Arquivo Histórico Ultramarino, em Lisboa, faz exposição que é grande montra do seu trabalho

[dropcap]A[/dropcap] exposição sobre obras públicas em Angola e Moçambique, no período colonial, que é inaugurada hoje, em Lisboa, “é uma grande montra do trabalho que faz o Arquivo Histórico Ultramarino”, disse a directora desta entidade.

Ana Canas, directora do Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), falava à agência Lusa a propósito da exposição “Colonizando África: Relatórios das Obras Públicas em Angola e Moçambique (1875-1975)”, coordenada pela arquitecta Ana Vaz Milheiro, e que é inaugurada na quinta-feira.

“Desde a transição da tutela do AHU – do Instituto de Investigação Científica Tropical para a Direcção-Geral do Livro, Bibliotecas e Arquivos (DGLAB), em Agosto de 2015 -, o AHU faz esta primeira exposição que permite mostrar o tipo de documentação que tem, neste caso, sobretudo relacionada com as obras públicas nas antigas colónias portuguesas, incidindo em Angola e Moçambique”, disse Ana Canas.

A responsável referiu à Lusa que, no âmbito do projecto “Coast to Coast”, que estuda a paisagem colonial e pós-colonial nos domínios da arquitectura, infra-estruturas e cidades, “tem-se tratado [arquivisticamente] documentação relativa às obras públicas em todos os espaços que estiveram sob administração portuguesa, entre meados do século XIX e a década de 1930”.

Ana Canas afirmou que, a partir deste tratamento arquivístico, “os instrumentos de pesquisa vão ser disponibilizados através da base de dados arquivística da DGLAB-AHU”, referindo que o projecto foi financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), apresentado pelo ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa.

A directora sublinhou que a “boa relação” entre as diferentes instituições, no “sentido de se descrever e tratar [a documentação], permite não só dar acesso aos investigadores como ao público em geral”.

“Aproveitou-se esta parceria, em que participam investigadores muito ligados à área da arquitectura, que precisavam de aceder a documentação, que não estava ainda identificada e descrita, e que permite que documentação sobre infra-estruturas diversas, portos, caminhos-de-ferro, edifícios públicos, etc., passe a ficar disponibilizada para todos”, explicou Ana Canas.

A exposição, que vai estar patente até 18 de Abril, no Palácio da Ega, à Junqueira, é inaugurada quando, em Lisboa, se realiza o I Congresso Internacional da Paisagem Colonial e Pós-Colonial, que começou esta quarta-feira na Fundação Calouste Gulbenkian.

A mostra, salientou Ana Vaz Milheiro, a coordenadora, dá um grande enfoque à força de trabalho, “à mão de obra”, no sector das obras públicas, apresentando relatórios, mapas, gráficos e outros documentos, desde 1875, quando foi criada a Sociedade de Geografia de Lisboa, e até 1975, quando se assinalam as independências de das ex-províncias ultramarinas de Angola e Moçambique.

A arquitecta Ana Vaz Milheiro realçou o facto de as fotografias usadas na exposição “não serem de propaganda, mas as que eram usadas pelos técnicos” – a única excepção é uma fotografia da barragem das Mabubas, em Angola.

“A ideia [da exposição] é mostrar os diversos relatórios que foram produzidos [entre 1875 e 1975] pelos diversos serviços de obras públicas coloniais, e como mostram de que forma o território foi ocupado”, disse à Lusa Ana Vaz Milheiro.

A exposição faz parte de um projecto em que se mostra como o território colonial foi ocupado, do ponto de vista historiográfico. “E os nossos colegas de Angola e Moçambique fazem análises sobre este trabalho historiográfico, tentando compreender como as opções coloniais, em termos de infra-estruturação do território, se reflectem nos países, actualmente, nas opções estruturais de desenvolvimento desses Estados”, explicou Ana Milheiro.

A mostra começa de “uma forma muito visual, com imagens, de preparação do visitante para o núcleo final”, composta sobretudo por “relatórios, mapas, gráficos”.

As infra-estruturas analisadas dividem-se em três áreas: transportes (portos, ferrovias, estradas, pontes e aeroportos), assentamentos humanos, “dentro de lógicas de exploração das matérias-primas” (agrícolas e minerais), e, finalmente, a produção hidroeléctrica, “para tornar os territórios independentes do ponto de vista energético, e até, no caso de Cabora Bassa [actual Cahora Bassa, em Moçambique], numa lógica de exportação”.

Neste âmbito, explicou Ana Vaz Milheiro, “há muitos estudos que apontam para uma relação entre o que se fazia em Portugal e o que se fazia em África”.

Segundo a investigadora, muitos dos técnicos que trabalharam em África “trouxeram esse conhecimento e aplicaram-no no território português, mas também levavam os conhecimentos da engenharia, cá, e aplicavam-na nos territórios africanos”. “Havia uma grande simbiose e trocavam-se experiências”, enfatizou.

Quanto à mão de obra, “há uma população negra nos trabalhos mais duros sobre a supervisão de homens brancos, europeus, demonstrando uma segregação no trabalho”, afirmou.

“Havia trabalho compulsivo, forçado e, mais tarde, os próprios europeus, a não querem depender desse trabalho”, exigiram “a mecanização”. prosseguiu. Assim, “no final da década de 1950, vemos operários brancos a manusearem as máquinas”.

“Nas obras públicas em Angola e Moçambique não vemos nem mulheres nem crianças”, disse à Lusa Ana Milheiro.

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