Reportagem | China homenageia Confúcio, pensador outrora classificado de decadente

Por João Pimenta, da agência Lusa 

[dropcap]M[/dropcap]ilhares de chineses curvam-se diariamente, em Qufu, norte da China, perante estátuas de Confúcio, num fenómeno incentivado por Pequim 40 anos após ter classificado um dos maiores sábios da China Antiga de “pensador decadente”.

“Chegou a hora do rejuvenescimento da cultura tradicional chinesa”, afirma à agência Lusa William Xiao, diretor-geral do Nishan Akademia, um ‘resort’ temático dedicado ao confucionismo, erguido na terra natal do sábio, província de Shandong.

“Aproveitamos esta era para arrancar com este projeto: queremos que mais pessoas vivenciem a cultura confucionista”, referiu William, que antes de rumar a Qufu trabalhou durante seis anos num hotel em Singapura.

Localizado na montanha Ni, o resort inclui dezenas de habitações erguidas segundo os princípios da arquitetura chinesa antiga – construções rasas de simetria bilateral, com largos telhados e um pátio aberto no centro -, em contraste com os milhares de torres e blocos de apartamentos que compõem as metrópoles do país.

Os interiores combinam o mobiliário tradicional chinês com o conforto moderno. Um riacho atravessa o complexo, que inclui ainda uma piscina de água mineral e várias fontes decorativas, ilustrando o respeito pelos princípios do ‘feng shui’ – milenar sistema originário da China que procura a harmonia com os elementos da natureza.

Entre as atividades oferecidas pelo hotel, constam a leitura dos clássicos de Confúcio, prática da caligrafia chinesa ou um jantar de acordo com a etiqueta confucionista.

“Trata-se de uma ótima combinação com as políticas e princípios orientadores nacionais”, resume William Xiao, sobre o Nishan Akademia, onde nas proximidades foi inaugurada, no mês passado, uma estátua de Confúcio, com 72 metros de altura.

A reabilitação oficial do confucionismo não é novidade na Ásia, particularmente em regimes autoritários: o antigo primeiro-ministro de Singapura Lee Kwan Yew ou o ditador sul-coreano Park Chung-hee sublinharam também “as virtudes” associadas ao sábio, incluindo o culto da educação e do serviço público, a lealdade e o respeito pela autoridade, contra a infiltração dos “valores ocidentais”.

Durante séculos, os escritos confucionistas compuseram os exames do serviço imperial da China, dos quais dependia a promoção dos burocratas chineses, promovendo uma ordem social e familiar com base no respeito à hierarquia.

No entanto, durante a Revolução Cultural (1966-76), radical campanha política de massas lançada pelo fundador da China comunista, Mao Zedong, Confúcio foi rotulado de “pensador decadente e reacionário”, representante do feudalismo do passado que o novo regime queria erradicar.

Mao era o único ‘pensador’ no qual se podia acreditar.

Milhões de chineses iam em peregrinação para Pequim para verem o “Grande Timoneiro”, “O Maior Génio Vivo” ou “O Sol Mais Vermelho da Terra”? A tiragem do ‘Livro Vermelho’ com as suas citações – um manual de educação política que os chineses tinham de ler diariamente – ultrapassou os 5.000 milhões de exemplares.

Em Qufu, o Templo, Cemitério e Mansão da Família de Confúcio foram vandalizados pelos guardas vermelhos, os jovens radicais que constituíam “a vanguarda” da Revolução Cultural, e entretanto reconstruídos pelas autoridades.

Hoje, recebem diariamente milhares de visitantes, que prestam homenagem ao sábio cujos ensinamento éticos compõem a base do pensamento tradicional chinês.

Também o atual Presidente chinês, Xi Jinping, visitou Qufu, em 2013, numa das suas primeiras deslocações após ascender ao poder.

Kong Fanyin, um dos muitos descendentes do pensador, observa que “um partido da oposição é sempre contra Confúcio”, mas que “ao chegar ao poder, começa a ver o seu lado bom”.

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