h | Artes, Letras e IdeiasRecuperação urgente dos carrilhões de Mafra prestes a começar Michel Reis - 16 Jul 2018 [dropcap style≠’circle’]F[/dropcap]oi publicada no dia 14 de Março de 2018 em Diário da República a portaria de extensão de encargos conjunta do Ministério da Cultura e do Ministério das Finanças do Governo de Portugal que desbloqueia os 1,5 milhões de euros destinados ao restauro dos carrilhões do Palácio Nacional de Mafra, ficando a Direcção Geral do Património Cultural autorizada a celebrar contrato no valor máximo de Euro 1.549.025,33, através do Fundo de Salvaguarda do Património Cultural, destinado à operação de restauro dos carrilhões, encargos repartidos pelos anos económicos de 2018 e 2019. No passado dia 18 de Abril, o ministro da Cultura, Luís Filipe Castro Mendes, afirmou no parlamento que “há luz verde” para que se inicie a empreitada de recuperação “urgente” dos carrilhões de Mafra, após a obtenção do visto do Tribunal de Contas, marcando o fim de um impasse de 14 anos, iniciado em 2004, quando se procedeu ao escoramento dos sinos. O ministro falava aos deputados da Comissão de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto, na qual estava a ser ouvido no quadro de uma audição regimental, para apreciação da política geral do Ministério da Cultura. Desde Maio de 2014 que os carrilhões e sinos do Palácio Nacional de Mafra, que, no seu conjunto, constituem o maior carrilhão do século XVIII sobrevivente na Europa e um conjunto histórico de valor patrimonial único no mundo, figuram entre os sete monumentos mais ameaçados do continente europeu, segundo o movimento Europa Nostra (www.europanostra.org), o principal movimento de cidadãos europeus para a protecção do património cultural e natural europeu. O Europa Nostra, liderado pelo tenor e maestro Plácido Domingo, com o apoio do Banco Europeu de Investimento, veio alertar para a urgência das obras e mobilizar entidades públicas e privadas a nível nacional e internacional para se encontrar o financiamento necessário para uma rápida intervenção em Mafra. Os conjuntos sineiros apenas se têm mantido por estarem sustentados em sucessivas intervenções de escoramento. Apesar da maioria dos sinos de maior dimensão estarem escorados, as estruturas de suporte de madeira apresentam apodrecimento generalizado e as suas ligações de entalhe há muito que se encontram fragilizadas ou mesmo desaparecidas pela perda de material lenhoso. Existem cabeçalhos que, pela degradação da madeira e dos elementos metálicos, se encontram em perigo de queda, verificando-se, inclusivamente, deformações dos escoramentos em consequência do assentamento contínuo de estruturas e sinos, encontrando-se, frequentemente, peças, tanto de madeira como metálicas, ferragens e ligações, nos pavimentos das torres e nos terraços contíguos onde são visíveis danos no revestimento de cobre pelo impacto da queda de peças dos carrilhões. O Palácio Nacional de Mafra, mandado construir pelo Rei D. João V de Portugal “o Magnânimo”, no início do séc. XVIII, alberga o maior conjunto sineiro do mundo – composto por dois carrilhões e 119 sinos afinados musicalmente entre si (divididos em sinos de horas, litúrgicos e de carrilhão), encomendados na Flandres a dois fundidores de sinos diferentes e pesando o maior 12 toneladas, num total de 217 toneladas. Estes constituem – a par do único conjunto conhecido de seis órgãos de tubos concebidos para utilização simultânea, instalado na basílica do palácio, encomendados por D. João VI no final do séc. XVIII para substituir os primitivos que estavam degradados, e da biblioteca – o património mais importante do palácio. O carrilhão da torre norte nunca foi alterado e constitui, por conseguinte, um exemplo raro do som de sinos no seu estado original de afinação. O restauro dos seis órgãos, concluído em 2010 pelo mestre Dinarte Machado, foi distinguido em 2012 com o Prémio Europa Nostra. Um carrilhão é um instrumento musical de percussão formado por um teclado e por um conjunto de sinos de tamanhos variados, controlados pelo teclado. Os carrilhões são normalmente alojados em torres de igrejas ou conventos e são um dos maiores instrumentos do mundo. Os carrilhões de Mafra são instrumentos musicais notáveis, cobrindo cada um deles uma amplitude de quatro oitavas e sendo, por isso, considerados carrilhões de concerto. Foram executados por dois fundidores de sinos dos Países Baixos: Willem Witlockx, um dos mais respeitados fundidores de sinos em Antuérpia e Nicolas Levache, um fundidor de Liége responsável por diversos carrilhões e que deixou efectivamente em Portugal uma tradição de fundição que perdurou por mais de um século após a conclusão do trabalho em Mafra. Este património único inclui também o maior conjunto conhecido de sistemas de relógios e de cilindros de melodia automática, possuindo ambas as torres de Mafra mecanismos automáticos de toque. Este é um marco mundial para o estudo, quer da música automática, quer da relojoaria. Estes complexos engenhos são capazes de tocar de modo intermutável de entre cerca de dezasseis diferentes e complexas peças de música, em qualquer momento. Os cilindros melódicos de Mafra foram executados pelo famoso relojoeiro de Liège da primeira metade do século XVIII, Gilles de Beefe. A Câmara Municipal de Mafra congratula-se pelo início dos trabalhos de restauro dos carrilhões do Palácio Nacional de Mafra. A intervenção tem a duração prevista de 450 dias, devendo estar concluída em Setembro de 2019. O restauro dos carrilhões constitui um ponto importante na valorização do património identitário do Concelho, assegurando a sua transmissão às gerações futuras, permitindo reforçar o papel único do Real Edifício de Mafra no campo dos instrumentos musicais integrados no património arquitectónico, inscrevendo-o nos principais circuitos internacionais. Na mesma ocasião, o ministro sublinhou que a tutela “tem um projecto” para Mafra, que é a transferência do Museu da Música, sobre o qual já estabeleceu acordo com a autarquia local para instalar os instrumentos em dois pisos do Palácio Nacional de Mafra. O Museu Nacional da Música encontra-se instalado num espaço provisório desde 1994, disponibilizado pelo Metropolitano de Lisboa, na estação do Alto dos Moinhos. O Museu detém “uma das colecções mais ricas da Europa”, de acordo com a sua apresentação, contando com cerca de 1400 instrumentos, entre os quais o cravo de Joaquim José Antunes (1758), o cravo de Pascal Taskin (1782), o piano Boisselot et Fils, que o compositor e pianista Franz Liszt trouxe para Portugal, e que documenta a sua passagem por Lisboa em 1845, e o violoncelo Antonio Stradivari, que pertenceu ao rei D. Luís. Espólios documentais, acervos fonográficos e iconográficos, como os de Alfredo Keil, autor do Hino Nacional português, fazem igualmente parte do Museu da Música.