h | Artes, Letras e IdeiasSegundo e terceiro dia das comemorações José Simões Morais - 11 Mai 2018 [dropcap style=’circle’] N [/dropcap] o artigo anterior ficou relatado o primeiro dia das comemorações do IV Centenário do Caminho Marítimo para a Índia realizadas em Macau a 17 de Maio de 1898 e agora aqui descrevemos as celebrações dos dois dias seguintes. O Porvir (hebdomadário ‘Estritamente dedicado a propugnação do bem-estar dos portugueses no Extremo-Oriente’ aparecera a 20-11-1897, com a redacção em Wyndham Street 1A em Hong Kong e editor responsável Luís M. Xavier) refere terem os chineses nas noites de 17, 18 e 19 realizado uma procissão, levando um pagode, cônscios de que com esse ídolo conseguiriam enxotar a peste da cidade, gritando pelo caminho, . Anota-se já em Macau que a peste vai declinando pois, dia a dia, diminui o número de atacados. A cidade nos quatro dias das comemorações não se iluminara festivamente, mas os edifícios públicos estão-no. Numa das janelas do Leal Senado há um grande quadro, pintado a fresco pelo Sr. Jaime dos Santos (vulgo Meme), representando o desembarque de Vasco da Gama em Calicut. Um outro magnífico quadro transparente, com Vasco da Gama a bordo da nau S. Gabriel, também do mesmo autor, encontra-se na casa de um chinês abastado, o Sr. Francisco Tze Iat (conhecido por Francisco Volong), na Avenida do Conselheiro Ferreira de Almeida, bairro de S. Lázaro; casa que se apresenta bem iluminada. A “Empreza Económica” representa a sua iluminação por uma enorme estampilha de quatro avos, esplendidamente pintada pelo Sr. Ricardo de Souza Júnior, gerente daquela casa comercial. O Hotel Hing kee apresenta-se com balões chineses e a redacção de O Independente ilumina as suas janelas a balões japoneses. Em todos os actos, durante os quatro dias dos festejos, a banda militar toca o hino de Vasco da Gama. Já a tuna académica, regida pelo estudante do liceu Fernando Cabral, acompanhada de estudantes da diferentes escolas, percorre as ruas da cidade nas noites de 17, 18, e 20, em marcha aux flambeaux, parando em frente das casas dos professores do liceu, do seminário, do palácio do governo, do paço episcopal, etc. dando entusiásticos vivas à Pátria, aos professores, e outros. Levam uma bandeira de Portugal e o pendão do liceu. Segundo dia das celebrações Ao meio-dia de 18 de Maio de 1898 a Fortaleza do Monte salva com 21 tiros e a Irmandade da Santa Casa da Misericórdia oferece “um bodo aos pobres distribuindo 150 senhas de valor de $1 cada uma, dando aos pobres o direito de proverem-se, no fornecedor Tse-seng, de quaisquer géneros que mais lhes aprouvessem até ao valor das senhas e mandou para as órfãs da Casa de Beneficência das irmãs canossianas carne de vaca e de porco, presunto, galinha, etc., para preparar um bom jantar e iguais géneros mandou para os inválidos de ambos os sexos do Hospital S. Rafael”, segundo o Echo Macaense. Assim se percebe a notícia do Independente e de O Porvir ao referirem haver um bodo a 200 pobres, distribuído por meio de senhas na Santa Casa da Misericórdia. Durante o dia não ocorre nenhuma outra manifestação e à noite há música no jardim público de S. Francisco com a banda militar. À noite saem outra vez, com a sua orquestra, os alunos do liceu, fazendo também neste dia uma marcha aux flambeaux. Partindo do liceu, seguem em direcção à casa do professor João Pereira Vasco, o qual os convida para subir e lhes serve um copo de vinho e brinda a Portugal, ao povo de Macau e à academia macaense. Dirigem-se em seguida ao Seminário de S. José para saudar os seus irmãos nos estudos. Aí são recebidos com palmas pelo Reverendo Padre Reitor, por todos os professores e alunos, trocando-se diferentes vivas de parte a parte. É-lhes também oferecido um finíssimo copo de vinho. Depois voltando do Seminário passam pela Praia Grande, pelo jardim público de S. Francisco e pelo quartel de S. Francisco, em frente do qual param para dar vivas ao exército. Terceiro dia de comemorações Quem escreve com mais pormenor sobre o dia 19 é o Echo Macaense de 22 de Maio, que refere, “Às 5 da tarde achava-se reunido na Gruta de Camões todo o funcionalismo, tendo à testa o Exmo. Governador, todo o Clero e muito povo”. O Provir de 21 de Maio complementa, “com grande concorrência, a cerimónia da colocação de uma coroa no busto de Camões, deposta por S. Exa. o conselheiro governador, que nessa ocasião fez um breve discurso”, dizendo ter o prazer de ver reunida toda a cidade de Macau naquele local tão celebrado na nossa literatura, que a coroa de louros ali colocada junto ao busto do nosso épico atestará aos vindouros o alto e patriótico apreço que esta cidade do Santo Nome de Deus faz do imortal poeta que cantou a viagem do Gama. [No momento em que se procede à colocação da coroa no busto de Camões são tiradas fotografias.] Usa depois da palavra o Sr. Dr. Horácio Poiares, que narra a vida de Luís Vaz de Camões, salientando ter sido Macau a primeira de todas as colónias portuguesas a prestar-lhe culto. Ao lado do governador estão os alunos do liceu, com a sua filarmónica e bandeira portuguesa. Concluída a cerimónia, percorrem os estudantes as ruas da cidade. Nessa tarde devia ter tido lugar também o lançamento da pedra fundamental do monumento a Vasco da Gama e dizia-se que nessa ocasião faria um discurso o Sr. Dr. Juiz de Direito”, Ovídio d’ Alpoim. A crónica do jornal O Independente é semelhante à de O Provir, apenas dando ênfase ao esplêndido discurso do governador, “repassado do mais ardente patriotismo” e o do “nosso prezado amigo Sr. Dr. Horácio Poiares, que, num entusiástico improviso, frisa principalmente o entranhado amor pátrio do nosso primeiro épico, arrebatando o numerosíssimo auditório com a sua palavra correcta e fluente.” Refere ainda O Independente que, a tuna académica esteve na Gruta de Camões por ocasião da colocação da coroa de bronze, tocando o hino nacional. Saíram da Gruta tocando uma marcha e dirigiram-se a casa do Sr. Comendador Lourenço Marques, que foi quem à sua custa levantou a estátua a Camões, quando aquele pitoresco jardim lhe pertencia. [Este busto, que em 1866 substituíra um outro, é feito em bronze, sendo a autoria de Manuel Maria Bordalo Pinheiro. No pedestal estão gravadas à frente as estâncias I, II e III do Canto I dos Lusíadas e na parte de trás a sua tradução em chinês. Em 1885, a propriedade foi vendida ao governo de Macau e transformada em jardim público, tendo-se nessa altura demolido várias construções que havia sobre os rochedos de Camões.] Feitos os cumprimentos ao venerável ancião, é-lhes servido um delicioso copo de champanhe. Honra seja feita aos estudantes, que deram a nota verdadeiramente festiva do feito que se comemora, organizando o cortejo dirigido pelo estudante do liceu Carlos Cabral. À noite há música em frente do palácio, terminando assim o terceiro dia das celebrações.