Diários de Próspero h | Artes, Letras e IdeiasAs ministras suecas António Cabrita - 14 Fev 2019 11/02/2018 [dropcap]E[/dropcap] às vezes o mundo diverte-nos muito para lá das preocupações que lhe concernem. O maior inimigo do rinoceronte é um minúsculo insecto que lhe sobe narina acima e se instala nas circunvoluções do cérebro paquidérmico onde começa a escavar túneis, o que deixa a criatura aos pinotes e de péssimo humor. O maior inimigo do muro do Trump é um cemitério de índios que, providencialmente, se localiza na fronteira entre os EUA e o México, ao longo de muitos e muitos quilómetros, e, meus caros, contra os ancestrais não há pai, nem narina férrea que os dobre. A mostarda começa a chegar ao nariz dos Tohono O’odham e o Trump que se cuide, pois mesmo que ele não acredite em bruxos, que os há, há. E os invisíveis sobem pelas narinas acima mais soberbas. A reserva dos índios fica no Arizona e estende-se por mais de cem quilómetros na fronteira do México e vivem nela 2000 dos seus 34000 membros. Como explica o vice-líder da tribo, “Cada animal, cada pedaço da terra é sagrado, tudo tem um propósito neste mundo, e quando começamos a brincar com a mãe natureza acontecem coisas”. Por isso os terrenos da comunidade não estão à venda e construir o muro seria profanar os ancestrais. E os ancestrais não se deslocalizam, é inegociável. Portanto, aqueles fartos quilómetros com cemitérios (e alguns deles secretos, contam os líderes índios) funcionarão como o buraco de muitos molares na dentadura de crocodilo que o Trump quer implantar ao longo da fronteira. Ou ele expropria e aí profana, ou mata os índios, o que é impensável, ou corrompe-os e aí atrairá a ira dos “espíritos”. O que já estou a adivinhar é muitos túmulos a servirem de receptáculo do contrabando e muitos trilhos secretos apontados pelas linhas brancas da coca. 12/02/18 A Suécia, para além do frio e do génio de Ingmar Bergman, de quem organizei um ciclo para começar dia 19, em Maputo, tem uma mão cheia de poetas notáveis, entre os quais um senhor chamado Gunnar Ekelof, de quem adoraria traduzir a trilogia Diwan/ sobre o Príncipe de Émghion, um duplo que lhe teria sido revelado numa sessão de espiritismo, aos trinta anos, mas ao qual ele não ligou peva. Até que aos 58 anos, em 1965, Ekelof se deslocou a Istambul, e assim que entrou no quarto do hotel foi, como ele disse, forçado por um anjo a escrever a trilogia que conta as lendas em torno desse príncipe que participou na batalha de Mantzikert, em 1071, e foi feito prisioneiro, tenho-lhe sido arrancados os olhos. São poemas belíssimos, como explica Marianne Sandels, na magra antologia saída em português, «um hino à inocência, compaixão e dignidade humanas em tempo de caos e sofrimento», o que me parece ser a receita ideal para a torcida realidade actual. Um mundo heterónomo e soberbo se revela na trilogia que tenho em francês, publicada com o aval do autor, que as discutiu à sílaba com os seus tradutores. Transcrevo, entretanto, este pequeno exemplo vertido pelo Vasco Graça Moura: «SOZINHO, SOZINHO, Sozinho, sozinho, dizes que estás sozinho -/ mas o príncipe de Emghion diz: / Primeiro eu amava Xerezada/ e os seus contos/ depois Dinazarda, a sua irmã mais nova/ depois a criada dela, / depois o amante da criada, um núbio / e então o seu engraxador/ E quando me pus de joelhos/ e lambi a graxa dos seus dedos / amei a poeira/ E bebi-a tanto e tão profundamente/ que tudo para mim enegreceu». Mas veio-me isto à lembrança ao deparar com o grande debate que agora ocorre na Suécia por causa do penteado rasta da sua actual Ministra da Cultura e da Democracia. Como se sabe na Suécia metade do elenco governamental é feminino e a idade dos ministros também espanta. Antes dela ter entrado no governo, neste Janeiro último, o cargo era ocupado por, Alice Bah Kuhnke, uma afro-sueca que ocupou de forma tão competente o cargo que foi promovida a candidata para as próximas eleições europeias, mas a escolha de Amanda Lind, de 38 anos, e do Partido dos Verdes (tal como a anterior ministra), está a levantar engulhos por causa do penteado, que a “jovem” (cf. a foto) não está disposta a mudar porque o usa há vinte anos. Políticos da direita sueca, cronistas vários ou até um jovem artista e comunicador negro, Nisrit Ghebil, referem que o seu penteado é indevido. O artista acusa-a de “apropriação cultural”, sem lhe ocorrer que quando lê a Estética de Hegel ou usa um ipad Huawei talvez esteja também a fazer “apropriação cultural”. Eu preocupar-me-ia mais com as políticas que a ministra pretende desenvolver no seu mandato e que lhe ocupam o miolo sob a caixa craniana, mas este é um mundo em que o líder do país que representava o “mundo livre” diz aos jornalistas “vocês têm os vossos factos, nós temos os nossos que são factos alternativos” e por isso o que conta é o penteado. Atalhando lágrimas e suspiros, sou absolutamente fã das ministras suecas e até acho que a Amanda Lind, uma amante da BD, tem um laivo profundo de Mona Lisa que a torna providencial para o seu papel. Ainda hoje sonhei com ela. Era Verão e à beira de um rio eu tentava pescar trutas. Ela passou, viu que no meu balde já se recolhiam três trutas e sorriu, como quem diz, Convida-me para jantar. Tirou as sandálias e molhou os pés na água. Ficou aquele rio roto no calcanhar do pé dela, é o que vos digo e a mim passou-me o hábito de viver folheado em angústias.