Comércio | Penálti de vinho português na terra natal da emigração chinesa

[dropcap style=’circle’] E [/dropcap] m Qingtian, leste da China, um complexo de armazéns com 267.000 metros quadrados remete para os centros de revenda de produtos chineses no Porto ou em Lisboa, mas aqui a mercadoria inclui ‘Made in Portugal’

“Os produtos importados, nomeadamente portugueses, vêm directamente para aqui, e são depois vendidos para toda a China”, explicou Zhou Heping, chefe do condado que é terra natal de um terço dos quase 30.000 chineses radicados em Portugal.

No armazém de Li Changfeng, que vive entre Espanha e a China, cerca de metade do vinho é português – estão representadas quase quarenta quintas, do norte ao sul do país. Mas para Li, o vinho é só um ‘hobby’: “O meu negócio é o imobiliário”.

Na loja ao lado, caixas com 24 unidades de ‘Chaoji Boke’ (Super Bock, em chinês) estão pousadas ao lado da porta. Cada caixa custa 95 yuan (12,5 euros). “Nós também trazemos produtos portugueses para a China; contribuímos para a economia portuguesa”, disse à Lusa Zhang Zhenghua, emigrado em Portugal há vinte anos, durante um almoço regado com Quinta do Vale Meão 2013.

Aquele tinto do Douro, que em Portugal custa mais de 100 euros, é aqui consumido segundo o costume local: de penálti, ou ‘ganbei’, como dizem os chineses.

“Os nossos filhos nasceram em Portugal, são portugueses, queremos o melhor para o país”, insistiu Zhang, tentando contrariar a imagem da comunidade chinesa como predatória, de concorrência desleal para o pequeno comércio.

À frente dele está sentado Sun Zhongwu, radicado em Lisboa desde 1996, e que exporta também vinho português para a China. Do outro lado, está Alexandre Chen, que cresceu no Porto, e tem hoje uma agência de viagens que em 2017 levou mil chineses a visitar Portugal.

O retorno

Acompanhando o ‘boom’ económico que converteu a China na segunda maior economia mundial, muitos dos emigrantes chineses estão a realizar o percurso contrário ao que fizeram nos anos 1980 e 1990, num fluxo que as autoridades portuguesas querem que se reflicta no comércio bilateral. “É desejável que os nossos amigos contribuam mais para uma balança comercial equilibrada”, disse, em Qingtian, o embaixador português na China, José Augusto Duarte, a Yi Ping Chow, presidente da Liga dos Chineses em Portugal. “Da próxima vez que cá vier, quero ver mais produtos portugueses”, afirmou.

Só no primeiro trimestre deste ano, Portugal importou da China bens no valor de 816 milhões de dólares, fixando o crónico deficit comercial com o país asiático em cerca de 287 milhões de dólares, segundo dados das alfândegas chinesas publicados no portal do Fórum Macau.

Cerca de um terço das exportações portuguesas corresponde a veículos e outros materiais de transportes, sobretudo devido às vendas de carros fabricados pela Autoeuropa, a unidade da Volkswagen em Setúbal. Mas o diplomata conta com os imigrantes chineses para impulsionar as exportações de vinho, azeite e cerveja. “As pessoas [na China] estão a começar a apreciar estes produtos”, observou.

Situado no sul de Zhejiang, uma das mais prósperas províncias chinesas, Qingtian tem cerca de meio milhão de habitantes, mas 350.000 naturais do condado vivem fora da China, sobretudo no sul da Europa.

O primeiro fluxo migratório remonta à Primeira Guerra Mundial, quando a China enviou milhares de trabalhadores locais para apoiarem os Aliados, conta à Lusa Xing Changyong, director do gabinete de relações internacionais do condado.

Nos anos 1980, a política de Reforma e Abertura, adoptada pelo líder chinês Deng Xiaoping, impulsionou um segundo fluxo migratório, mas desta vez a batalha era outra: assegurar mercados para as fábricas que brotavam no leste chinês, à medida que o país se abria à iniciativa privada.

Nesta parte da China, a geografia isolou historicamente as povoações, reforçando o sentimento de comunidade. Qingtian, que fala o seu próprio dialecto, fica num vale montanhoso, cortado pelo rio Oujiang, outrora a única saída para o exterior.

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