PolíticaOrganização judiciária | Governo argumenta com convenção que não se aplica em Macau Andreia Sofia Silva - 7 Dez 2018 Para justificar a ausência de recurso para o Chefe do Executivo na nova lei de bases da organização judiciária, o Governo recorreu a uma convenção europeia que não se aplica a Macau. O deputado Vong Hin Fai desvalorizou e diz que se trata apenas de uma referência de direito comparado [dropcap]A[/dropcap]equipa da secretária para a Administração e Justiça, Sónia Chan, recorreu a uma convenção europeia dos direitos do Homem que não se aplica no território para justificar o facto do titular do cargo de Chefe do Executivo continuar a não ter direito a recurso judicial na revisão da lei de bases da organização judiciária. Na última reunião da 3ª Comissão Permanente da Assembleia Legislativa (AL), que analisa a proposta de lei, o presidente da mesma, Vong Hin Fai, falou do Protocolo nº7 da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e Liberdades Fundamentais, que foi adoptado em 1984. “Este direito [de recurso] pode ser objecto de excepções em relação a infracções menores, definidas nos termos da lei, ou quando o interessado tenha sido julgado em primeira instância pela mais alta jurisdição”, pode ler-se no artigo citado pelo Governo. Ao HM, Vong Hin Fai, deputado e também advogado, disse concordar com esta opção, apesar da convenção não se aplicar a Macau. “A meu ver, em termos de direito comparado, o proponente [Governo] chamou a atenção à comissão sobre a existência deste regime, onde o direito de recurso é limitado, tendo em conta este documento internacional.” “Houve essa referência. É apenas uma fonte de inspiração por parte do proponente [Governo]”, acrescentou Vong Hin Fai, que deu o exemplo das referências relativas ao Direito português feitas pelos juízes locais. “A jurisprudência em Portugal também é citada pelos juízes em Macau. É apenas uma referência tendo em conta o direito comparado.” A convenção em causa foi implementada, em 1950 pelo Conselho da Europa, no seguimento do estabelecimento da Declaração Universal dos Direitos do Homem proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas a 10 de Dezembro de 1948. Importa referir que a China nunca ratificou esta convenção. Um outro documento internacional, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, implementado em 1966 e que vigora na RAEM, determina que todos os cidadãos de um território têm direito a recurso judicial, sem excepção. “Toda a pessoa declarada culpada por um delito terá o direito de recorrer da sentença condenatória e da pena a uma instância superior, em conformidade com a lei”, lê-se no documento. TSI ou TJB? A questão do recurso relativamente aos co-arguidos em processos conjuntos com titulares dos principais cargos ainda não está concluída. Vong Hin Fai referiu ontem que está por decidir qual o tribunal que irá julgar os co-arguidos envolvidos em processos que incluam o Chefe do Executivo e secretários. “Como é que estes co-arguidos vão ser julgados na primeira instância? No Tribunal de Segunda Instância (TSI) ou no Tribunal Judicial de Base (TJB)? Alertamos o Governo para acautelar esta situação”, disse o deputado. Caso a proposta do Governo venha a definir que os co-arguidos venham a ser julgados no TSI, tal como os secretários, surge uma situação de desigualdade, uma vez que só poderão recorrer para o Tribunal de Última Instância (TUI). Pelo contrário, os co-arguidos de processos conjuntos com o Chefe do Executivo são julgados no TJB, tendo duas possibilidades de recurso. Questionado sobre este ponto, Vong Hin Fai assegurou que não há problema. “Concordamos com o princípio de que os titulares dos principais cargos e os cidadãos comuns devem ser julgados no mesmo processo. Assim evitamos problemas com a prescrição e com todas as formalidades. A comissão concorda que deve haver, pelo menos, uma possibilidade de recurso.” Contudo, o deputado não afastou a hipótese do Governo vir a decidir que os co-arguidos de processos conjuntos com secretários possam ser julgados no TJB. “Não podemos afastar essa possibilidade no futuro, teremos de ver”, concluiu.