EventosAnthony Bourdain | Há seis anos, o chef norte-americano provou minchi Andreia Sofia Silva - 11 Jun 2018 Foi com o programa “Sem reservas”, da CNN, que o chef, escritor e apresentador de televisão norte-americano Anthony Bourdain esteve em Macau, em 2011. Comeu caril de quiabos com camarão na cantina da APOMAC e jantou minchi na casa de Cecília Jorge, além de ter experimentado as iguarias chinesas em tascas de rua no Patane. Bourdain cometeu suicídio aos 61 anos em França esta sexta-feira [dropcap style≠’circle’]D[/dropcap]espretensioso, um conversador nato, um amante de boa e variada comida mas, sobretudo, de conversas sobre a cultura e os hábitos das pessoas. Assim era Anthony Bourdain, chef de cozinha, e escritor e apresentador de programas de gastronomia. O apresentador da CNN cometeu suicídio esta sexta-feira em França depois de ter atravessado um longo período de depressão e consumo de drogas duras. Em 2011 Bourdain esteve em Macau a gravar um dos episódios do programa da CNN intitulado “Sem Reservas”, que contou com a presença de vários membros da comunidade macaense, tal como Cecília Jorge, que preparou um minchi na sua casa. Anthony Bourdain encontrou-se ainda com o falecido padre Lancelote Rodrigues no Clube Militar, que posteriormente o levou a almoçar na cantina da Associação dos Aposentados, Reformados e Pensionistas de Macau (APOMAC). Francisco Manhão, presidente da APOMAC, recordou ao HM o momento em que o apresentador experimentou o prato macaense caril de quiabos com camarão, por sugestão do padre Lancelote Rodrigues, que adorava essa comida. “Sei que adorou a nossa comida e falamos um bocado sobre a comida macaense e portuguesa também, sobre o que costumamos preparar na cantina da APOMAC”, contou Manhão, que ficou “surpreendido” com a visita de uma personalidade mundial. “Tanto Cecília Jorge como o padre Lancelote Rodrigues acharam que era um bom lugar para ele ficar a conhecer a gastronomia macaense.” O presidente da APOMAC recorda “uma pessoa alegre e divertida”. Também Jorge Fão, outro dirigente da APOMAC, se lembra dessa visita inesperada, apesar de não ter estado presente nesse almoço. “Tudo aconteceu no dia de aniversário de um colega meu. Quando ele estava a almoçar apareceu o Anthony Bourdain acompanhado pelo padre Lancelote Rodrigues. Foi o padre que o levou à APOMAC.” Apesar do privilégio de contar com a presença do apresentador, os dirigentes da APOMAC nunca quiseram usar isso para promoverem o espaço de refeições, que, apesar de receber gente de fora, tem como principal objectivo servir almoços aos associados já idosos. “A APOMAC nunca quis fazer publicidade, não gostamos muito de nos aproveitar disso. A APOMAC é sempre uma cantina que serve os idosos e os associados, é essa a nossa intenção original. Mas não podemos objectar a entrada de pessoas muito célebres. Isto é bom para a comida macaense, porque acontece a publicidade através de pessoas célebres, porque está em causa o nosso património.” “Era frontal, inteligente” Cecília Jorge, macaense e autora de inúmeros livros sobre a gastronomia já distinguida pela UNESCO, lembra que o seu encontro com o famoso apresentador foi fruto de um acaso, pois Bourdain nunca foi muito conhecido nesta zona do mundo. “Foi uma situação um bocado maluca. Eu e o meu filho João trabalhávamos no jornal Macau Daily Times, e nós não tínhamos quase tempo livre para acompanhar pessoas. Não sabíamos quem ele era, porque em Macau não tínhamos acesso ao programa. O que aconteceu é que o editor da CNN em Hong Kong me pediu ajuda para ser consultora no programa, para que desse esse contexto sobre a gastronomia macaense.” Cecília Jorge e o filho, João Jorge Magalhães, artista e designer, acabaram por ser guias gastronómicos de Bourdain, mostrando-lhe o que de melhor tem a comida macaense e chinesa. Além da cantina da APOMAC, o apresentador passou pelo restaurante Fernando, em Coloane, e por várias tascas de rua na zona da Ribeira do Patane. “O João, como conhece esse sítios todos acabou por ir. No fim insistiram numa coisa que eu tinha dito desde o inicio que não participava, que cozinhasse na minha casa e servir uma refeição. Eu tinha dito desde o inicio que a minha cozinha era uma vergonha porque em Macau é tipicamente chinesa e não dava para fazer muita coisa, é pequena.” A verdade é que Cecília Jorge acabou por confeccionar uma das centenas de opções que existem do minchi. E destaca as diversas dificuldades que a equipa de filmagens teve de enfrentar para conseguir fazer o programa em Macau. “Eles insistiram comigo porque tinham tudo programado e a dada altura as pessoas começaram a desistir. Ele [o editor da CNN em Hong Kong] pediu-me então para lhe ir safando o programa, para não ser um flop. Acabamos por ajudar a fazer um programa que foi sendo adaptado constantemente. Só quem sabe a falta de condições daquela equipa para filmar… julgo que passaram dias sem conseguir comer sequer. E penso que mesmo assim fizeram um programa interessante.” A autora do livro “Os Sabores das Nossas Memórias – A Comida e a Etnicidade Macaense”, entre outros, assume ter aceite o desafio apenas porque gostou do formato do programa de Bourdain, que era conhecido por experimentar todo o tipo de comida, desde a mais gourmet aos pratos de rua, servidos em tascas. “O formato do programa agradou-me desde o inicio e percebi que seria uma boa maneira de abordar a gastronomia macaense e Macau, no fundo. Aceitei por causa disso, sem saber quem ele era e qual seria a dimensão e o impacto.” Além disso, Bourdain “era frontal, inteligente, culto, vivido. Não era vedeta”, acrescenta a autora. “A abordagem que ele fez da comida foi interessante. Foram-se conseguindo mais pessoas para dar o cunho local sobre a maneira de se viver em Macau. Tive dois a três dias com ele e era uma pessoa extremamente interessante como ser humano.” Mesmo quando almoçou na APOMAC, o apresentador da CNN destacou-se pela conversa e pela abertura em conhecer um novo tipo de gastronomia. “Ele não experimentou muita coisa. Ele gostava de conhecer pessoas e a cultura, através da gastronomia ele queria saber como é que os povos vivem. Serviu mais em termos de conversa sobre questões culturais ligadas à comida do que propriamente para provar este ou aquele prato.”