Diplomacia | Londres pressionou Lisboa a não garantir nacionalidade aos residentes de Macau

O Reino Unido pressionou Portugal a não conceder nacionalidade portuguesa aos residentes de Macau em meados na década de 1980 para evitar que o mesmo pudesse vir a ser reivindicado em Hong Kong

 

[dropcap style≠’circle’]É[/dropcap] o que revelam documentos oficiais britânicos, disponibilizados pelos Arquivos Nacionais de Londres: o Reino Unido pressionou Portugal para não conceder nacionalidade portuguesa aos residentes de Macau (antigo enclave português) para impedir que os habitantes de Hong Kong (antiga colónia britânica) tivessem aspirações idênticas antes da transferência de soberania.

Segundo o South China Morning Post, que cita os documentos que deixaram de estar classificados, a tensão entre os dois países remonta a 1985, ano em que Portugal preparava a entrada na Comunidade Económica Europeia (CEE), actual União Europeia. Activistas de Hong Kong, ouvidos pelo mesmo jornal, consideram que os ficheiros vêm mostrar, mais uma vez, o tratamento “vergonhoso” dado pelo Reino Unido aos residentes da então colónia britânica durante o período que viria a culminar na entrega do território à China, em 1997.

De acordo com o SCMP, Londres apenas concedeu o direito de residência a 50 mil habitantes de Hong Kong e aos respectivos familiares, atribuindo aos demais o passaporte British National (Overseas). O documento não oferece as mesmas regalias e permite apenas a permanência no Reino Unido por um período de seis meses, além do gozo de assistência consular fora de Hong Kong.

Os ficheiros analisados pelo SCMP indicam que o então secretário do Interior britânico, Douglas Hurd, instou os seus colegas a persuadir Lisboa a apertar os critérios para a atribuição de nacionalidade portuguesa aos residentes de Macau. Numa carta, endereçada ao então ministro dos Negócios Estrangeiros britânico, Geoffrey Howe, datada de Outubro de 1985, Douglas Hurd alerta que qualquer residente com passaporte português em Macau teria possibilidade de viver e trabalhar no Reino Unido ou em qualquer parte da CEE.

Sob pressão

Uma estimativa da época indicava que cerca de 85 mil residentes de Macau teriam direito à nacionalidade portuguesa, mas Hurd temia que o número fosse maior. “Com Macau a regressar ao controlo da China eventualmente ao mesmo tempo que Hong Kong, é provável que haja muitos macaenses de nacionalidade portuguesa que decidam que a Europa, em vez de Macau, seja o lugar certo para estar”, escreveu.

Para Hurd, era claro que as autoridades britânicas iriam ficar sob pressão por causa da posição dos portugueses que permitia um acesso mais livre ao Reino Unido por parte dos residentes de Hong Kong. Não obstante, o mesmo responsável insistiu que Londres deveria resistir a tal pressão, embora reconhecendo que tal postura era passível de fortes críticas.

Na resposta, o chefe da diplomacia britânica reiterou, contudo, que não iria iniciar conversações directas com as autoridades de migração em Macau sobre o assunto, dado que o então governador de Hong Kong receava que maior pressão britânica sobre os portugueses pudesse ser ressentida na cidade.

Portugal, ao contrário do Reino Unido, não faz distinções, não possuindo um sistema de dois níveis. Os passaportes portugueses – que têm inerente pleno direito de cidadania – foram concedidos a todos os nascidos antes de 20 de Novembro de 1981, podendo a nacionalidade portuguesa ser transmitida aos seus filhos.

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