses), atacarem e ocuparem as praças portuguesas, com estatuto autónomo, espalhadas pelos portos de além-mar. Em 1623 os holandeses tomavam São Salvador da Baía no Brasil e os ingleses ajudavam os persas a conquistar Ormuz. Desde 1621, com a chegada ao trono de Filipe IV de Espanha e III de Portugal, as famílias nobres e da alta burguesia portuguesa ficaram à parte da corte espanhola, tendo Portugal perdido o estatuto de autonomia que gozava devido às reformas que centralizaram o poder em Madrid e colocaram em causa o que ficara reconhecido em 1582. Também foram aumentados mais ainda os já altos impostos, devido às necessidades financeiras para suportar as várias guerras em que a católica Espanha estava embrenhada contra os protestantes, havendo muitos reinos a procurarem tornar-se independentes. Em Portugal, após uma série de batalhas, conhecida por Guerra da Restauração, já o primeiro rei da quarta dinastia portuguesa D. João IV tinha morrido em 1656 quando os portugueses, vencendo em 1668 a Batalha de Montes Claros, conseguiram por fim ver reconhecida a sua independência, assinada no Tratado de Lisboa entre dois novos reis, Afonso VI (1656-67) de Portugal e Carlos II (1665-1700) de Espanha. Mas Ceuta não foi devolvida. O fim da Dinastia Ming Ming significa brilhante, mas brilhante não foi o período final da Dinastia Ming, controlada por tiranos e corruptos eunucos, estando os últimos imperadores ocupados apenas com a sua imortalidade e em luxos. A decadência imperava e a população vivia na miséria, obrigada a pagar altas taxas e rendas, quando na província de Shaanxi em 1627 os camponeses se revoltaram, pegando em armas para se proteger. Rapidamente pelas províncias vizinhas novos grupos armados apareceram, tendo um exército de camponeses liderados por Li Zicheng ocupado Xian em 1644 e formado o Estado de Dashun na província de Shaanxi. Daí partiram para Leste e chegando a Beijing levaram o último imperador da Dinastia Ming, Chong Zhen (1628-44), a refugiar-se na Colina da Longa Vida (Wansui) na parte Norte do Palácio Imperial, onde permaneceu 43 dias. Todos os esforços falharam e sem uma solução para a complicada situação, o imperador enforcou-se. Ficou a China sem governo imperial durante alguns meses, período conhecido por Interregno Shun. A Nordeste, os manchus, com um corpo militar cada vez mais forte, preparavam-se para invadir o território da Dinastia Ming, estacionando as tropas ao longo das fronteiras. Quando o general Ming Wu Sangui, a governar a Passagem de Shanhaiguan, os deixou passar pela Grande Muralha para irem ajudar as tropas Ming a combater os revoltosos camponeses, estes tiveram de fugir de Beijing. Encontrando vazio o Trono do Dragão, os manchus proclamaram Imperador da China Shun Zi (1644-61) e passaram a sua capital, até então em Shenyang, para Beijing, fundando a dinastia manchu dos Qing, que reinou até 1911. Muitos oficiais Ming, que estiveram aliados aos manchus contra os camponeses, mudaram-se para o lado destes, combatendo os invasores. Uma pequena corte estabeleceu-se em Nanjing, onde formou a Dinastia Ming do Sul (1644-1662), mas aí rapidamente foi derrotada e dividindo-se por vários imperadores, para Sul fugiram, até que em 1662 o último que restava, Yong Li, foi capturado e com ele finalizou a nómada dinastia. Também a resistência foi feita por Zheng Chenggong, que desde 1646 governou as costas de Fujian e nos finais de 1650 estava confinado ao mar. Derrotado em 1659 no estuário do Changjiang (Rio Yangtzé), nessa batalha finalizou no continente chinês o que restava dos Ming. Zheng, conhecido pelos europeus por Coxinga, refugiou-se em Taiwan onde morreu em 1662. Terminava assim a resistência dos Ming; reinava já na Dinastia Qing um novo imperador, Kang Xi (1662-1722), seis anos antes de os portugueses afastarem os espanhóis de Portugal.