Pamela Ieong, intérprete-tradutora | Um gosto natural pelas línguas

[dropcap style=’circle’] Q [/dropcap] uando era criança, não sabia o que queria ser. À inoportuna pergunta respondia o que os professores queriam ouvir: médica ou advogada. Não tinha grandes ambições na altura, mas quando saiu da escola secundária começou a perceber melhor do que era capaz. “Gostava de aprender línguas e acabei por optar pela licenciatura em Estudos Portugueses na Universidade de Macau”, conta Pamela Ieong.

Embora interessada pelas línguas em geral (hoje domina quatro), ao pensar nas oportunidades, o português era o que “tinha mais vantagem” no contexto de Macau. O facto de o curso incluir um programa de mobilidade também foi uma aliciante. “Já sabia que podia fazer um intercâmbio no terceiro ano e, por isso, optei pela língua portuguesa”.

“No início foi difícil. Hoje acho que estou melhor”, brinca a jovem de 29 anos que trabalha a tempo inteiro como intérprete-tradutora no Instituto de Acção Social (IAS). “Não conhecia ninguém de Portugal ou de outros países de língua portuguesa. Antes de ir fazer a entrevista para a universidade pedi ajuda a uma amiga que, meses antes, tinha estado a aprender português no Instituto Português do Oriente (IPOR)”. “Ela ensinou-me a dizer o nome, em que escola andei, um conjunto de frases que depois usei na entrevista. Disse tudo o que aprendi com ela, o resto só em inglês!”

O verdadeiro primeiro contacto com o português aconteceu pouco antes de começar o ano lectivo, já que decidiu inscrever-se no Curso de Verão de Língua e Cultura Portuguesa, também na Universidade de Macau.

Quando chegou o terceiro ano do curso seguiu para Portugal, aproveitando a boleia do programa de intercâmbio. Esteve principalmente em Braga, mas também em Coimbra. “Gostei imenso da experiência”, enfatiza Pamela Ieong, que viu o seu gosto ser influenciado pela cultura do país mais ocidental da Europa.

O café figura como o exemplo mais evidente: “Em Macau é mau, mas lá experimentei e gostei. No meu antigo trabalho também bebiam muito e eu agora também bebo”. Numa incursão pelos doces também se deparou com a descoberta – não rara entre chineses de Macau – de que o pastel de nata “é totalmente diferente” e “come-se com canela”.

Depois de concluir os estudos, Pamela Ieong estagiou no Jornal Tribuna de Macau. Foi depois para o Instituto Internacional de Macau (IIM), o seu primeiro emprego, seguindo-se uma passagem pela Fundação Macau até se mudar, há três anos, para o IAS. “Os meus trabalhos foram sempre ligados à língua portuguesa”, explica, convicta de que a aposta foi acertada. “Não me arrependo. Além disso, o português já me deu muitas oportunidades para ir ver mundo”.

“Em Portugal, tinha vergonha de falar em público, mas depois de voltar ganhei mais confiança e participei num grupo de Toastmasters. Primeiro em inglês, depois em português. Ajudou-me muito e também fiz amizades com pessoas de países de língua portuguesa, como de Moçambique”, diz a intérprete-tradutora.

Pamela Ieong gosta muito do que faz, sobretudo porque esse ofício, de converter um mundo para o outro, “pode ser um bom instrumento para ajudar muita gente”. Esta ideia acompanha-a desde cedo, dos tempos em que ouvia os pais a narrarem-lhe as dificuldades que encontraram em fazer-se entender nos departamentos públicos quando chegaram a Macau.

À sua volta há uma verdadeira babel. No emprego trabalha com o português e com o cantonês; em casa fala em mandarim com o marido malaio; enquanto com o sogro, por exemplo, a conversa decorre em inglês. Nos tempos livres, gosta de ler: em casa mais em chinês, no serviço mais em português. “Tenho que dominar as duas línguas e também de ler muito para conseguir traduzir bem”, realça Pamela Ieong, fã da escrita de Mia Couto.

Deixar um dia a terra-natal é uma possibilidade em cima da mesa. “Queria ir para fora, mas acho que Macau é um sítio onde posso ter um bom começo. Dentro de alguns anos, se conseguir alguma oportunidade em Portugal ou no Brasil, por exemplo, talvez arrisque”, confessa.

“Se calhar mais Portugal, porque conheço”, reconhece a intérprete-tradutora que, em 2014, esteve durante três meses no Porto, onde fez serviço de voluntariado, enquanto acompanhava a irmã que, curiosamente, também foi atrás da língua portuguesa. “Foi escolha dela, não a forcei. Ela fez-me perguntas antes de decidir que curso tirar, não decidi por ela. Mas ela quer ser professora”.

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